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Como a evolução da tecnologia aumentou os poderes da família Pêra em "Os Incríveis 2"

Natalia Engler Do UOL, em Emeryville (Califórnia)
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Lançado em 2004, “Os Incríveis” foi considerado um marco: depois do sucesso dos dois “Toy Story”, “Vida de Inseto”, “Monstros S.A.” e “Procurando Nemo”, a Pixar fazia história mais uma vez com o primeiro filme inteiramente computadorizado em que todos os personagens eram humanos. Foram quatro anos de produção empurrando a tecnologia existente ao limite máximo --e além.

O que foi considerado “de cair o queixo” na época dificilmente impressionaria uma criança hoje. Mas a tecnologia evoluiu. E permitiu que a família Pêra, que volta aos cinemas nesta quinta (28) com a estreia de "Os Incríveis 2", ficasse mais impressionante do que nunca.

"Estávamos à beira do fracasso"

Quando terminei o primeiro 'Os Incríveis', Steve Jobs [um dos fundadores da Pixar] pediu que eu fizesse 'Ratatouille'. Entre 'Os Incríveis' e 'Ratatouille' houve apenas 'Carros', e mesmo sem nenhum humano em 'Carros' a tecnologia para animar humanos tinha melhorado muito. Eu fiquei bem feliz com o que fizemos no primeiro filme, mas estávamos à beira do fracasso o tempo todo, estávamos abrindo caminho com cada coisa que fazíamos, e era uma posição difícil. Mas quando chegamos em 'Ratatouille', os modelos que usamos para animar tinham melhorado tanto que podíamos fazer coisas bem mais sofisticadas. Não estávamos mais brigando tanto contra os computadores. Adicione 10 anos a isso e é o que temos hoje.

Brad Bird

Brad Bird, diretor de "O Incríveis" e "Os Incríveis 2"

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Sem exibicionismo

E o que temos hoje é uma nova aventura, tão cativante, dinâmica e divertida quanto a primeira, mas com um belo upgrade no visual: cenários mais amplos e complexos, céus com cores dignas de fotos no Instagram, luzes e reflexos melhores que os do mundo real. Mas a verdade é que talvez o público nem se dê conta.

Primeiro porque, como em todos os filmes da Pixar, o foco continua sendo a história --no caso, a dinâmica entre a vida de super-heróis e as dificuldades de ser uma família. Segundo, e mais importante, porque a tecnologia chegou finalmente em um ponto mais maduro, em que os artistas não precisam mais exibir suas conquistas.

“Quando a Pixar começou, todo filme tinha um grande avanço. Por exemplo, em 'Monstros S.A.', eles conseguiram fazer pelos, então vamos encher de pelos! E em 'Procurando Nemo' foi quando conseguiram fazer água e efeitos de luz. Agora estamos em um ponto em que é um meio mais maduro. Ainda temos grandes avanços, mas eles são mais sutis e têm mais a ver com os processos do que com a aparência”, explica Bird.

Um exemplo: “No primeiro filme, era preciso um esquema de luz muito complicado apenas para parecer uma luz comum. Na vida real, a luz reflete a cor das coisas. Se eu aproximar meu rosto da mesa, ele é iluminado pela cor da madeira, porque a luz está batendo na mesa. Não conseguíamos fazer isso no primeiro 'Os Incríveis'. Neste aqui, os iluminadores puderam trabalhar mais como alguém iluminando um palco de teatro ou um filme ‘real’. Não estavam mais se batendo com a tecnologia”, conta o cineasta.

Luz pode parecer uma coisa muito abstrata, mas vale mesmo prestar atenção no resultado em “Os Incríveis 2”. Isso tudo significa que, além de ser possível fazer filmes em menos tempo, a equipe criativa pôde brincar mais com as ideias. “Significa que podemos fazer mudanças”, afirma a produtora Nicole Paradis Grindle. “Quando Brad tomava decisões para alterar as coisas, não era uma crise para todo mundo”. 

É claro que há uma preocupação em se manter fiel aos personagens que os fãs já conhecem e amam, mas agora eles são capazes de fazer mais coisas.

Os personagens precisam parecer os mesmos para o público, mas, para nós, são muito mais o que pretendíamos que eles fossem no primeiro filme. Eles são melhores ferramentas para os animadores trabalharem. Brad Bird

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O super-bebê

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Um dos personagens que mais ganhou com os avanços foi o bebê Zezé, que no primeiro filme era um mero coadjuvante, cujos superpoderes só foram revelados no final. Mas aqui, com a família precisando agir em conjunto para salvar o dia, ele tem um papel importante.

“Na época acabamos gastando muita energia com Beto e Helena, e Zezé não era tanto a estrela do filme como é hoje, então o construímos diretamente no computador e fizemos o melhor que pudemos”, relembra o supervisor de animação Tony Fucile. “Mas, olhando para trás, sabíamos que podíamos fazer melhor. Percebi que a cabeça era um pouco pesadona, faltavam alguns elementos, tinha menos gordurinhas. Queríamos colocar uma coisa roliça, fofinha. Nesse filme ele está com três meses a mais, então conseguimos deixá-lo mais gordinho”.

