Como surge uma ocupação

Moradias irregulares crescem no extremo leste de SP e se aproximam dos limites da cidade

Wellington Ramalhoso Do UOL, em São Paulo

Avenida vira corredor de ocupações

Não é só o centro, onde o edifício Wilton Paes de Almeida pegou fogo e desabou no dia 1º, que está recheado de ocupações em São Paulo. Na busca por moradia, sem-teto têm ocupado terrenos nas bordas da cidade. O fenômeno não é novo, mas ganhou impulso em função do desemprego e do preço dos aluguéis.

Na zona leste, as ações consolidam a ocupação de áreas extremas da periferia e se aproximam dos limites do município. Além de ser a mais populosa da cidade, a região tem o maior número de pessoas vivendo em ocupações. De acordo com a prefeitura, a zona leste concentra cerca de um terço das quase 46 mil famílias que moram em locais ocupados irregularmente.

Boa parte das ações recentes no extremo leste é organizada por moradores do entorno de terrenos particulares vagos. No embalo desse movimento, famílias têm trocado o aluguel em casas de alvenaria em bairros menos distantes do centro por barracos de madeiras montados em bairros mais afastados.

“As ocupações na periferia de São Paulo foram intensas entre as décadas de 1960 e 1980, diminuíram um pouco, mas mudanças econômicas e urbanísticas nas áreas periféricas aumentaram a disputa por terras e a acirram as ocupações”, afirma o arquiteto e urbanista Kazuo Nakano, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

“Houve uma explosão de ocupações na zona leste de um ano e meio para cá”, afirma Osmar Borges, coordenador da Frente de Luta por Moradia. “Teve uma explosão imensa de ocupações na região”, reforça Luciano Santos, presidente da associação de moradores da ocupação Pinheirinho 2, no distrito do Iguatemi, região de São Mateus, quase 30 km distante do centro e vizinho do município de Mauá.

Os preços dos terrenos e dos aluguéis subiram muito acima do aumento de renda. Agora que estamos vivendo um aumento do desemprego, com renda e políticas redistributivas diminuindo, o negócio explode em ocupações porque não tem alternativa nem no acesso à compra da casa própria nem no aluguel formal e informal. Ninguém vai morar na zona rural de São Mateus, num barraco, porque quer. A gente precisa deixar isso bem claro. Essas ações são absolutamente resultantes da falta de opção  

Raquel Rolnik, urbanista, professora da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e ex-relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada

O acesso ao Pinheirinho 2 é feito pela avenida Bento Guelfi, que se transformou em um corredor de ocupações. “Era um lugar ermo. A região começou a desenvolver nos últimos anos. Chegou o CEU (Cento Educacional Unificado), parece que vai ter metrô perto [o monotrilho da linha 15-prata] e começou a haver interesse pela região no mercado. Aí invadiram tudo”, diz o advogado André Batalha de Camargo, cuja família é dona do terreno.

“Aqui é uma região bem periférica, com bastante área verde, mas não de mata nativa. Se as famílias que não têm condição financeira acreditam que há uso indevido de terreno, que o dono está esperando a valorização, elas ocupam e se aventuram nessa situação. Fazem barraco e buscam negociação com o proprietário. É gente sem condição de assumir um compromisso do programa Minha Casa, Minha Vida, que não tem Fundo de Garantia e está na situação de pagar aluguel ou comer”, comenta Santos, líder do Pinheirinho 2.

À beira da Bento Guelfi surgiu recentemente outra ocupação com potencial para se consolidar como uma das maiores da cidade, com 5.000 famílias já cadastradas pela liderança. De tão recente --tem apenas sete meses--, ainda há confusão sobre o seu nome.

Por causa da iniciativa, o líder Wendell Nunes esteve preso entre fevereiro e março, mas o cadastro de novos interessados em participar do grupo continua, e barracos de madeira são montados em um morro.

“Verificamos ocupações extremamente precárias como há muito tempo a gente não via no município de São Paulo. É diferente das de alvenaria, um pouco mais estruturadas. Vemos muito claramente que é um novo ciclo de emergência habitacional no município”, alerta Raquel Rolnik.

A reportagem do UOL visitou, nos últimos 30 dias, terrenos tomados por sem-teto na zona leste. Veja abaixo como uma ocupação surge, se expande e como os grupos enfrentam os desafios da luta por moradia.

Arte UOL

Líder passou 42 dias preso e diz que faria tudo novo

Pequenos bairros e ocupações se alternam na avenida Bento Guelfi. Avançando no sentido norte, avista-se, rente à Bento Guelfi, do lado direito, barracos em uma baixada. Atrás, um pouco mais distante, vê-se um morro com barracos de madeira em meio a árvores. São duas ocupações diferentes, mas com vínculos.

