Boris passando a limpo

Após 30 anos na TV, âncora se orgulha de comentários e diz que, como William Waack, é vítima de "patrulha"

Gilvan Marques Do UOL, em São Paulo
Divulgação / Rede TV

Boris Casoy só estreou como âncora de TV aos 48 anos, mas deixou sua marca. Após 30 anos no ar, o jornalista que já tinha passagens pelo rádio e comandou a redação da "Folha de S.Paulo", orgulha-se por ter sido um dos pioneiros a fazer comentários sobre o noticiário. 

"O telejornal não foi projetado para comentários, mas eu achei que faltava alguma coisa e comecei a fazer informalmente", lembra ele, que também cunhou bordões célebres, como "Isto é uma vergonha" e "Precisamos passar o Brasil a limpo", que seguem atuais. 

O jornalista recebeu o UOL para uma entrevista na redação da Rede TV!, em que não evitou qualquer assunto, incluindo o polêmico comentário sobre garis que acabou vazando em 2009 e lhe rendeu vários processos e muitas críticas. Se diz vítima do que chama de "patrulha" pelo seu posicionamento ideológico e compara seu caso ao do jornalista Willam Waack, demitido da Globo após uma piada racista, para quem diz ter telefonado.

Bem-humorado e disposto, apesar de uma pequena dificuldade para andar -- resultado da sequela deixada pela poliomelite que ele teve na infância --, Boris também relembra o bullying sofrido na infância, diz que nunca se casou por não ter encontrado sua "princesa encantada" e, aos 78 anos, ainda faz planos de voltar ao rádio e estrear no Youtube. 

"Tenho um passado que pesa mais que uma frase"

Imagem/Arquivo pessoal Imagem/Arquivo pessoal

"Comentários são uma conquista em minha carreira"

Boris consolidou a sua carreira no rádio e no jornal –trabalhou como editor-chefe da "Folha de S. Paulo" por quase uma década.  Era, como ele próprio define, um “conhecido sem rosto”.

Isso mudou radicalmente a partir do fim dos anos 1980, depois que decidiu migrar para a televisão. Ancorou o "TJ Brasil", principal telejornal do SBT, por quase uma década, até 1997. Tornou-se conhecido nacionalmente. E, desta vez, com rosto.

“No início, o assédio me incomodou muito. Eu tive problemas para sair de casa, perdi muitas coisas que eu gostava, como tomar cafezinho na padaria, ir ao boteco... Me senti tolhido, invadido. Eu classifiquei isso na época como sendo alvo de uma ‘curiosidade zoológica’”, brinca.  

Hoje, o reconhecimento do público incomoda menos. Para ir de vez em quando ao estádio assistir aos jogos do Palmeiras, seu time do coração, ele admite que vai de boné e cachecol, "meio disfarçado”.

Boris se orgulha de ter sido o "primeiro âncora a emitir opiniões dentro de telejornais no Brasil". E isso em um período em que a democracia ainda estava renascendo.

É uma conquista profissional, um fato positivo da minha carreira. Isso não existia ou era sufocado pelo regime militar.

Mesmo um sucesso com o público, ele conta que as falas enfrentaram resistência até na emissora. "Durante muito tempo, o comentário foi contestado dentro do próprio SBT. E na imprensa e na crítica também. Mas eu queria, estiquei a corda", lembra.

Trinta anos após a estreia na TV --e depois de passagens por Record, TV JB, Band e RedeTV!, emissora onde está desde 2016--, Boris conta que até já pensou em aposentadoria, mas desistiu da ideia. "Se eu me aposentar, sei que vou para o hospício no segundo mês".

"Houve exagero no meu caso e do Waack"

Era 31 de dezembro de 2009 quando dois garis apareceram em uma vinheta desejando "feliz Ano-Novo" aos telespectadores do "Jornal da Band". Uma falha técnica, porém, levou ao ar o áudio de Boris Casoy dizendo: "Que merda, dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho".

A frase pegou mal. O vídeo caiu nas redes sociais. Houve repercussão negativa imediata. Um dos garis o processou, e o jornalista teve de indenizá-lo em R$ 60 mil.

Boris admite que a frase foi "desagradável", e que o incidente projetou uma imagem sua de desdém com as camadas menos favorecidas. Ele se defende. "Eu gozei, estava brincando. Passou, pedi desculpas. Mas a brincadeira, na minha cabeça, não tinha nenhum intuito depreciativo. Não tenho nada contra os lixeiros".

O caso de Boris se assemelha ao episódio ocorrido com o jornalista William Waack, demitido da TV Globo em dezembro, depois que um vídeo seu nos bastidores vazou. Na ocasião, Waack aparece nas imagens à espera de uma entrada ao vivo e faz uma piada de cunho racista --e se desculpou depois.

Boris acredita que, assim como ele, Waack também foi vítima de uma "infelicidade", e que o episódio foi amplificado devido à posição ideológica dos dois.

Acho que a repercussão foi muito amplificada pela posição dele que eu classifico como democrata. A questão dele foi provocada por ele mesmo, assim como a minha foi provocada por mim, mas daí a achar que eu sou anti-pobre e ele, racista, têm uma distância muito grande. O que tem em comum no meu caso e no do William é que nós dois descontentamos determinados setores ideológicos que tem o hábito de usar isso que eu chamo de patrulha.

Os dois não se conhecem pessoalmente, mas Boris revela que prestou solidariedade a Waack, por telefone, depois do episódio. O âncora, no entanto, se negou a descrever o conteúdo da conversa.

