Pavio curto, coração mole

Datena repassa carreira, diz que não gosta de brigar e se emociona ao comentar luta do filho contra as drogas

Gilvan Marques Do UOL, em São Paulo
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Marcelo Ferraz/UOL Marcelo Ferraz/UOL

Usando óculos escuro no "estilo do ator e cineasta Jack Nicholson", o apresentador José Luiz Datena, 60, caminha pela Redação a passos lentos, cumprimenta nominalmente a todos os companheiros de trabalho e, em seguida, se aproxima da sala onde dará continuidade a entrevista --cancelada dois dias antes por conta de um almoço com o presidente do Grupo Bandeirantes, Johnny Saad, e o ministro da Defesa, Raul Julgmann.

Comunicativo como poucos, Datena se apressa em explicar assuntos que seriam abordados pela reportagem, como a crise política no Brasil e a violência no Rio, mas logo interrompe a conversa para dar uma bronca em colegas.

"Ei, olha o barulho! Manda esses caras falarem baixo. Vocês acham que estão no estádio do Corinthians? Me ajuda aí, ô", pede Datena, usando o já tradicional bordão. O pedido do silêncio é prontamente atendido.

De volta à entrevista, o apresentador do programa policial "Brasil Urgente" relembra o início de sua carreira como repórter esportivo, a demissão da Globo depois de subir ao palanque em um comício do Lula, a multa de US$ 10 milhões que pagou à Record por quebra de contrato, brigas com colegas de televisão e as investidas na política.

Ele também se emociona ao comentar a importância de Luciano do Valle (1947 - 2014) em sua vida e o dia em que o filho se livrou das drogas depois de tocar a mão de Chico Xavier (1910 - 2002).

Pacientemente, responde a cada um dos questionamentos. Não foge de nenhuma pergunta. São quase 3 horas de entrevista em que revelam-se duas facetas: a de um apresentador com pavio curto, mas também a de um homem com imenso coração mole.

"Em toda briga, você perde"

Apresentador relembra (e se arrepende) de discussões com Xuxa e multa de US$ 10 milhões da Record

Datena reconhece ser um “cara muito difícil de lidar”. Não à toa, o apresentador acumula inúmeras brigas e discussões públicas com colegas de trabalho e personalidades importantes. Brigas, não, "reações", como ele prefere.

Na lista constam nomes como Milton Neves, Luciano Faccioli, Paulo Maluf, o vice-presidente de jornalismo da Record, Douglas Tavolaro, e o último deles, Xuxa Meneghel.

No caso de Xuxa, a apresentadora criticou publicamente o fato do filho de Datena, o também apresentador Joel Datena, defender que uma criança de 10 anos apanhasse dos pais, em uma das vezes que substituiu o pai no "Brasil Urgente". Datena entrou na discussão e chamou a contratada da Record de “imbecil e garota de programa infantil”.

“Eu mandei uma frase infeliz, não foi legal. Muitas pessoas me disseram que eu não devia ter falado, e eu acho que elas têm razão”, avalia ele.

Embora reconheça o erro, Datena se recusa a pedir desculpas a Xuxa. “Nem ela pediria desculpas a mim, nem eu pediria desculpas a ela”.

Em outro episódio ilustrativo do temperamento explosivo, Datena voltou para a Record em 2011, mas se envolveu em brigas e ficou apenas dois meses na emissora de Edir Macedo.

"Eu fui para a Record, comecei a ter algumas limitações e quebrei o pau com os caras lá dentro. Mas eu reconheço que sou um cara muito difícil. É porque quando não fazem o que eu quero, eu fico put* e saio", conclui.

Mas, desta vez, o pavio curto de Datena lhe custou caro: a Record cobrou a multa de US$ 10 milhões (cerca de R$ 32,3 milhões em valores atuais) na Justiça. O jornalista teve que se desfazer de carros, uma casa no Guarujá (SP) e um apartamento no bairro nobre de Higienópolis, em São Paulo, para quitar a dívida.

Eu sou tão mané e xarope, que não tinha o direito de ter feito isso. Eu tinha que cumprir o contrato lá e preservar o meu patrimônio. Se eu disser que não me arrependo, estaria mentindo. Mas não por causa de mim, por causa da grana que deixaria para os meus filhos. Foi uma atitude impensada".

Datena admite que brigar não compensa e resume esse sentimento em uma única frase. "Em todo o tipo de briga você perde, às vezes te custa muito caro." 

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"Maior dádiva foi ver meu filho longe das drogas"

Datena relembra a dependência do filho Vicente e como Chico Xavier o ajudou

Datena nunca fez questão de esconder que ele mesmo já enfrentou dentro de casa problemas semelhantes aos que ele exibe em seu programa policial, diariamente.

Inicialmente, o apresentador evitou falar sobre a época em que seu filho se tornou usuário de drogas --“é um assunto absolutamente superado”--, mas depois de alguns minutos, muda de opinião e prossegue em detalhes.

