Honestidade na UTI

Desvios no Sudeste somaram mais de R$ 2,5 bilhões em três anos e atingiram pacientes e vítimas de enchentes

Edson Luiz Do Eder Content
Moa Gutterres

O que era para ser uma simples investigação em obras de infraestrutura, envolvendo reparos de ruas, melhorias no trânsito e coleta de lixo, entre outros, se transformou em uma das mais longas ações dos órgãos de fiscalização em Minas Gerais.

A Operação Mar de Lama, que está em sua nona fase, identificou 128 crimes nos últimos dois anos e levou dezenas de pessoas para a cadeia, incluindo servidores públicos, políticos e empresários. As investigações revelaram um rombo nos cofres públicos que pode chegar a R$ 1,5 bilhão. Somado a mais fraudes detectadas em outras localidades da região, o desfalque chega a cerca de R$ 2,5 bilhões.

A Operação Mar de Lama ganhou esse nome em alusão aos estragos feitos pelas chuvas no município mineiro de Governador Valadares, em 2013. O desastre levou o governo federal a destinar recursos para a cidade, mas auditorias realizadas pela CGU (Controladoria-Geral da União) identificaram desvios na verba.

Para estancar a sangria de dinheiro público, em abril de 2016 a PF desencadeou a Operação Mar de Lama e então descobriu que as fraudes já existiam há mais tempo

Nas nove fases da Operação Mar de Lama, os agentes fizeram diversas prisões e pelo menos 12 envolvidos foram afastados do cargo, assim como secretários municipais.

As investigações continuam já que, a cada análise de documentos apreendidos, surgem fatos novos. Em uma das buscas, por exemplo, a PF verificou que a organização atuava em outras licitações, como a de compra de merenda escolar, o que gerou a sexta etapa da operação, quando três pessoas foram presas.

Polícia Federal/Divulgação Polícia Federal/Divulgação

A ação realizada em Minas é a maior em toda a região Sudeste, onde a PF, a CGU e o Ministério Público realizaram outras 51 operações no combate à corrupção e fraudes com verbas públicas.

Há desvios de todo tipo, desde grandes volumes de recursos até somas menores, e eles atingem os principais serviços básicos como saúde, educação, saneamento, segurança e habitação. Quase sempre, há políticos envolvidos nas irregularidades.

Ainda em Minas Gerais, uma ação conjunta da PF e da Receita Federal desvendou um esquema de fraudes tributárias e previdenciárias, estelionato e desvio de recursos envolvendo entidades não governamentais e verbas federais.

Na Operação Véu Protetor, a PF prendeu o ex-prefeito de Montes Claros Ruy Muniz (PSB-MG), acusado de estar à frente das irregularidades, com a mulher, a deputada federal Raquel Muniz (PSD). Muniz ficou quase um mês preso e foi libertado em maio de 2016 por um habeas corpus do STF (Supremo Tribunal Federal), a tempo de concorrer à reeleição --ele perdeu, mas recebeu quase 50 mil votos.

Atualmente, aguarda em liberdade e cumpre medidas restritivas já validadas pelo Tribunal de Justiça de Minas, como a indisponibilidade e proibição de uso de bens como aeronaves e helicópteros, carros de luxo e apartamentos, além da restrição de acesso à prefeitura e às empresas da família.

Desde 2014, segundo investigações da área de inteligência da Receita, o casal estava à frente de 133 instituições que prestavam serviços nas áreas de educação e saúde. As organizações deixaram de recolher R$ 200 milhões em impostos e teriam desviado recursos federais do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) repassados às entidades.

Muniz se defende dizendo ser perseguido pela oposição: "Sou uma pessoa do bem, trabalho, tenho endereço fixo, não sei por que devo ser preso se as denúncias são falsas. Sou ficha limpa, não tenho nenhuma condenação".

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Ribeirão Preto, um dos municípios mais ricos de São Paulo, viu a ex-prefeita Dárcy Vera (PSD) ser presa em dezembro de 2016, durante a Operação Mamãe Noel. Foi a segunda fase de outra ação desencadeada em setembro do ano passado, a Sevandija, que apurou desvios em repasses de R$ 203 milhões em terceirização de mão de obra e licitações nas áreas de abastecimento de água e esgoto, entre outros.

A prefeita foi acusada de receber propina em uma ação movida por sindicatos de servidores. Na primeira etapa da investigação, os alvos foram funcionários do município, incluindo secretários e vereadores.

Dárcy chegou a ganhar liberdade, mas, em maio deste ano, voltou à prisão por ordem do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e foi recolhida ao presídio de Tremembé, onde permanece presa.

A defesa da ex-prefeita afirma que sua prisão é baseada em "meras conjecturas" e que não há "motivos concretos e idôneos" para retirar sua liberdade. Em menos de um mês, a ministra Rosa Weber (STF) já negou dois habeas corpus apresentados pelos advogados de Dárcy.

Fraudes frustram o sonho da casa própria 

Considerado um dos programas mais importantes do governo, o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) recebeu investimento de R$ 225,5 bilhões desde 2009, gerou milhares de empregos na construção civil e possibilitou a construção de pelo menos 3 milhões de unidades habitacionais no país. E também foi um dos setores visados pelas fraudes nos últimos anos.

No segundo semestre de 2015, por exemplo, investigações colocaram fim a três esquemas que se aproveitaram do sonho da casa própria de moradores de Minas Gerais e Rio de Janeiro, evitando rombos milionários ao programa.

O primeiro deles fraudava empreendimentos do MCMV, superfaturando contratações de obras, compras de terrenos e direcionando licitações. A Operação Farol 40, realizada em julho de 2015, revelou a conivência de servidores públicos e a participação de pelo menos três empresas que atuavam não só em Minas, mas em outras regiões do país, movimentando mais de R$ 200 milhões.

