Wild Wild Brasil

Repórter do UOL participa de festival no sítio do Satyaprem, gaúcho discípulo do Osho de "Wild Wild Country"

Daniel Lisboa Colaboração para o UOL, em Osório (RS)
Tanka Prem

Eu não tinha a menor ideia do que me esperava quando entrei no carro do Fábio em Porto Alegre. Ele era o motorista que me levaria do aeroporto Salgado Filho até um sítio na cidade de Osório, a mais ou menos 100 quilômetros dali. Teoricamente, eu estava a caminho de um festival de inverno, mas, diferentemente do que pregam os manuais de jornalismo, desta vez eu me dera o direito de não pesquisar quase nada a respeito do “meu tema”: o guru gaúcho Satyaprem.

Sabia que ele era um discípulo do Osho, aquele de “Wild Wild Country”, porque o objetivo inicial desta reportagem era justamente este: encontrar brasileiros que de alguma forma seguiam os ensinamentos do guru indiano. Aqui está o que descobri.

Divulgação / Netflix Divulgação / Netflix

Osho? Que Osho?

Eu jamais ouvira falar do Osho antes da série da Netflix, muito menos do Satyaprem, que descobri por uma sugestão do jornalista Arthur Veríssimo. 

Orgias? Rituais satânicos? Refeições à base de salmonella? Fábio só me falou coisas boas sobre as pessoas que costumava levar para o sítio. Mas minha imaginação imatura pensou nas mais dementes possibilidades enquanto subíamos montanha acima na noite fria e chuvosa do quase-inverno gaúcho. 

Antes de contar o que encontrei no sítio do Satyaprem, acho necessário admitir que, no que se refere a “crer”, sou um típico paulistano da zona oeste “meio intelectual, meio de esquerda”. É grande minha aversão a qualquer tipo de “culto à verdade”, sejam religiões, seitas ou palestrantes motivacionais. Em última análise, acho mais digno enfrentar o vazio existencial recorrendo à indústria farmacêutica do que sublimando a individualidade comprando respostas mágicas e abstratas.

Isso posto, é lógico que subi a serra carregando alguma dose de preconceito na minha diminuta bagagem. Só coube, porém, porque não era das maiores: o pouquíssimo que “Wild Wild Country” revela sobre a filosofia do Osho me deixou curioso. Fiquei com a impressão que aquele magrelo barbudo tinha mesmo coisas interessantes a dizer.

Amodi Amodi

Resort de luxo

Osório está praticamente ao nível do mar, mas o sítio Leela (é o nome do lugar) já está no inicio da serra. É preciso subir – bastante – o morro da Borussia para chegar lá. A impressão de estar em um lugar ermo só se dissipou quando o carro virou à direita na estradinha e entrou no sítio. Eu esperava algo rústico, talvez um galpão com pessoas meditando sentadas no feno molhado, mas o Leela está mais para um sofisticado hotel serrano.

A decoração, com espécies de guarda-chuvas luminosos na entrada, as elegantes construções de madeira, o paisagismo cuidadoso: ali estava um lugar acolhedor.

Já era quase meia-noite. Imaginei que todos estivessem dormindo, com certeza nos fariam acordar às cinco da manhã para meditar. Se alguém ainda estivesse acordado, estaria provavelmente mal humorado por precisar estar de pé só para receber o jornalista intruso que ainda por cima chega tarde.

Desci a escada que leva para a casa principal e um grupo de pessoas começou a bater palmas para mim. Elas bebiam vinho, algumas fumavam, e me confundiram com outra pessoa que, parece, também estava para chegar. Se deram conta do engano e deram risada. Fui convidado a me servir de vinho também.

Satyaprem Satyaprem

E aí, rola suruba?

A esta altura, caro leitor, você já deve imaginar que nada do que normalmente associamos a um lugar como o sítio Leela faz sentido lá. Sim, você pode beber. Sim, você pode comer o que quiser: até feijoada serviram no final de semana.

Talvez soe bobo dizer que você pode fumar, mas, antes de chegar, cheguei a me imaginar acendendo meu mentolado escondido no mato. E finalmente alguém percebeu que é possível buscar autoconhecimento depois das dez da manhã: o primeiro “satsang”, a sessão de meditação e conversa com Satyaprem, acontece só por volta das onze da manhã.