“Quando a droga entra em casa, não destrói a pessoa que está consumindo, destrói a família inteira.”

Vicente, o seu filho do meio, se tornou dependente quando tinha 19 anos e precisou passar por um período de desintoxicação.

Nesse momento, Datena diminui a fala e se expressa pausadamente, trata o assunto com cuidado.

O jornalista disse que tentou todo o tipo de tratamento para o filho. Sem sucesso. Foi aí que pediu a Vicente que deixasse São Paulo imediatamente, caso contrário: “ou você vai morrer ou vão te matar aqui”, previu. 

O filho ouviu o conselho do pai e foi passar alguns dias na casa do irmão, Joel, em Uberaba (MG). “O Vicente foi encontrar o Chico Xavier em um almoço, deu a mão a ele, e no momento em que deu a mão, ele falou pra mim: 'Pai, parece que naquele momento eu tirei o casaco em um dia de verão'.”

Desde então, Vicente deixou de usar drogas, se formou em Direito, casou-se e se tornou pai de duas filhas. “A maior dádiva que eu recebi foi o fato de ver o meu filho livre das drogas.”

Os olhos do quase sempre "turrão" Datena se enchem de lágrimas e o apresentador não esconde a emoção.

Traição à Record: "Foi batom na cueca"

O dia em que o apresentador assinou e viu ser rasgado contrato com a Globo: "dor no coração"

A entrevista já passa das duas horas de duração e, mesmo assim, Datena mostra boa disposição ao relembrar causos antigos de sua carreira. Em um deles, e que pouca gente sabe, o então apresentador da Record foi contratado pela Globo, por indicação de Ana Maria Braga. A Globo sentia-se incomodada com os dois dígitos de audiência do "Cidade Alerta".

O advogado e representante da Globo, André Dias, entrou em contato com o apresentador, marcou vários encontros em uma churrascaria de São Paulo e em um deles perguntou quanto Datena queria receber. Ele não hesitou em responder. "R$ 90 pau".

O enviado da Globo se surpreendeu. "Você está de brincadeira, né? Esse é o valor que ganham William Bonner e Fátima Bernardes no 'Jornal Nacional'."

Novos encontros depois, veio a decisão: a Globo topou pagar o salário de R$ 90 mil e iria oferecer artistas da emissora --a Record estava criando o núcleo de novelas-- em troca de sua liberação.

"Nem me preocupei com a Record, com nada. Saí do escritório a pé e não acreditava que a Globo estava me contratando", relembra Datena, rindo.

O jornalista recorda que, ao por os pés na emissora paulista, no mesmo dia, ouviu o aviso: "O bispo [Honorilton] Gonçalves quer falar com você". 

"Tremendo nas bases", Datena conta que subiu ao 4º andar e foi falar com o ex-todo poderoso da emissora. "Ele disse, aos gritos: 'Você não podia ter feito isso jamais, jamais e com o nosso pior inimigo!'. Eu dei uma de 'migué' e respondi: 'Mas o que eu fiz?”, lembra.

Foi aí que Honorilton lhe mostrou a cópia do contrato que o advogado da Globo havia deixado na Record. “Foi 'batom na cueca'. Eu disse para o bispo que [a assinatura do contrato] tinha sido um 'momento de fraqueza'."

"Ele me perguntou se eu queria sair da Record. Eu respondi que 'não'. Mas claro que eu queria ir para a Globo. Iria fazer uma coisa que não seria polícia, ia para o lugar do Marcelo Rezende no 'Linha Direta', mas com uma chance de fazer algo no 'Globo Repórter'. Então o bispo Gonçalves foi rasgando o contrato e foi me dando uma dor no coração... No fim, ele dobrou o meu salário (que era de R$ 70 mil para R$ 140 mil) sem eu pedir."

"Sou um animal político"

Beto Macário/Colaboração para o UOL Beto Macário/Colaboração para o UOL

No palanque com Lula

O ano era 1989. Datena foi convidado para apresentar um comício do então candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Ribeirão Preto (SP).

Na época, trabalhava na EPTV, retransmissora da Globo no interior paulista, e era filiado do PT (mesmo afirmando nunca ter ido a uma reunião do partido).

O apresentador recusou o convite com medo de perder o emprego, mas, como ele mesmo admite nunca ter lidado bem com ordem, acabou aceitando.

"Eu falei para o [Antonio] Palocci: 'Se eu subir [ao palanque], a Globo vai me mandar embora'. O outro candidato era o Collor. Aí me ligaram dizendo que se eu apresentasse iriam me demitir. Fui lá e apresentei o comício".

Dito e feito. Três meses depois das eleições, Datena foi mandado embora da Globo.

Sobre Lula, o jornalista garante não se arrepender de ter votado nele, mas se diz enganado. "Me enganei. [Hoje] eu não subiria ao palanque dele nem por um caralho", dispara.