No segundo esquema, as vítimas eram mutuários da versão rural do programa em 26 cidades mineiras. “Essas pessoas, em sua maioria trabalhadores rurais extremamente pobres, eram induzidas a pagar indevidamente a sindicatos rurais valores de que não dispunham para que pudessem obter o benefício da casa própria”, relatou o Ministério Público Federal em Minas.

A Operação Tyrannos, realizada em novembro de 2015, prendeu seis pessoas. Entre os acusados estavam três irmãos, dois deles dirigentes sindicais --que continuam presos.

No Rio de Janeiro, outro esquema foi identificado na região dos Lagos, onde uma quadrilha contava com ajuda de funcionários da Caixa Econômica Federal para facilitar o recebimento de recursos referentes a contratos de até R$ 1 milhão. Parte dos imóveis foram sobrevalorizados em até 1.000% do valor de mercado, segundo a investigação que originou a Operação Dolos, em março de 2016. Em três agências bancárias, o dinheiro chegava a ser liberado em até quatro dias, quando a média seria demorar mais de um mês.

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Na saúde, há desvios que pouco aparecem

Seis cidades mineiras foram alvo de buscas da Polícia Federal, em dezembro do ano passado, durante a investigação de cobrança ilegal de atendimento médico em Santo Antônio do Amparo, município de 17 mil habitantes no sudoeste mineiro.

Segundo a PF, cirurgias chegaram a custar até R$ 15 mil, mas quantias irrisórias eram contabilizadas para o hospital, que vive de contribuições. Além disso, procedimentos que eram feitos pelo SUS (Sistema Único de Saúde) foram cobrados e as filas de espera eram furadas por políticos ligados a servidores. 

Esse caso registrado em Minas é um tipo de fraude na saúde pública que pouco aparece exatamente por não envolver somas milionárias --mas seu impacto sobre a população é incalculável.

Em São Paulo, em 2015, policiais federais e auditores da CGU descobriram que a compra de equipamentos para implantes em pacientes com mal de Parkinson estava sendo superfaturada por servidores do Hospital das Clínicas.

Conforme o Ministério Público, funcionários incentivavam pacientes desde 2009 a ingressarem com ações judiciais para a realização de cirurgias de urgência para implantes. Em troca, recebiam benefícios das empresas fornecedoras. O HC afastou todos os servidores envolvidos nas fraudes.

Corrupção é principal motivo de demissão de servidores federais

Desde 2003, a corrupção tem sido o principal motivo de demissão de servidores públicos na administração federal. Segundo a CGU, equivale a 66,32% dos casos registrados até 2016. Somente neste ano, 138 funcionários deixaram seus cargos por este motivo.

No total, foram demitidas 6.209 pessoas por diversos motivos --a maior parte na região Sudeste, com 2.172 demissões até junho de 2017. A maioria no Rio de Janeiro, com 1.096 casos, seguido de São Paulo, com 667, Minas Gerais, com 288, e Espírito Santo, com 121 casos. 

Apenas em 2017, 138 servidores públicos federais foram demitidos por corrupção

Quase 25% das demissões de servidores foi por abandono de cargos e/ou inassiduidade, que ocupam a segunda colocação no ranking das punições de funcionários públicos. São casos como o de médicos lotados na Previdência Social em São Carlos (SP), onde as investigações apontaram que eles não cumpriam a carga horária de trabalho e atendiam em suas clínicas particulares. Para evitar que fossem descobertos, se revezavam para registrar o ponto dos faltosos.

O número de envolvidos na Operação Ponto Final 2 não foi informado pela Polícia Federal, mas todos os médicos foram indiciados por falsidade ideológica, estelionato, abandono de função pública, prevaricação e associação criminosa. A prática já havia sido identificada pela PF em outra cidade do interior paulista: Araraquara.

Inovação nas fraudes nos concursos

O uso do Sistema de Prospecção de Análise de Desvios em Exames, um sofisticado software desenvolvido pela Polícia Federal, possibilitou a descoberta, em Sorocaba (SP), de um esquema de fraudes em concurso que ultrapassava os limites do Estado de São Paulo.

Foi a primeira investigação a adotar este suporte e também a que descobriu uma nova forma utilizada pelos criminosos para mascarar o dinheiro recebido com a venda de gabaritos. Os candidatos teriam que pagar aos fraudadores dez vezes o valor do salário para o cargo pretendido.

A Operação Afronta, desencadeada pela PF para apurar irregularidades no concurso do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região, em São Paulo, foi além. Os investigadores chegaram a fraudes também em certames realizados para vagas no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Rondônia. Tanto a Justiça Federal quanto o TRE abriram procedimentos para afastar os candidatos envolvidos.

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Festa privada com dinheiro público

Em dez cidades de São Paulo e Paraná, os poucos recursos destinados ao financiamento da cultura serviram para bancar projetos particulares. O esquema era comandado por um grupo que se valia de grandes empresas para utilizar recursos da Lei Rouanet, de incentivo à cultura.

A fraude, descoberta em outubro de 2016 na Operação Boca Livre, desviou R$ 25 milhões do programa.

Dois meses depois, os alvos de investigação foram ex-secretários municipais de São Bernardo do Campo (SP), presos durante a Operação Hefesta, que apurou o desvio de R$ 7,9 milhões nas obras do Museu do Trabalhador na cidade do ABC paulista.

Além deles, outras dez pessoas, entre servidores públicos e empresários, foram acusadas de envolvimento no esquema de fraudes em licitação e na execução dos contratos.

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