Para chegar ao morro, é preciso entrar por uma rua de terra à direita, de onde se vê o córrego do Limoeiro, cercado por uma vegetação rasteira, e um piscinão construído pela prefeitura. Não há mais asfalto, e as novas moradias parecem respeitar as margens do córrego. A ocupação rente à avenida se chama Nova Laranjeiras, tem três anos de existência e é menor.

No lado oposto do córrego, uma equipe à sombra de uma tenda recebe interessados em obter um lote irregular no local. A tenda está de frente para o morro, agora tomado por casas de madeira construídas em lotes de 5 m x 20 m.

Subindo o morro por uma rua de terra recém-aberta, Wendell Nunes (foto abaixo), nascido e criado no distrito, conta como uma ocupação levou à outra. Ou a outras. O sucesso na negociação e o tamanho restrito da primeira área serviram de impulso. Segundo seu relato, o dono da área da Nova Laranjeiras aceitou vendê-la por cerca de R$ 15 milhões, e o pagamento pelos 205 novos lotes começou a ser feito no ano passado. Nunes, que ainda não liderava o movimento, foi um dos compradores.

“Muitas pessoas apareciam atrás de moradia, nos procuravam, nos ligavam, faziam contato por WhatsApp e Facebook perguntando onde seria a próxima ocupação. Começamos a pesquisar e descobrimos que havia áreas com quase 2 milhões de dívidas de IPTU na Bento Guelfi.”

O grupo ocupou uma área no lado oposto da Bento Guelfi e depois, em outubro, ocupou o morro, com uma área bem maior, de 1,1 milhão de metros quadrados, que se estende para o outro lado, tendo uma parte plana com saída para a avenida Ragueb Chohfi.

Edson Lopes Jr./UOL Edson Lopes Jr./UOL

Nunes diz que o interessado em participar tem de pagar, quando entra, R$ 305 como uma espécie de taxa de adesão, que inclui as ligações clandestinas de água e luz. Depois, paga R$ 60 mensalmente para ajudar a “pagar o advogado” que defende o grupo.

A família proprietária do terreno recorreu à polícia. Em fevereiro, Nunes e outros quatro líderes foram detidos por causa da ocupação. Somente ele ficou preso -- foram 42 dias em um CDP (Centro de Detenção Provisória) em Pinheiros, na zona oeste. Além disso, foi multado em R$ 23 mil por causa do desmatamento no morro. Ele afirma que não eram árvores nativas --“só tinha eucalipto”-- e pretende recorrer.

Nunes tinha um depósito de ferro velho e reciclagem. Declara que liderar o movimento é seu trabalho atual. “Pela moradia e pelo povo, eu passaria tudo de novo. Se fosse preciso ser preso, eu seria preso de novo porque amo esse trabalho”, afirma.

“Não penso em mim. Tem gente que paga aluguel e não tem nada para comer dentro de casa. O governo não vê isso, quem diz ser dono do terreno não vê isso. Acho injusto uma família ter uma área tão grande, de 46 alqueires, e não fazer nada. A gente quer negociação, queremos comprar a terra. A população pode se juntar e pagar o valor. Imaginamos o bairro só com casas, além de creche, escola e posto de saúde.”

Ele diz que 1.800 das 5.000 famílias cadastradas pagam a taxa mensal de R$ 60 e que pretende liberar lotes para novos interessados. A procura, segundo Nunes, permanece intensa. Apesar das pretensões, o líder recomenda cautela aos ocupantes.

“A gente orienta que os ocupantes construam casas de madeira para não ter muito gasto e prejuízo porque a gente não sabe o dia de amanhã. Faremos o que a Justiça ordenar. Se a Justiça disser que perdemos e temos que liberar a área, a gente só pede um tempo para tirar o pessoal daqui e colocar em outra área.”

Ainda não há negociação com os donos para a compra, e o futuro da ocupação é incerto. A reportagem não conseguiu localizar os proprietários do terreno.

Edson Lopes Jr./UOL Edson Lopes Jr./UOL

Urbanização com as próprias mãos

Com seis anos de existência, o Pinheirinho 2 é uma referência para outras ocupações da região. Em 2013, a reintegração de posse da área foi suspensa momentos antes de a primeira casa ser derrubada. O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) declarou o interesse social do terreno de 133 mil metros quadrados e deu início às negociações para a desapropriação. O então governador Geraldo Alckmin (PSDB) também atuou para impedir a reintegração.

A desapropriação está em vias de ser concluída pela gestão Bruno Covas (PSDB) --o desfecho foi adiado porque a família proprietária conseguiu na Justiça o direito de obter um valor entre R$ 40 milhões e R$ 50 milhões, acima do inicialmente previsto pela prefeitura, segundo o líder Luciano Santos (foto abaixo). A família Camargo prefere não comentar o valor.

