Uma casa térrea, pintada num tom de verde-claro, na esquina. Assim indicou o balconista da farmácia, único comércio aberto numa manhã de sábado no pequeno município de Braga (RS), a 436 km de Porto Alegre, no noroeste gaúcho.
Numa sala simples, onde uma estante repleta de livros se destaca, um senhor de 67 anos toma chimarrão.
Com olhar perdido e triste, ele ouve calado o pedido da família e do médico que o acompanha para que a reportagem não revire suas memórias.
Antonio Alberi Maffi é uma das vítimas de um dos principais torturadores do regime militar que governou o Brasil de 1964 a 1985. Entre abril e junho de 1970, foi torturado num cárcere clandestino usado pelo então major Paulo Malhães, agente do Centro de Inteligência do Exército (CIE), na cidade de Três Passos.
Sem fotos ou imagens a pedido da família, Maffi confirma: "Fui barbaramente torturado pelo próprio Paulo Malhães, com choques elétricos, socos, pontapés e outras barbaridades. Foi lá nas obras do quartel".
O ex-prefeito de Braga por dois mandatos após a redemocratização se agita, as mãos tremem. E a entrevista é interrompida.
Ele tinha 20 anos ao ser preso, em 31 de março de 1970. Era em nome de Maffi que estava registrada a empresa de fachada criada pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) para estabelecer uma área tática de guerrilha nas margens do rio Uruguai, na divisa de Três Passos com a Argentina.