Ah, e tem balada. No caso, uma festa junina com o próprio Satyaprem de DJ que só terminou lá pelas cinco da manhã. Tanto que, no domingo, só houve o “satsang” do final da tarde. Penso em quantos gurus, mestres, líderes religiosos e afins não teriam conquistado mais adeptos caso tivessem seguido esta regra simples: respeite a ressaca alheia. E não, não tem suruba. Ou, se teve, não fui convidado.

Tanka Prem Tanka Prem

O que as pessoas procuram

“Satsang” quer dizer “encontro com a verdade”. É, afinal, a razão principal para que cerca de 65 pessoas estejam no sítio Leela para o Festival de Inverno. Elas vêm não apenas do Rio Grande do Sul, mas de Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Mato Grosso.

Caminham sorridentes até a sala de meditação quando uma badalada específica do sino avisa que é hora da “satsang” (a outra badalada é para a hora da refeição). Cinco fileiras de confortáveis assentos, com almofadinhas para quem quiser esticar as pernas, aguardam pelas pessoas.

À frente de todos, a poltrona onde Satyaprem se sentará. Ele chega um pouco depois que todos já começaram a meditar. Pede que elas sigam meditando. Até que finalmente chega a hora da interação com o mestre. Ao longo de mais ou menos duas horas, Satyaprem lê poesias, responde a perguntas, faz perguntas, comenta sobre atualidades, faz piadas.

Tudo sem o menor resquício de ranço religioso ou místico. Teoricamente, o objetivo aqui é justamente o oposto: demolir as crenças e conceitos pré-determinados que habitam os discípulos.

Videhi Videhi

O guru gaúcho

Conheci Satyaprem assim que cheguei ao sítio. Ele estava saindo da cozinha e me apresentei como “o jornalista”. Simpático, ele explicou sobre a geografia do lugar e, quando comentei que não sabia que o Leela era tão alto, avisou: “subiremos ainda mais”.

Satyaprem em nada lembra o estereótipo do guru. Não é um barbudo vestido de túnica e fala mansa. Ao contrário, sabe ser duro, ácido e tem um senso de humor tosco até para os meus padrões. Isso, que fique claro, é um elogio.

Sabendo que eu era novato no grupo e jornalista, Satyaprem dispensou, digamos, atenção especial para a minha pessoa durante os dois “satsang” dos quais participei. Sem que eu esperasse, passei pela versão condensada do que o Osho chamava de “experiência zero”.

Significa o ponto onde você está em lugar nenhum, ninguém, sem nome, sem identidade, sem forma; nem positivo, nem negativo, mas exatamente no meio. Isso é samadhi, a suprema meta de todas as meditações.

Essa é uma das definições do Osho para a “experiência zero”. Está no site do Satyaprem. No meu primeiro “satsang”, perguntei a Satyaprem se há como definir o “agora”.

Ele riu. Disse que eu tinha mordido a isca, “se fodido” e devolveu a pergunta. “Eu perguntei a você”, disse Satyaprem. “Mas sua mente vai se interpor entre a pergunta e você e tentará responder por você o que é o agora, que é um lugar onde ela não mora, não conhece e nunca visitou. O que realmente tem que passar pela sua cabeça aqui é que você não sabe merda nenhuma. Você só está repetindo o que os outros disseram.” 

Acho que este trecho representa bem o espírito da “experiência zero”. Também imagino que esta é a hora de avisar o leitor ávido em entender detalhadamente a filosofia do Satyaprem que eu não a explicarei aqui. Por um motivo simples: vou parecer reducionista e idiota. Assista aos vídeos dele no YouTube, leia um de seus livros, descubra quando ele estará na sua cidade e tire suas próprias conclusões. Vai por mim, é melhor assim.

Tanka Prem Tanka Prem

"Iluminado"

Tecnicamente, Satyaprem não é um mero seguidor do Osho. Ele é considerado um “iluminado”, ou seja, alguém que já passou pela etapa de ser apenas um discípulo. É um “mestre”, e todos no Leela o chamam assim.

Admito uma certa birra com esses termos, mas fiz um esforço para ser compreensivo. Pensei nisso ao ver o cenário meticulosamente preparado para a entrada de Satyaprem na sala de meditação.

