Festa com política

Escolas de samba do Rio entram no ritmo da crise com enredos contra Temer, Crivella e corrupção

Do UOL, no Rio de Janeiro
Júlio César Guimarães/UOL

A festa de 2018 envolveu a política. Três escolas de samba do Rio de Janeiro, Paraíso do Tuiuti, Mangueira e Beija-Flor, mostraram na avenida um enredo reflexivo e crítico sobre a atual situação dos governos federal, estadual e municipal.

A Beija-Flor levou para a avenida um desfile de críticas sociais, mas desta vez de forma mais metafórica. A escola de Nilópolis misturou a história da obra "Frankenstein", de Mary Shelley, com a realidade do nosso país no enredo "Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu".

Ratos apareceram no segundo carro, ao lado de uma favela, precedido por alas com os animais e com barris de petróleo também representando corrupção. Componentes vieram encenando uma cena protagonizada pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral em um jantar luxuoso em Paris. Sua mulher, Adriana Ancelmo, foi representada por uma integrante usando uma tornozeleira eletrônica.

O abandono da população, vítima de balas perdidas, da violência e relegados a buscar alimentos no lixo, foi o tema do terceiro carro.

Na primeira noite de desfiles, a Mangueira trouxe um visual arrebatador criado por Leandro Vieira para exaltar o Carnaval carioca e dar uma resposta ao prefeito Crivella. Com um samba cantado por toda a avenida, a escola trouxe momentos de emoção com a ala formada por mais de mil integrantes de blocos de rua da cidade.

Em um tripé, Crivella voltou a aparecer como um boneco de Judas e com uma placa no pescoço com os dizeres "Pega no Ganzá" --alusão ao samba clássico do Salgueiro cantado pelo prefeito em ato com sambistas em sua campanha eleitoral.

O Paraíso do Tuiuti entrou na avenida para protestar contra a redução dos direitos trabalhistas, arrebatou o público com fantasias em que carteiras de trabalho apareciam rasgadas e patinhos da Fiesp batiam panelas manipulados como marionetes. Um vampiro representou o presidente Michel Temer no último carro.

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Na Beia-Flor, lobos com dinheiro representam a corrupção,...

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...e as fantasias ironizam os impostos pagos pelos brasileiros

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Desfile engajado

Um dos poucos políticos que marcaram presença na Sapucaí este ano, o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) assistiu ao início do desfile da Beija-Flor e comentou as críticas que marcaram presença nos desfiles este ano. "Aqui é mais uma questão filosófica, espiritual, as outras eram mais políticos e ideológicos", disse ele ao UOL, referindo-se à Paraíso do Tuiuti e à Mangueira.

"As críticas são muito bem-vindas. É importante até para uma reflexão sobre o que vai acontecer no Brasil. Tudo isso é necessário para uma discussão sobre as melhorias que a sociedade quer. Inclusive as escolas de samba precisam discutir melhorias, houve acidentes com vítimas nos desfiles", alfinetou.

Especificamente sobre Crivella, que vem sendo criticado por cortar as verbas para o Carnaval e por não estar presente nos desfiles desde o ano passado, Maia rebateu: "O Carnaval não está funcionando? Eu estou acompanhando tudo na Sapucaí com a equipe dele e estou vendo tudo funcionar". E completou: "Já ao governo federal, as críticas são ideológicas". Vale lembrar que o partido de Crivella (PRB) apoiou a reeleição de Maia à presidência da Câmara.

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Quem são os abandonados dessa pátria? Isso aqui é Carnaval. Faça como sambista. Respeite o que lhe parece diferente. Monstro é aquele que não sabe amar

Cid Carvalho

Cid Carvalho, Carnavalesco da Beija-Flor

Nossa luta sempre foi essa. Ninguém segura minha nação. Nós trabalhamos samba. Não trabalhamos espetáculo. A Beija-Flor teve coragem. Que as coisas no Rio de Janeiro tomem o caminho correto.

Laila

Laila, Diretor da Beija-Flor

A gente quis cantar outro hino, mas só conseguimos cantar o hino do lamento, do socorro. Pelo amor de Deus, alguém tire o Brasil dessa lama, desse buraco
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Claudia Raia

Claudia Raia, Atriz e destaque da Beija-Flor

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Comissão de frente da Mangueira: "Pecado é Não Brincar de Carnaval"

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A Mangueira teve um dos o enredos mais comentados deste Carnaval. Com a postura inédita de fazer um tema que bata de frente com a administração municipal, a verde e rosa, indignada após o corte de verbas das escolas de samba pelo prefeito Marcelo Crivella, lançou o enredo "Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco".

Depois de passar por uma parte mais romântica do enredo, relembrando a história e as tradições de carnavais passados, o desfile da Estação Primeira na madrugada desta segunda partiu para uma crítica frontal à postura do prefeito, citado nominalmente e representado como um boneco de Judas, para ser malhado. Abaixo do boneco, a frase: "Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval!" decorava um tripé atrás do penúltimo carro da escola.

No carro, um dos momentos mais políticos da história do Carnaval carioca, o Cristo mendigo censurado de Joãosinho Trinta na Beija-Flor em 1989, também foi transformado em crítica a Crivella, com a frase "Olhai por nós! O prefeito não sabe o que faz". Parte da plateia se juntou ao protesto e gritou "Fora, Crivella".