Eu fui e sou [vítima de patrulha]. Eu não leio mais. Quando eu pego, eu processo. Já processei muita gente. O cara que se explique. Processo e aviso que vou processar. E vou dizer para você: a maioria desses caras se caga de medo, são covardes, tem gente que chega a chorar.

sobre estar fora das redes sociais

Imagem/Arquivo pessoal Imagem/Arquivo pessoal

"Sou de centro direita, mas totalmente libertário"

Incisivo nos comentários, Boris acredita ter conseguido manter distanciamento entre "as minhas preferências pessoais e o exercício da profissão". Não foge da pergunta, no entanto, quando é questionado sobre sua posição ideológica.

Dizem que eu sou da extrema direita. Não sou. Eu me considero um liberal na política, na economia. Sou pela livre iniciativa, a favor da total, completa liberdade de expressão. Sou contra todos esses movimentos censórios, que apareceram aí de manifestações artísticas. Apoio a luta das mulheres, dos homossexuais. Sou de centro direita, mas totalmente libertário.

Parte da fama de ser um representante da direita pode ser creditada às críticas constantes ao governo do presidente Lula (2002-2010), que Boris acredita ser culpado de todas as acusações a que responde na justiça (a entrevista foi realizada durante a votação no Supremo sobre a possível prisão do ex-presidente).

"Eu opto pelos princípios. Agora, que o Lula comandou um sistema danoso ao país, um bloco de corrupção, não tenho dúvidas. Li os vários processos dele, ele não é inocente. O PT tentou formar um partido que se eternizasse no poder. A cúpula toda do PT está envolvida. É evidente que ele sabia, senão ele seria um débil mental. E ele é inteligente", diz o jornalista, que afirma já ter recebido ligações do próprio Lula para pedir conselhos.

Boris também não faz rodeios quando perguntado sobre a acusação de ter colaborado com o Comando de Caça aos Comunistas, uma organização da extrema direita que atuou entre os anos 60 e 70. O jornalista nega o envolvimento e diz que a acusação afetou a sua vida. "Passei a ser visto como uma pessoa violenta, uma pessoa intolerante. Muitas disseram que viram o Boris Casoy invadindo a faculdade de filosofia da USP. Eu não estava lá".

"Estou condenado a viver comigo mesmo"

Bullying na infância: "Me chamavam de mula manca"

Filho de imigrantes russos, nascido no bairro de Campos Elíseos, na região central de São Paulo, Boris Casoy e a irmã gêmea sofreram de poliomielite, ou paralisia infantil, doença infecciosa viral aguda, quando tinham apenas 1 ano. “Eu fiquei com um problema grave na perna direita, fazendo uma figura praticamente igual ao Saci”, lembra.

Na escola, era considerado uma criança “diferente”, que não podia brincar com os demais. O bullying na época, afirma, era muito mais forte.

As outras crianças me chamavam de mula manca. Eu contava para a minha mãe e ela chorava também.

O problema só foi parcialmente solucionado 8 anos depois, quando ele foi operado por um cirurgião importante nos Estados Unidos. Após o procedimento, ele recuperou em parte os movimentos e pode praticar esportes como futebol, uma paixão. O amor pelo rádio e pelo esporte é, aliás, o que levou o jornalista a querer se tornar, logo cedo, um locutor esportivo.

“É um pouco dolorosa, mas eu tenho uma boa lembrança da minha infância”.

Divulgação/RedeTV! Divulgação/RedeTV!

Casamento: "Não apareceu a princesa encantada"

Discreto em relação à sua vida pessoal, o âncora diz que nunca se casou porque não apareceu a sua "princesa encantada".

"Acho que eu devia ter forçado isso. Namorei, mas nunca fui um pegador", diz Boris, aparentando uma certa timidez pela primeira vez durante a longa conversa. Diante da insistência da reportagem, reage: "Você está interessado?", pergunta, aos risos.

A partir daí, retoma a fluência e reflete sobre a opção de uma vida não compartilhada

[O tempo] foi passando muito rapidamente. A vida é muito mais rápida do que você imagina. E quanto mais velho você fica, mais rápido passa. Então são coisas que, talvez, eu me arrependa. Mas depois de velho, para você ter convivência com alguém, é muito duro. É preciso ter uma sintonia muito grande e acho que não tenho mais essa capacidade. Estou condenado a ficar comigo mesmo. 

Um comentário sobre...

Divulgação Divulgação

José Luiz Datena

Um amigo, competente, merecedor das conquistas que alcançou. Sou suspeito para falar sobre ele porque tenho um afeto fraternal.

Reprodução/YouTube Reprodução/YouTube

William Waack

Acho que é um dos melhores jornalistas do Brasil. Está voltando para a mídia. Ele tem uma colaboração a prestar ao país. Não pode ficar paralisado por conta de um incidente.

Mateus Bonomi/Estadão Conteúdo Mateus Bonomi/Estadão Conteúdo

Michel Temer

É um político convencional. Arrasta os defeitos do PMDB. Está tentando passar para a história fazendo algumas coisas úteis, mas os problemas que ele traz o prejudicam muito. Para o Brasil, acho que tem uma administração correta, com boas coisas.

"Fiz as pazes com a morte"

Eu acredito em Deus, sou judeu, mas não sigo nenhuma religião. Acredito, mas dispenso intermediários. A minha relação com ele é direta. Às vezes, tenho dúvidas de sua existência.

ao responder, como lembrou, à mesma pergunta que fez a FHC durante debate afetando sua candidatura à Prefeitura de São Paulo, em 1985

Fiz as pazes com a morte. Até me surpreendo que não tenho mais medo. O que eu temo é ficar entrevado e sofrer. Nem por isso me entrego à morte, que acho que é um dormir eterno.

sobre sua relação com a ideia de morte

Curtiu? Compartilhe.

Topo