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Com recessão e inflação em alta, economia da Argentina deve frustrar expectativas em 2017

Ivan Martínez-Vargas Colaboração para o UOL, em São Paulo
Marcos Brindicci/Reuters
Natacha Pisarenko/AP Natacha Pisarenko/AP

Em seu discurso de posse como presidente da Argentina, em dezembro de 2015, Mauricio Macri reafirmou sua promessa de campanha de zerar os índices de pobreza do país. Dizendo-se otimista, ressaltou que sua prioridade seria “trabalhar para que todos os argentinos, em especial os que mais necessitam, vivam melhor” até o final de seu mandato. Um ano depois, o presidente está mais longe de cumprir essas promessas do que quando assumiu o cargo.

UOL conversou com especialistas para fazer um balanço de como as medidas do governo impactaram a economia e a vida dos argentinos em 2016 e quais as perspectivas para o país vizinho em 2017.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) estima que o PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina recue 1,8% neste ano. Para o ano que vem, o órgão prevê crescimento em torno de 2,7%. Em meio a uma previsão de recessão no continente, não é uma cifra desprezível, mas para um governo que há poucos meses dizia esperar crescer 6% em 2017, é decepcionante.

Além disso, os números atuais da economia mostram que o ajuste foi sentido pela população: a alta nos preços acumulou 41,1% em novembro, na comparação anualizada, de acordo com o Índice dos Trabalhadores, elaborado pelas principais centrais sindicais do país. Já os salários subiram, em média, 35% no mesmo período. Com isso, o poder de compra dos argentinos é, de acordo com o índice das centrais, em torno de 6% menor que em 2015.

O índice oficial de pobreza divulgado pelo governo é de 32%, o que significaria, segundo as centrais sindicais argentinas, que ao menos 1,4 milhão de argentinos são classificados como pobres na gestão Macri.

De acordo com a imprensa argentina, a demora em reativar a economia é um dos fatores que levou Macri a demitir o ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, nesta semana. O presidente determinou, ainda, a divisão do ministério em duas pastas e pretende centralizar as decisões econômicas na Presidência em 2017, ano eleitoral.

Segundo a equipe econômica de Macri, 2016 foi um ano de duros ajustes e reformas estruturais que vão permitir à economia argentina retomar o crescimento a partir de 2017. O argumento é de que era preciso arrumar a casa para fazer frente à herança maldita deixada por Cristina Kirchner para começar a crescer novamente. O governo também culpa a recessão brasileira pelo mau desempenho do PIB.

Dante Sica, ex-secretário de Indústria do governo peronista de Eduardo Duhalde (2002-2003) e diretor da consultoria Abeceb, afirma que, de fato, o impacto é considerável. Para ele, cada ponto percentual a menos de crescimento no Brasil significaria até 0,25 ponto a menos na Argentina.

Para o economista-chefe da consultoria Ecolatina, Lorenzo Sigaut Gavina, apesar da inegável dependência argentina com relação ao Brasil, a recessão brasileira não implica necessariamente uma crise no país vizinho. “Prova disso é o fato de que em 2015 a economia argentina cresceu mesmo com a recessão brasileira”, afirma.

Apesar de concordar que a herança deixada por Cristina Kirchner “é terrível”, a cientista política Alicia Lissidini afirma que, depois de um ano de gestão, os resultados deveriam ser melhores.

Para o cientista político Moisés Marques, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), as expectativas com relação à política econômica de Macri foram excessivamente otimistas no início de seu mandato.

“Ele chegou a ser visto como a salvação em pessoa da economia, o que não faz sentido.”

Segundo Marques, Macri conseguiu implementar em boa medida seu plano econômico de liberalização da economia. Ele destaca a renegociação da bilionária dívida com os fundos “abutres”, que terminou com um acordo do governo com os principais credores em março.

A eliminação dos controles sobre o câmbio e sobre os preços de mercadorias e os ajustes de até 500% das tarifas de serviços públicos como água, energia elétrica, gás e transporte também fizeram parte desse pacote de medidas adotadas pelo presidente logo no início de seu mandato. Além disso, o governo adotou um corte de gastos, com a demissão de quase 150 mil funcionários públicos.

Nesse sentido, Marques afirma que “as desculpas de Macri para a ausência de bons resultados estão se esgotando” e, caso não haja recuperação na economia, a popularidade e a governabilidade do presidente podem ser afetadas nos próximos meses.

A seguir, listamos as principais medidas tomadas pelo governo e a opinião de economistas, cientistas políticos e parlamentares argentinos sobre os rumos da economia do país.


