As razões da polêmica

Como "13 Reasons Why", a série adolescente da Netflix, se transformou na mais controversa do momento

Beatriz Amendola Do UOL, em São Paulo
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“Eu espero que a série dê início a uma discussão, que as pessoas possam vê-la juntas e discutir quando acabarem”. Foi assim que Dylan Minette, o Clay de “13 Reasons Why”, definiu – em conversa com o UOL – as suas expectativas para a produção da Netflix. Então a duas semanas da estreia da primeira temporada, o ator provavelmente nem imaginava que as discussões levantadas pela série extrapolariam os círculos de amizade para se tornarem debates acalorados nas redes sociais e na imprensa.

Adaptada do livro “Os 13 Porquês”, de Jay Asher, a história sobre a adolescente que se suicida e deixa 13 fitas-cassete foi acusada de romantizar o suicídio e ser irresponsável pela cena explícita em que a protagonista tira a própria vida. Criticada e defendida com uma passionalidade reservada a poucas, “13 Reasons Why” viu as discussões serem reacendidas com a estreia de seu novo ano, na última sexta (18).

De bem-intencionada, acabou se transformando na série mais problematizada do momento.

Atenção: a partir daqui há alguns spoilers de “13 Reasons Why”. Não leia se não quiser saber o que acontece.

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De boa intenção...

Criada pelo dramaturgo Brian Yorkey e produzida em parceria com um time estrelado que incluía a cantora Selena Gomez e o vencedor do Oscar Tom McCarthy (“Spotlight”), “13 Reasons Why” tinha um propósito discutido amplamente por elenco e equipe: o de trazer à tona as dores e os sofrimentos dos adolescentes, uma categoria pouco levada a sério na TV, e conscientizar sobre bullying e outros temas dessa época da vida.

Quisemos fazer de um jeito que fosse honesto e que pudesse ajudar as pessoas, porque o suicídio nunca deveria ser uma opção. Selena Gomez

A intenção foi nobre. A forma como a série fez isso, porém, a fez cair no centro de uma controvérsia e levantou uma questão: seria a produção um gatilho para quem já tem depressão ou tentou se suicidar? Especialistas e críticos registraram preocupação com o chamado “efeito Werther”, uma onda de imitações suicidas. O nome é inspirado pelo livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, escrito pelo alemão Goethe no século 18. Após a publicação da obra, vários homens se suicidaram de maneira semelhante a do protagonista da obra.

Para além da cena que retrata explícita e detalhadamente como Hannah morreu – o que é expressamente contraindicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) –, especialistas e críticos questionaram a romantização da série em torno da atitude da protagonista e a busca por culpados, também desaconselhadas ao se falar de suicídio.

Em um dado que gerou alarme, o Journal of the American Medical Association (JAMA), mostrou que, após a estreia da série, as pesquisas sobre suicídio e métodos suicidas no Google cresceram 19%, em comparação com o ano anterior.

Por aqui, o CVV (Centro de Valorização da Vida), relatou que os contatos com a organização cresceram 400%. E o mesmo se verifica nesse ano: ao UOL, o voluntário Carlos Correia contou que, entre o dia 17 de maio (véspera da estreia da nova temporada) e o dia 20 (o domingo seguinte à estria), o número de contatos passou de 140 para 616, uma alta de mais de 400%. 

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Uma nova controvérsia

A Netflix reagiu às críticas: poucas semanas após a estreia de “13 Reasons”, a empresa reforçou os alertas de conteúdo forte antes da exibição da série. A plataforma de streaming também encomendou à Northwestern University um estudo sobre como pais e adolescentes de quatro regiões ao redor do mundo – Brasil incluso – reagiram à série. Os resultados, publicados este ano, constataram que de 63% a 79% dos adolescentes consideraram que assistir à série foi benéfico a eles.

Com a estreia da nova temporada, a Netflix deu um novo reforço aos alertas. Antes do primeiro episódio do novo ano, é exibido um vídeo no qual os atores falam que a série lida com questões difíceis, incluindo suicídio e abuso sexual. “Se você estiver passando por algum desses problemas, talvez esta série não seja para você ou seja melhor assistir com um adulto confiável”, diz Alisha Boe, a Jessica.

Ao fim de cada capítulo, aparece na tela a mensagem “para encontrar auxílio”, acesse 13ReasonsWhy.info. No Brasil, o site direciona para os contatos do CVV e do Helpline, um canal que orienta crianças e adolescentes sobre situações de risco na internet, incluindo bullying e vazamentos de fotos íntimas.