A poltrona com dois livros cuidadosamente acomodados, a estatuazinha do Buda...Todo o cenário indicava que alguém muito sábio estava prestes a sentar ali. Mas e daí? Tirando esses detalhes cenográficos, qual a diferença disto para uma sala de aula, uma palestra ou apresentação das metas em PowerPoint?

Trabalhando com comunicação corporativa, já cobri diversos eventos e atesto que em muitos deles encontrei um clima muitíssimo mais afetado. Já estive em festas de fim de ano de empresas onde, aí sim, tudo lembrava um encontro religioso ou uma seita de adeptos especialmente fanáticos.

Melhor louvar o Satyaprem do que um “CEO” apresentando missão, valores e visão. Pelo menos eu acho.

9 curiosidades sobre Satyaprem?

  1. 1

    Nasceu em Bagé (RS)

  2. 2

    Anarquista, foi perseguido pela ditadura militar

  3. 3

    Passou um tempo fora do Brasil

  4. 4

    Estudou jornalismo

  5. 5

    Conheceu Osho no começo dos anos 80

  6. 6

    Ganhou o nome do próprio Osho: Satyaprem significa "amor pela verdade"

  7. 7

    Acha que o nome "verdadeiro" e a idade são conceitos sem sentido

  8. 8

    Esteve em Rajneeshpuram, a cidade que aparece em "Wild Wild Country"

  9. 9

    Também se dedica à poesia, fotografia e pintura

"Pouco interessava quantos carros o Osho tinha"

Satyaprem fala do contato com o mestre na comunidade mostrada em "Wild Wild Country"

O legado de "Wild Wild Country"

O mero fato de dar a Osho a chance de falar já toca o coração das pessoas. As pessoas querem saber o que que é isso, o que aconteceu. E é isso o que ele queria. Ele disse: "Vocês estão dormindo, vocês estão roncando, e de alguma maneira eu tenho que acordar vocês". E sempre o acordar não é agradável.

Satyaprem

Satyaprem

O que ficou da experiência

Dia desses estive em mais uma balada pretensamente moderninha em São Paulo. Três pessoas se aproximaram espontaneamente para falar comigo, todas falaram ininterruptamente sobre si mesmas e sequer perguntaram meu nome. Voltei para casa especialmente chocado com o nível alarmante de desinteresse pelo outro a que, parece, chegamos, e no sítio Leela eu ainda estava sob o efeito desta percepção. Mas, em apenas dois dias lá, posso afirmar que há muito tempo não me via entre pessoas tão gentis, educadas e – outro choque - genuinamente interessadas em você.

Tanka (que gentilmente cedeu as fotos para esta matéria), Vipasha, Atito, Heera, Abheeti, Sundari (que conseguiu a proeza de me convencer a andar a cavalo pela primeira vez na vida): todos, a sua maneira, foram tão atenciosos que em alguns momentos eu me perguntei, paranoico, se não era algo orquestrado com objetivos maléficos.

O mais importante: ninguém quis empurrar uma “verdade” para mim em momento algum. E sim, eles também não usam seus nomes “verdadeiros”.

Além do Festival de Inverno, o Leela recebe outros quatro encontros ao longo do ano: Réveillon, Festival de Carnaval, Retiro de Páscoa e Retiro de Primavera. No próximo mês de agosto, porém, pela primeira vez haverá uma junção da “experiência zero” com o “Leela experience”. 

“Experiência zero”, como já contamos, é considerada a chave para o trabalho do Satyaprem. Entre 17 e 19 de agosto, o guru trabalhará questões como “o aqui e o agora” e “olhar para dentro”. Na semana anterior, entre 10 e 17 de agosto, o sítio de sete hectares, e capacidade para 100 hóspedes, terá sessões de meditação ativa do Osho e atividades que envolvem cinema, arte e “detox food”. 

A ideia é que a “Leela Experience” tenha preços mais econômicos. Ainda não foram definidos, mas provavelmente será uma oportunidade mais em conta para quem quiser conhecer o sítio. Afinal, além do custo da viagem até Porto Alegre, e depois até Osório, o pacote completo para o Festival de Inverno ficou entre R$ 2050 (dormitório para vinte pessoas) e R$ 3005 (suíte individual). 

“Já comprou sua passagem?”, me pergunta a produtora Vipasha sobre o “Experiência zero” vindouro. Desconverso, mas em seguida penso que talvez valha a pena fazer uma cotação. Assim, sem compromisso.

Satyaprem Satyaprem

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