Na corda bamba

Macri tem ganhos com precário equilíbrio de forças políticas mas revezes podem impactar em eleições de 2017

Ivan Martínez-Vargas Colaboração para o UOL, em São Paulo
Natacha Pisarenko/AP

Mauricio Macri completou neste mês de dezembro um ano de governo na Argentina mantendo um índice de popularidade que varia entre 45% e 51%, colocando-o entre os mais populares líderes de países da América Latina, apesar da crise econômica que o país vem enfrentando. Mesmo sem maioria no Congresso, o presidente conseguiu aprovar mais de 70 leis e implantar um ajuste fiscal no país.

Apesar disso, o primeiro presidente argentino não peronista desde Fernando de la Rúa (1999-2001) vai encerrar o ano com reveses na economia e no Legislativo que podem dificultar sua governabilidade em um período considerado essencial para o governo: as eleições de 2017.

Eleito no segundo turno, Macri derrotou o candidato kirchnerista Daniel Scioli por uma margem de 680 mil votos, ou 1,34% dos votos válidos. Entretanto, sua coligação não conseguiu a maioria na Câmara de Deputados e no Senado argentinos.

Devido ao fato de Macri ser um político não peronista enfrentando uma oposição majoritária que prometia ser ferrenha no combate ao seu plano de governo, a aposta inicial da imprensa local foi de que a governabilidade seria difícil.

Mesmo em desvantagem no Legislativo, o presidente conseguiu aprovar no parlamento boa parte das medidas econômicas que a oposição prometia combater. De quebra, ainda elegeu o aliado Emilio Monzó e a vice-presidente Gabriela Michetti para a presidência da Câmara e do Senado, respectivamente.

Isso foi possível graças à negociação do macrismo com setores da oposição não kirchnerista e também à debandada de 12 deputados da bancada de Cristina Kirchner na Câmara. A dissidência nesse bloco da oposição ocorreu em fevereiro, antes mesmo de o governo Macri ter completado 100 dias, depois que uma série de denúncias de corrupção atingiram a ex-presidente Kirchner.

Os deputados se juntaram a parlamentares peronistas de outras correntes e formaram a bancada Justicialista, com 17 deputados. Apesar de fazerem oposição ao governo, esses parlamentares têm se mostrado mais dispostos a negociar com a base aliada do que o bloco kirchnerista.

Para o cientista político argentino Julio Burdman, “o presidente da Câmara, que tem origem no peronismo [mas é aliado de Macri], fez uma série de acordos com a Frente Renovadora de Sergio Massa [terceiro colocado nas eleições presidenciais de 2015 e líder da terceira maior bancada na Câmara] e com o bloco Justicialista para aprovar projetos de lei”.

Segundo o cientista político, também foi crucial a disposição do presidente em negociar verbas com governadores de províncias eleitos pela oposição em troca de apoio para aprovar reformas no parlamento.

Peronista, Massa chegou a ser um dos principais nomes do kirchnerismo durante o primeiro governo de Cristina, mas os planos de reeleição da então presidente acabaram por levá-lo para a oposição.

Para disputar a Presidência em 2015, o ex-kirchnerista fundou seu próprio partido, a Frente Renovadora. Ficou em terceiro lugar, atrás de Macri e Scioli, mas foi o fiel da balança no segundo turno.

Até o momento, Massa tem conseguido manter sua bancada coesa e disciplinada. Em um cenário em que o governo precisa negociar com a oposição para aprovar projetos que considera importantes, ele tem tido cada vez mais peso político.

 

Natacha Pisarenko/AP Natacha Pisarenko/AP

Revés na Câmara

Nas últimas semanas, porém, Sergio Massa aliou-se à oposição kirchnerista para derrotar o governo em duas votações que Macri considerava importantes para o governo. A primeira delas, uma reforma eleitoral apoiada pelo Executivo, tinha como ponto principal a implantação do voto eletrônico no país.

A segunda derrota, revertida posteriormente, foi na primeira votação do projeto que alterou as regras do imposto de renda na Argentina. Massa e o deputado Axel Kicillof, ex-ministro da Fazenda de Cristina Kirchner, articularam a aprovação de uma proposta alternativa à do governo. Inicialmente, Macri propunha reajustar em 15% os valores mínimos sobre os quais a contribuição incide. Pelo texto da oposição, o reajuste passaria a ser de 36% e a cobrança não incidiria sobre o 13º salário e sobre as horas extras trabalhadas.

O governo, contudo, contou com o apoio de governadores de províncias (inclusive de opositores) para pressionar o Congresso a rever a aprovação. Conseguiu negociar com a central sindical CGT (Confederação Geral do Trabalho) e com Massa um projeto alternativo: um reajuste de 23%.

Contrário à negociação, o então ministro da Fazenda e das Finanças, Alfonso Prat-Gay, defendia que o governo mantivesse uma posição intransigente e vetasse o projeto da oposição.