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Enrique Marcarian/Reuters Enrique Marcarian/Reuters

Estatísticas confiáveis

Entre as melhores medidas tomadas no primeiro ano de governo Macri está a reestruturação do instituto responsável pelas estatísticas socioeconômicas do país, o Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos), cujos dados no governo Cristina Kirchner tinham a credibilidade questionada por entidades como o FMI e o Banco Mundial. Cristina começou a intervir diretamente no Indec a partir de 2007 quando, insatisfeita com as estatísticas que mostravam uma aceleração do índice de inflação no início de um ano eleitoral, a então candidata à reeleição trocou diretores do instituto. O cálculo da inflação e os dados referentes ao PIB foram então modificados. Em reação, a oposição ao kirchnerismo passou a divulgar mensalmente um IPC (Índice de Preços ao Consumidor) paralelo, compilado a partir de consultorias independentes. Em alguns meses, esse índice chegou a registrar mais que o dobro da inflação oficial. Em novembro, o FMI afirmou que os índices referentes à inflação e ao PIB publicados pelo Indec voltaram a ser confiáveis.

Martín Zabala/Xinhua Martín Zabala/Xinhua

Fim do controle cambial

A eliminação do controle do governo sobre o câmbio e sobre os preços de produtos básicos, uma promessa de campanha de Macri, foi cumprida logo no primeiro mês de mandato. "O câmbio saltou de menos de 10 pesos por dólar para os atuais 16 com a mudança", afirma Lorenzo Sigaut. Entretanto, a inflação aumentou após a adoção das medidas. Para Martín Kulfas, diretor da consultoria Idear Desarrollo, um dos maiores erros do governo foi prometer que não haveria descontrole na inflação. "Diziam que a inflação não subiria porque já existia o mercado paralelo, que já seria o preço de mercado. Mas não foi o que aconteceu, e devemos fechar o ano com a maior inflação desde 2002." Apesar da alta, o governo aposta que, para 2017, a inflação volte para a meta do governo, entre 20% e 25% ao ano. O economista Dante Sica também é otimista. Para ele, as medidas que Macri tomou tornaram a economia mais atrativa para investidores. "Se o governo garantir a continuidade das políticas e a governabilidade, vai conseguir atrair investimentos."

Juan Mabromata/AFP Juan Mabromata/AFP

Ajuste das tarifas

Também pressionaram a inflação os reajustes das tarifas de serviços públicos como o transporte, o gás e a energia elétrica. Logo em fevereiro, a equipe econômica de Macri anunciou uma política de "sinceridade tarifária" sob o argumento de que era necessário equiparar os valores aos preços de mercado para acabar com uma defasagem histórica e reduzir o deficit fiscal, já que o governo subsidia esses serviços. O preço da eletricidade subiu 250%, mas em alguns casos, o aumento chegou a 500%, e os valores das passagens de transporte público foram duplicados. Para analistas, o reajuste era necessário, pois alguns setores não viam aumento havia décadas. Os subsídios, por sua vez, beneficiavam os mais ricos. A maior crítica, porém, foi a ausência de audiências públicas previstas em lei, o que acabou levando a Justiça a cancelar, em agosto, o aumento do gás. A gestão Macri, então, promoveu as reuniões, e o aumento implementado acabou sendo menor que o inicialmente previsto, em parte por pressão de movimentos sociais e centrais sindicais.

Martín Zabala/Xinhua Martín Zabala/Xinhua

Até agora, quem ganhou e quem perdeu com Macri?

Ao quadro de inflação alta e queda no poder de compra das famílias, somou-se a redução de impostos de importação de produtos industrializados, o que gerou ainda mais problemas para a já cambaleante indústria argentina. No ano, a atividade industrial deve recuar em torno a 8%.

Entre os setores beneficiados pelo governo estão a mineração e a agricultura, que tiveram eliminadas as restrições e impostos à exportação que haviam sido adotadas no governo de Cristina Kirchner.

Para o presidente da CTA Autônoma (Central dos Trabalhadores da Argentina), Pablo Micheli, divisão da segunda maior central sindical do país, os trabalhadores assalariados foram os que mais perderam com a perda do poder de compra dos salários promovida por Macri.

Com a redução das alíquotas do imposto sobre salários, proposta da oposição inicialmente aprovada na Câmara à revelia do governo, Micheli afirmou ao UOL que “a situação melhoraria um pouco”.

Inicialmente, Macri propunha reajustar em 15% os valores mínimos sobre os quais a contribuição incide. Pelo texto que a oposição peronista aprovou com o apoio das centrais sindicais, o reajuste passaria a 36% e a cobrança não seria mais feita sobre o 13º salário e sobre as horas extras trabalhadas.