Imagem/Divulgação Imagem/Divulgação

Fora da disputa em SP

Pré-candidato a prefeito de São Paulo pelo PP, de Paulo Maluf, José Luiz Datena surpreendeu meio mundo ao desistir da disputa enquanto apresentava o programa na rádio Bandeirantes, em janeiro de 2016. Ele não tinha avisado a ninguém sobre a sua decisão.

Datena explica agora que algumas questões --a falta de interesse do partido em lhe detalhar a origem do financiamento da campanha foi uma delas-- o levaram à desistência. "Desistir foi a atitude mais correta que tomei", diz. "[A experiência] foi uma bosta muita grande, mal cheirosa".

Na época, Datena estava em segundo lugar nas pesquisas à frente de políticos tradicionais, como a ex-prefeita Marta Suplicy (PMDB).

"Talvez, se eu saísse como candidato, teria sido prefeito de São Paulo. Mas se eu tivesse sido eleito, não teria feito porra nenhuma", admite.

Questionado sobre o futuro, Datena conta que a política não está descartada de sua vida. "Não é que ela [a política] esteja descartada, ela faz parte da minha vida, eu sou um animal político", observa.

Imagem/Arquivo pessoal Imagem/Arquivo pessoal

Vida de modelo

Natural de Ribeirão Preto (SP), José Luiz Datena iniciou a carreira como repórter esportivo na EPTV, afiliada da TV Globo no interior paulista, em 1982.

"Foi uma época em que eu fazia realmente o que gostava, e com muita naturalidade. Tinha gente dentro da Globo que não gostava do meu sotaque caipira (meu e o do Carlos Nascimento, hoje no SBT). Era moleque, tinha 25 anos", relembra ele, que cita os companheiros de profissão na época, como Heraldo Pereira, Márcio Canuto, Ceará e Roberto Thomé.

O que pouca gente sabe é que, pouco antes disso, o apresentador se arriscou como modelo.

"Eu era magrinho e bonitinho. Fui modelo, sim. Hoje eu sou modelo de barril."

Entrevistas inesquecíveis

Corrado Giambalvo/AP Corrado Giambalvo/AP

Cicciolina

"Eu bati muita punheta pensando na Cicciolina. Quando me falaram 'você vai entrevistar a Cicciolina', eu pensei: 'puta que o pariu, que tesão!' Mas era uma pessoa maravilhosa. Cheguei a tocar no seio da Cicciolina, o que era uma glória naquela época. Liguei para a minha mulher e ela me mandou para a puta que o pariu. Ficou um tempão sem conversar comigo por causa da matéria."

Marcos Hermes Marcos Hermes

Fagner

"A única matéria em que eu tinha tomado pra caralho foi a reportagem que fiz para o 'No Coração do Brasil', gravada, com o cantor Fagner. Fomos a Beberibe (CE). Olha o nome do lugar! Não posso ver o mar que me dá vontade de beber até hoje. À noite fomos para o boteco e enfiamos o 'pé na cana'. Terminei a matéria mal pra cacete, caindo mesmo."

Divulgação Divulgação

Pavarotti

Fomos entrevistar o Pavarotti em Firenze (Florença). Vem um gordinho simpático. Ele me alertou sobre o temperamento de Pavarotti, um cara muito genioso. Em certo momento, o Giovane [técnico de luz] começa a chorar e a luz, a tremer. Ele ficou nervoso, xingou e foi embora. Mas o tal do gordinho trouxe o Pavarotti com muito custo. Depois de algum tempo descobri que o gordinho era o [maestro] Zubin Mehta.

Amigos saudosos

  • Luciano do Valle

    Eu estava desempregado, eu tinha sido mandado embora e não conseguia emprego. Foi aí que eu recebi uma ligação dizendo que o Luciano do Valle queria me contratar. Eu saí da Band e comecei a chorar porque [faz uma pausa, emocionado] eu estava fodido. Não só eu, mas a minha família, os meus filhos. Foi o cara que deu a chance da minha vida.

    Imagem: Folhapress
  • Marcelo Rezende

    A morte do Marcelo foi uma coisa muito dolorida. Ele nunca foi o meu grande amigo, a gente saía muito junto na época da RedeTV! e da Globo, mas o Marcelo era um cara muito legal, generoso, e sempre que precisasse ele estava lá. Então foi uma pena perder o Marcelo como profissional, foi uma perda irreparável. Não tem ninguém para substitui-lo.

    Imagem: Divulgação

Eu falo em aposentadoria, mas eu não tenho grana para me aposentar. A minha família depende de mim, e eu perdi US$ 10 milhões naquela ação da Record.

José Luiz Datena, sobre a multa que pagou pela quebra de contrato com a emissora

Reportagem: Gilvan Marques | Edição: Amauri Arrais | Imagens: Marcelo Ferraz

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