Nenhuma dessas medidas, porém, evitou outra avalanche de críticas. Dessa vez, o foco está em uma cena de violência sexual contra Tyler (Kevin Druid), também bem explícita. No último episódio da nova temporada, ele é violentado por Montgomery, um dos atletas da escola, com um esfregão – que aparece ensanguentado. A violência o leva a tentar se vingar de seus algozes com armas durante o baile da escola, mas o personagem acaba dissuadido da ideia por Clay.

A cena motivou pedidos pelo cancelamento da série entre usuários das redes sociais e por parte do Parents Television Council, organização norte-americana que classificou “13 Reasons Why” como “uma bomba relógio” e pediu que a Netflix retirasse as duas temporadas de sua plataforma.  

O criador Brian Yorkey respondeu à polêmica dizendo que sua equipe está “comprometida a contar histórias verdadeiras sobre coisas que os jovens passam da maneira mais corajosa que pudermos”.

Nós acreditamos que falar sobre isso é muito melhor do que o silêncio. Brian Yorkey

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Heloísa Buarque de Almeida, professora da USP que pesquisa a relação entre violência de gênero e mídia, não assistiu a “13 Reasons Why”, mas acredita que, quando se fala do retrato da violência sexual nas telas, tudo depende da forma como a cena é colocada. “Depende de como é o tratamento. Pode ter algo positivo de nomear aquilo como uma violência, dizer ‘isso é uma violência’. Por outro lado, a mídia pode glamourizar a violência, ou não ajudar a resolver o problema”.

Mesmo entre aqueles que já passaram por uma situação de abuso ou estupro, as cenas podem ter efeitos distintos. “Pode bater como um sofrimento, mas também pode provocar uma reação de ‘não é só comigo’”, explica a professora, acrescentando que o estupro ainda é um crime muito pouco notificado, por conta dos sentimentos de culpa e vergonha que frequentemente afligem as vítimas.

Esse aspecto citado por Heloísa, aliás, também está presente no novo ano da série, que dá grande espaço à jornada de recuperação de Jessica após ela ter sido violentada por Bryce (Justin Prentice).

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Afinal, falar de suicídio ajuda ou atrapalha?

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Mas até que ponto a série pode realmente iniciar um debate ou fazer mal àqueles que a assistem por conta de suas cenas fortes? Não há uma resposta fácil para esta pergunta.

O psiquiatra Neury Botega, professor da Unicamp e membro-fundador da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio, avalia que embora a série vá contra muitas recomendações médicas ao tratar do assunto, ela tem a importância de estabelecer diálogos em torno do tema. Só no Brasil, o suicídio de jovens cresceu 10% entre 2002 e 2014, de acordo com dados do Mapa da Violência 2017.

De um modo geral foi produtivo no sentido das pessoas entenderem que o suicídio se liga a transtornos mentais, a muito sofrimento. Tenho esperança de que o bem vai ter mais resultado do que o lado ruim da série. Neury Botega

Para Antônio Geraldo da Silva, diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria, “13 Reasons” pecou ao não alertar logo de saída os espectadores sobre os conteúdos aos quais eles seriam expostos.

“Faltou essa parte de ter orientação pra quem fosse assistir ou discutir, essas pessoas ficaram meio perdidas em meio a situação. Não ficou claro para pessoas que elas iam ver tais situações”, diz ele, reforçando que, para certos públicos, pode ser arriscado entrar em contato com esse tipo de produção:

Uma pessoa que tem pré-disposição ou que tem um quadro psiquiátrico, se realmente for exposta a situações assim, é um perigo. Antônio Geraldo da Silva

Carlos Correia, do CVV, reforça a importância de se falar no assunto do suicídio para poder preveni-lo. “Durante muitos anos, esse assunto era um assunto proibido, praticamente a gente não ouvia. Realmente é um fato a repetição, é um temor. Mas se a gente aborda o lado da prevenção, estamos fazendo um bom serviço. Por esse lado, a série ano passado foi uma bomba”, diz, afirmando que percebeu uma grande movimentação de pais e professores em torno de tema, que já estava em alta por conta do “desafio da Baleia Azul”: “Era uma sensação muito desconfortável de se trazer um assunto que não era tratado na sala de jantar, no sofá, nas escolas, na sala de aula”.

O que a OMS diz para NÃO fazer ao falar de suicídio

  • Não publicar fotografias do falecido ou cartas suicidas

  • Não informar detalhes específicos do método utilizado

  • Não fornecer explicações simplistas

  • Não glorificar o suicídio ou fazer sensacionalismo sobre o caso

  • Não usar estereótipos religiosos ou culturais

  • Não atribuir culpas

Contato de ajuda

Se precisar de ajuda, entre em contato com o CVV (Centro de Valorização da Vida), no telefone 188 ou pelo site da organização.

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