Após negociações com a oposição e com a principal central sindical argentina, a CGT (Confederação Geral do Trabalho), Macri conseguiu aprovar um projeto alternativo que determina um reajuste de 23%.

Victor R. Caivano/AP Victor R. Caivano/AP

Troca de ministro e perspectivas para 2017

A uma semana de inaugurar o ano eleitoral que considera crucial para seus planos econômicos e políticos, Macri decidiu trocar o comando do ministério da Fazenda e das Finanças da Argentina, até então ocupada por Alfonso Prat-Gay. Após a demissão, o ministério será dividido em duas novas pastas, a da Fazenda, que será comandada pelo economista Nicolás Dujovne, e o de Finanças, que será chefiado por Luis Caputo, que até então ocupava o cargo de secretário de Finanças.

A decisão de demitir Prat-Gay foi tomada, segundo a imprensa argentina, após uma série de desentendimentos do homem forte da economia com ministros e outras figuras da equipe econômica.

Marcos Peña, chefe do gabinete ministerial argentino, foi quem comunicou Prat-Gay sobre a decisão de Macri de “pedir sua renúncia” e quem fez o anúncio público sobre a sua saída, em entrevista coletiva nesta segunda (26).

“Não se tratou de uma diferença sobre a condução da política econômica, e sim de uma discussão que esteve aberta durante todo o ano sobre o desenho institucional do governo, sobre o processo de tomada de decisões [...], sobre qual seria a melhor forma de garantir a coerência e a consistência da equipe [econômica]”, afirmou.

Segundo o jornal "La Nación", a posição de Prat-Gay contrária à negociação de um projeto para o reajuste do imposto de renda alternativo ao que havia sido aprovado pela oposição foi o fator derradeiro para a saída do ministro. O ministro defendia que o governo se mantivesse intransigente e vetasse o projeto aprovado pelo Congresso no início de dezembro.

Em coletiva de imprensa nesta terça-feira (27), o ministro se despediu do cargo afirmando que sai com sensação de dever cumprido. Ele salientou que, se houve em sua gestão mais gasto público do que o inicialmente previsto no ajuste fiscal, foi “para assistir aos mais pobres”.

Prat-Gay afirmou, ainda, que reduziu a inflação no segundo semestre do ano, disse que nesta reta final do ano a economia argentina começou a crescer.

A partir da próxima semana, segundo o jornal "La Nación", a tomada de decisões na área econômica do governo passará por oito ministérios, mas a autonomia dos ministros será reduzida. Com isso, Macri passa a centralizar o comando da economia.

Em entrevista ao canal de TV argentino LN+, o cientista político Claudio Jacquelin afirmou que, ao concentrar o poder decisório em suas mãos, Macri “agora é o fusível” e será responsabilizado por eventuais equívocos.

Antes mesmo de anunciar a mudança do comando da economia, Macri havia surpreendido o mercado ao anunciar um pacote de incentivo ao consumo.

Além de um bônus em dinheiro aos trabalhadores assalariados, contrapartida pleiteada pelas centrais sindicais para compensar parcialmente a perda do poder de compra dos salários, o governo anunciou o “Agora 18”, um programa que permite comprar eletrodomésticos e eletroeletrônicos a preços subsidiados e em até 18 parcelas.

Para Lorenzo Sigaut, isso sinaliza que Macri vai dar um tempo no ajuste fiscal. O economista acredita que essas medidas de estímulo ao consumo, que estão próximas de 0,3% do PIB, vão ajudar a atenuar a queda no consumo e fazem parte de uma estratégia do governo para manter a boa imagem junto ao eleitorado com vistas à eleição parlamentar de 2017.

“Pelo lado das tarifas, ainda há uma defasagem nos preços que varia entre 100% e 200%. Mas os reajustes devem ser postergados para depois da eleição”, afirma Sigaut.

Quanto ao crescimento, Dante Sica prevê um aumento no PIB que pode variar entre 3% e 4%. Por outro lado, Lorenzo Sigaut, Martín Kulfas e Ramón García acreditam que a recuperação econômica deve ser mais modesta, variando entre 2% e 3%. Para García Fernández, “o grande teste de Macri será a próxima eleição. Se o governo ganhar, Macri terá um voto de confiança dos eleitores”.

Segundo Lorenzo Sigaut, “a Argentina acaba de voltar ao radar dos principais investidores, mas na região compete com países como Peru e Colômbia, que já têm as economias abertas há mais de uma década”. Nesse sentido, “a estabilidade política é importante” para atrair mais recursos.

“Se a eleição provar que a sociedade argentina entendeu a necessidade de ajuste do governo, passará um importante sinal aos investidores."

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