Além da fofura, Zezé também ganhou poderes --17 para sermos exatos--, e foi aí que a equipe de efeitos visuais decidiu experimentar coisas que não eram possíveis há 14 anos, ou que não ficaram tão boas no primeiro filme. Botar fogo no bebê era uma delas. Ele já tinha aparecido em chamas no fim do primeiro filme e no curta “Ataque do Zezé”, de 2005, mas o resultado era quase um boneco sem rosto.

“Decidimos redesenhar o visual porque a performance dele pegando fogo seria maior em 'Os Incríveis 2', ele teria muito mais tempo na tela, precisávamos fazer a animação muito melhor”, diz o artista de efeitos Jason Johnston, que ficou responsável pelo trabalho. “E a tecnologia tinha mudado tanto que podíamos fazer mais com os efeitos de fogo. Agora, no filme novo, conseguimos colocar chamas individuais saindo dele, enquanto no passado levaria muito tempo para fazer isso”.

Outro efeito que teve que ser abandonado no passado, mas pôde ser retomado agora: Zezé se transformando em gelatina. “Queríamos fazer no primeiro filme, mas, por causa de limitações técnicas, não conseguimos chegar no visual certo e tivemos que abandonar a ideia. Mas considerando até onde a tecnologia havia chegado, resolvemos tentar de novo”, conta Johnston.

Além de terem as ferramentas necessárias, os artistas agora conseguem simular e testar várias opções de visual em pouco tempo, o que acaba elevando a qualidade do resultado final. “Agora o nível de qualidade e detalhe das simulações é de uma magnitude muitas vezes maior, e tudo por conta dos softwares e hardwares e da habilidade dessas ferramentas de responder rapidamente”, explica o supervisor de efeitos Bill Watral. “Agora conseguimos fazer simulações de combustão mais detalhadas várias vezes por dia. A habilidade de fazer várias versões eleva o nível artístico dos filmes”, acredita.

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Família mais moderna

Não é só no visual que “Os Incríveis 2” avançou. A história também está, digamos, mais moderna --ou ao menos mais adequada aos dias de hoje. O filme recomeça de onde o primeiro parou, mas a família logo se envolve em encrenca e o futuro de super-heróis clandestinos não é muito promissor. Até que aparecem dois novos apoiadores da causa dos supers, que querem lançar uma campanha de relações públicas para fazer com que eles deixem de ser ilegais.

A questão é: o melhor rosto para isso é a Mulher-Elástica, não o Sr. Incrível. Beto tem então que ficar em casa cuidando das crianças --uma tarefa heroica, quando feita direito, como diz a estilista Edna Moda-- enquanto Helena vai para as ruas combater vilões, inclusive na companhia de outras mulheres incríveis. Tudo isso se passa ainda nos anos 1960 (sim, é nessa década que o primeiro filme é ambientado, caso você não tenha notado), mas está bastante afinado com as discussões recentes sobre o espaço que o mundo destina a homens e mulheres.

Se parece atual, é bom pra gente. Mas ninguém deve achar que pensamos nessa ideia seis meses atrás. Eu tive essa ideia quando estávamos promovendo o primeiro filme. Para mim, não era questão de fazer algo que estivesse no noticiário, era fazer algo que mostrasse outros aspectos das personalidades dos personagens, que seria divertido de assistir na tela, e, espero, que entretenha. Brad Bird

Mas Bird rejeita a ideia de que aqui Beto e Helena simplesmente invertem os papéis porque, para ele, continua sendo um filme sobre família. “Eu não diria que ele tem que ser uma ‘dona de casa’, diria que tem que ser pai. Se você pensar num pai dos anos 1950 ou 1960, ele acendia seu cachimbo, pegava seu jornal, dava um tapinha na cabeça das crianças, um beijo, eles iam dormir e ele levantava e ia trabalhar de novo no outro dia. Mas esse molde se foi, hoje é mais uma coisa dividida. E agora mais pais estão se deparando com essas questões”.

E, claro, a ideia passa longe de mostrar que homens são incapazes de gerenciar o dia a dia dos filhos. “Não é que não haja humor no fato de que Beto tem dificuldades com isso”, diz o produtor John Walker. “Mas não queríamos que ele fosse totalmente incompetente. Ele está à altura do desafio, ele melhora. Não é um pai idiota. A piada não é essa”. “Ele está frustrado e exausto com as crianças. Não tem força muscular que o ajude”, completa a produtora Nicole Paradis Grindle.

“São as crianças que o derrotam, mais do que qualquer outro. Acho que é algo que todo mundo que tem filhos consegue se identificar. E, no fim, acaba dando força para ele, quando entende a maneira certa de ser pai”. “São coisas essenciais da vida. Mesmo que seja um desenho animado de super-heróis, por baixo disso, tem coisas sobre a vida”, conclui Bird.

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