Inicialmente, Macri parecia disposto a fazer isso, tendo inclusive partido para a ofensiva contra Sergio Massa. O presidente chegou a dizer que a oposição teria feito demagogia ao aprovar o projeto. Na mesma linha, a presidente do Senado, Gabriela Michetti, afirmou que Macri vetaria o projeto da oposição.

As críticas só deram lugar à negociação com Massa quando o argumento de que a perda de arrecadação afetaria as províncias galvanizou o apoio dos governadores ao governo.

Segundo a imprensa argentina, o fato de Prat-Gay ter se mantido contrário à negociação colaborou para sua saída do ministério, anunciada pelo governo no último dia 26.

Para o cientista político Julio Burdman, apesar de ter negociado com o governo seu apoio a diversos projetos, Massa “vai marcar distância com o governo porque as eleições de 2017 se aproximam” e seu partido, a Frente Renovadora, precisa marcar posição como uma terceira via entre o macrismo e o kirchnerismo.

Eitan Abramovich/AFP Eitan Abramovich/AFP

Divisões no governo e na oposição

Para Julio Burdman, as ajudas financeiras feitas por Macri a governadores em troca de apoio político acabaram por despertar críticas nos setores mais ortodoxos do governo, para os quais a assistência financeira às províncias significava flexibilizar o ajuste fiscal.

“Podemos afirmar que não ficou quase ninguém completamente satisfeito. Para uns, o ajuste realizado foi muito pouco, mas para outros, como movimentos sociais e sindicatos, foi muito severo”, afirma Burdman.

Outro acordo mal visto por setores mais conservadores do governo foi o fechado com as centrais sindicais argentinas que ameaçavam fazer uma greve geral pedindo melhores salários e protestando contra os aumentos de tarifas dos serviços públicos e a política econômica do governo.

O governo conseguiu reverter a decisão dos sindicatos ao prometer a concessão de um bônus de fim de ano aos assalariados em troca da suspensão da greve.

Para Ramón García Fernández, economista e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC), esses acordos “também foram vistos pelos setores mais à direita do governo como uma forma de populismo”.

Segundo Burdman, porém, apesar de insatisfeitas, as duas maiores centrais sindicais da Argentina, a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e a CTA (Central dos Trabalhadores da Argentina) não devem promover uma greve geral contra Macri, pois “têm muito mais a perder com um governo que faça ajustes econômicos mais fortes”.

Burdman ressalta, ainda, a divisão no interior da oposição como um fator que pode beneficiar o governo. Por um lado, Massa, apesar de peronista, não possui o apoio da bancada kirchnerista, que tem sua própria agenda.

Por outro lado, o kirchnerismo, que até o momento controla o PJ (Partido Justicialista), tem divisões e enfrenta questionamentos. O sinal mais recente de racha do PJ foi o fato de que quatro deputados da sigla, incluindo o presidente do partido, José Luis Gioja, terem votado a favor do projeto alternativo de ajuste do imposto de renda apresentado pelo governo em substituição ao apresentado pela bancada kirchnerista.

Outro sinal de divisão foi dado pelo senador Miguel Pichetto, líder da bancada da sigla peronista/kirchnerista no Senado, que afirmou à imprensa argentina discordar das decisões econômicas tomadas pela ex-presidente em seu último mandato. Oficialmente opositor de Macri, Pichetto afirmou que as reformas econômicas implementadas pelo presidente eram necessárias para corrigir os problemas gerados por Cristina Kirchner. As declarações geraram mal estar entre os aliados da ex-presidente. 

Juan Mabromata/AFP Juan Mabromata/AFP

Eleições legislativas de 2017

Para conseguir manter a governabilidade e atrair investimentos, o governo Macri avalia ser essencial conseguir um bom desempenho nas eleições legislativas deste ano, que devem ser realizadas a partir de abril. Os argentinos vão às urnas para renovar 127 das 257 cadeiras na Câmara e um terço do Senado.

A coligação do governo busca eleger o maior número possível de parlamentares para reduzir sua desvantagem no parlamento e consolidar-se como a principal bancada da Câmara, posição que detém desde o racha no kirchnerismo. Ainda assim, segundo Julio Burdman, é altamente improvável que o governo conquiste a maioria parlamentar no pleito.

Na visão do governo, tão importante quanto a governabilidade é passar a imagem aos investidores que veem com bons olhos o plano econômico de Macri, mas que ainda não decidiram apostar na estabilidade e na durabilidade do marco econômico macrista.

Ocorre que Sergio Massa possui seu próprio projeto político: concorrer à presidência em 2019. Para isso, trabalhou a fim de manter a união de sua bancada e está viajando o país em campanha para as eleições legislativas.