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Foi a resposta pra ele repensar o que ele fez com o Carnaval. Ele cometeu a maior injustiça com a maior festa popular do mundo

Chiquinho

Chiquinho, Presidente da Mangueira

Na atualidade, fazer farra é o que pode ser considerado de mais transgressor nessa sociedade. É uma crítica a tudo que a gestão vira as costas

Leandro Vieira

Leandro Vieira, Carnavalesco da Mangueira

Crivella respondeu

Na manhã de segunda, a prefeitura do Rio de Janeiro, por meio de uma nota oficial da Riotur, lamentou a falta de respeito e a ofensa gratuita da Mangueira e destacou que, a despeito da crise econômica que a cidade enfrenta, foram investidos quase R$ 80 milhões no Carnaval.

Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pela prefeitura

"A Prefeitura lamenta a falta de respeito e a ofensa gratuita. E lembra que, apesar da grave crise econômica vivida pela Cidade do Rio de Janeiro no ano passado,  foram investidos quase R$ 80 milhões no carnaval. Só em recursos captados junto à iniciativa privada foram levantados R$ 38,5 milhões, o maior valor já captado. No caso das escolas do grupo especial, as agremiações receberam R$ 13 milhões da prefeitura, R$ 1 milhão para cada uma, mesmo valor que recebiam até 2015, sendo que naquele ano eram 12 escolas. Além disso, mais R$ 6,5 milhões foram obtidos com a iniciativa privada, totalizando R$ 19,5 milhões."

"A prefeitura também repassou R$ 10,5 milhões para que as escolas dos grupos de acesso e as escolas mirins preparassem seu carnaval. Além disso, obteve mais R$ 3,5 milhões, que possibilitaram a montagem da infraestrutura na Intendente Magalhães, onde há um espetáculo gratuito em que desfilam escolas de samba dos demais grupos que não saem na Marques de Sapucaí. A Prefeitura também abriu mão de taxas que sempre foram cobradas das escolas nos governos passados no valor de R$ 200 mil. Com muito esforço e criatividade, a Prefeitura investiu e se mobilizou para que o carnaval deste ano transcorra com organização, limpeza e segurança não só nos desfiles das escolas de samba, mas em toda a cidade."

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A Tuiuti entrou na avenida com a pergunta:...

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"Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?"

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Tuiuti leva paneleiros e Temer para Sapucaí

Depois de uma passagem trágica pela Sapucaí em 2017, com um acidente com sua última alegoria que causou a morte da radialista Liza Carioca, a Paraíso do Tuiuti levou um Carnaval de crítica social para a avenida na madrugada de segunda.

Com o enredo "Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?", sobre os 130 anos da Lei Áurea, a escola trouxe o tema para o presente no último setor do desfile, mostrando com muita ironia que a escravidão permanece até hoje, mas de forma diferente.

O último carro representou um novo navio negreiro, com o presidente Michel Temer transformado em um "Vampiro Neo Liberalista", e batedores de panela (em referência aos protestos contra o governo do PT), também lembrados nas fantasias da ala "Manifestoches", com a característica camisa da seleção brasileira de futebol. A arquibancada respondeu à passagem da alegoria com gritos de "Fora, Temer".

As reformas trabalhista e da previdência foram criticadas em alas como a "Guerreiros da CLT", que também lembraram o trabalho precário em fazendas e confecções.

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Stycer: Globo silenciou diante da Tuiuti

A Globo parece ter algum problema com o desfile da Paraíso da Tuiuti  - e o noticiário exibido nesta segunda-feira (12) no “Jornal Nacional” deixou isso evidente. A escola que exibiu o enredo mais polêmico do primeiro dia de desfiles ganhou apenas 35 segundos do telejornal. As demais escolas tiveram direito a muito mais – de 53 segundos dados para a Mocidade aos 90 segundos dedicados à Vila Isabel.

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Na briga pelo título

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Em uma noite em que geralmente a campeã é definida, nenhuma escola saiu da Sapucaí com cara de vencedora. Com um desfile consistente e competente em vários quesitos, o Salgueiro largou na frente e se credenciou para disputar o título do Carnaval com a Mangueira. Portela e União da Ilha também fizeram bons desfiles e devem voltar no desfile das campeãs.

Exaltando as mulheres negras, o Salgueiro trouxe carros alegóricos suntuosos e fantasias luxuosas. Além do belo visual, a vermelho e branca da Tijuca fez um desfile bastante competente, com uma evolução constante e animada. Um dos poucos erros foi notado no carro abre-alas, que desfilou com uma escultura quebrada e poderá ser penalizada pelos jurados. Mesmo sem ter empolgado as arquibancadas o Salgueiro fez um desfile competente e sai da avenida como a escola mais forte da noite para disputar o título com a Mangueira.

Campeã de 2017, a Portela levou para a avenida um enredo sobre a viagem de judeus portugueses que saíram de Recife para fundar Nova York. Como de praxe, Rosa Magalhães apostou em um visual requintado nas fantasias para contar a história. Porém, as alegorias da escola pecaram no acabamento e na falta de impacto. De toda forma, a Portela realizou um desfile bastante competente em evolução e canto, com uma boa performance do seu samba. Certamente estará no desfile das campeãs, mas deixou a sensação de que faltou aquele algo mais para brigar pelo bicampeonato.

União da Ilha do Governador contou a história da gastronomia brasileira, trouxe alegorias caprichadas e fantasias coloridas. Apesar do belo visual, o grande destaque do desfile foi a bateria de Mestre Ciça, que arrebatou as arquibancadas com várias paradinhas. O samba, apesar de suas limitações, foi bem cantado por seus componentes. A tricolor se credenciou de forma bastante consistente para voltar no desfile as campeãs.

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