As intenções são se reeleger como deputado pela província de Buenos Aires e fortalecer a Frente Renovadora com o maior número possível de assentos na Câmara e no Senado. Isso lhe daria força em uma eventual disputa contra Macri pela presidência em 2019.

Segundo Marques, é Massa o político que mais se beneficia com a crise no kirchnerismo e com uma possível perda de governabilidade de Macri. “Ele ficou em terceiro nas eleições presidenciais, tem uma história com o peronismo e com o kirchnerismo, acaba se cacifando como uma terceira via com boas chances para 2019”, afirma.

Quanto ao futuro político do kirchnerismo, Julio Burdman afirma que “está muito atado ao destino da ex-presidente. Se algum dos processos contra ela prosperar, ela não será candidata e a vida do seu grupo político fica muito mais difícil”. Tudo depende, nesse sentido, do julgamento dos processos de corrupção pelos quais Cristina responde. A presidente alega inocência e afirma que os processos são movidos por razões políticas.

A cientista política Alicia Lissidini acredita que o ciclo do kirchnerismo terminou, “como o menemismo”. Segundo a especialista, “a população tem bem claro o fato de que, no governo anterior, a corrupção era gigante”.

Mas para Ramón García Fernández, afirmar que o kirchnerismo está morto pode ser um erro. “Entre um quarto e um terço do país continua sendo kirchnerista, a Cristina ainda conserva um número relevante de seguidores. Não basta para polarizar com o anti-kirchnerismo, mas lhe garante um espaço”.

Na mesma linha, Moisés Marques afirma que Cristina ainda tem a seu favor dois fatores. O primeiro, relativo ao fato de ser, na memória do argentino comum, a alternativa mais forte ao macrismo, pelo menos por enquanto. “O eleitor é pragmático. Se perceber que o governo Macri não melhora, é possível e até provável que volte a apostar no kirchnerismo”.

Para Marques, o raciocínio é simples: o governo Cristina foi ruim, mas se Macri fizer um governo pior, há chances de ressurreição política.

Victor R. Caivano Victor R. Caivano

Popularidade

Outro fator que pode complicar a governabilidade de Macri é a tendência de queda em sua popularidade em um ano de eleições legislativas. As pesquisas de opinião sobre a imagem do presidente e sobre a avaliação que os argentinos fazem de sua gestão registram dados discrepantes.

Um levantamento feito pela M&F Consultora com 2000 argentinos mostra que 25,9% dos entrevistados avaliam como positivo ou muito positivo seu primeiro ano de gestão, contra 43,1% que o avaliam como negativo ou muito negativo.

A mesma pesquisa mostra que, para 51,6% da amostra, Macri não está cumprindo as promessas que fez na campanha. A principal delas, a ponto de virar o slogan de Macri, foi “Pobreza Zero”, o compromisso de acabar com a miséria no país.

Entretanto, quando questionados sobre se, no geral, aprovam ou desaprovam a gestão do presidente, 43% dizem aprovar, contra 42% que dizem reprová-la.

Já o instituto Ipsos registra números divergentes. Em pesquisa feita com 1001 entrevistados, 43% disseram aprovar a gestão Macri, contra 33% que dizem desaprovar o governo. Dizem não aprovar nem desaprovar o governo 17%. Desses, 8 pontos são de entrevistados que disseram ter tendência a aprovar a gestão, contra 9 que tendem a  reprová-la.

Levando-se em consideração essas tendências, a aprovação de Macri seria de 51% e a desaprovação, de 42%.

Para o diretor de Public Affairs da Ipsos Argentina, Diego Reynoso, a imagem do presidente é melhor do que a de seu governo. “As pessoas avaliam mal o desempenho da economia, mas o presidente ainda mantém uma boa imagem junto ao povo”, afirma.

De fato, para o cientista político Julio Burdman, a queda da popularidade de Macri foi relativamente pequena desde o início de seu mandato. “Dependendo da pesquisa, chega a 10%, mas se mantém em níveis próximos dos 45% de aprovação. Em um cenário de recessão no continente, a maioria dos líderes dos países vizinhos tem popularidade inferior à de Macri."

Para Alicia Lissidini, cientista política e professora da Universidade Nacional de San Martin, em Buenos Aires, a queda de popularidade era esperada com “o fim da lua de mel entre Macri e a população no início do mandato”. Ela aposta, contudo, que as perspectivas para o presidente devem se alterar negativamente em 2017, a depender da situação da economia.

Na mesma linha, o cientista político Moisés Marques, da Fespsp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) afirma que, até agora, o governo conseguiu manter uma imagem relativamente positiva, apesar dos indicadores econômicos e sociais terem piorado, ao dizer que a herança maldita de Cristina era “pior do que o imaginado”.

Mas ele afirma que “as expectativas já não são tão positivas quanto no início do mandato e as desculpas razoáveis do governo estão se acabando”.

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