André Camargo rechaça os comentários feitos na região de que a família teria incentivado a ocupação e preferido negociar a desapropriação com a prefeitura do que correr riscos de inadimplência no caso de venda direta para os ocupantes. Reconhece, porém, que havia dificuldades para vender a propriedade antes da entrada dos ocupantes.

O terreno estava à venda. Pelo tamanho dele, era de difícil comercialização

André Camargo, um dos donos do terreno

Além da participação da prefeitura, o Pinheirinho 2 também é uma referência em termos de organização. Mesmo sem ligações com movimentos de moradia, o grupo procurou planejar o espaço e acabou realizando uma urbanização com as próprias mãos. “Aqui foi tudo a gente que fez, a não ser agora a Eletropaulo”, diz o pintor Aparício Ribeiro da Costa Jr., o Juninho, citando a recente instalação de equipamentos da concessionária que fornece energia na cidade.

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Juninho e Luciano Santos, presidente da associação de moradores, brincam que o Pinheirinho 2 (foto abaixo) foi uma universidade para os ocupantes. “A gente procurou saber o que poderia fazer para o Pinheirinho dar certo. Fizemos ruas com tamanho padrão, lotes com tamanho padrão, não construímos nos 30 metros próximos do córrego, preservamos área verde, fizemos praça e deixamos espaço para um posto de saúde”, conta Santos.

Os ocupantes decidiram construir casas de alvenaria logo no começo --e continuam a ampliá-las--, mas havia questões coletivas para resolver. “Tinha o problema do fornecimento de água e a preocupação com as fossas negras. O pessoal cavava os buracos e fazia as fossas. Aí implantamos um sistema similar ao da Sabesp de água e de esgoto. Está tudo canalizado. Pesquisamos o material necessário, orçamos, conseguimos um preço mais em conta e fizemos um rateio entre as famílias”, prossegue o líder dos moradores.

“Estudei até o primeiro ano do ensino médio e sou modelista de bijuteria e artigos religiosos. Nunca trabalhei na área de construção. Aqui foi uma troca de ideias. São várias pessoas com formações diferentes. Cada um doou um pouco do seu conhecimento.”

Apesar da organização, alguns problemas são praticamente impossíveis de solucionar antes da desapropriação. O fornecimento de água ainda é clandestino, o sistema interno de esgoto não está conectado ao da cidade e as ruas continuam de terra.

Com a desapropriação, os ocupantes esperam a definição do projeto habitacional da prefeitura. As mil famílias cadastradas devem ser contempladas com apartamentos. Um ponto a se definir é onde os moradores ficarão durante a construção dos prédios: se poderão permanecer no terreno ou se terão de viver provisoriamente em outro endereço.

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Geração Conquista

A experiência na zona leste passa de grupo em grupo e também de geração para geração. Luciano Santos chegou criança à zona leste para viver com a mãe em uma ocupação perto dali, o Jardim Conquista, no distrito vizinho de São Rafael, no começo dos anos 90. A família do pedreiro Vanzinaldo Santana, o Vanzinho, líder de outra ocupação próxima, batizada de Araguaia, também vem do Conquista, que foi regularizado pela prefeitura em 2009.

Com o crescimento das famílias, Santos, Vanzinho e seus irmãos viram nas novas áreas ocupadas a chance de ter casa própria. “Nós temos filhos, precisamos de casa para agora para colocar a família debaixo de um teto. Não temos condições de dar entrada numa moradia do projeto do Minha Casa, Minha Vida, que ficou mais restrito. Estamos abandonados pelo sistema”, declara Vanzinho.

O terreno da Araguaia (foto abaixo) tem 48 mil metros quadrados divididos em 400 lotes criados pelos ocupantes que começaram a chegar ao local há seis anos. Trezentas famílias moram na área, incluindo 50 compostas por bolivianos. Como em outras áreas ocupadas, os novos moradores dizem que o local estava abandonado e era usado para a prática de crimes. “Tinha muito caso de estupro e de desova de carros roubados aqui. As pessoas tinham medo de passar aqui, mas tudo mudou. Agora a gente está num lugar habitado e anda sem medo”, conta a operadora de caixa Natália Oliveira.

Também não há ligação com movimentos de moradia nesta ocupação. As casas são de alvenaria e há até sobrados com três pavimentos. A Eletropaulo também já instalou equipamentos para fornecer energia aos moradores. “O dono veio aqui e viu que ficava complicado tirar as famílias. Na Justiça, ele falou que queria negociação e que algum órgão público fizesse a desapropriação. O medo dele era que a gente não pagasse. Nós não queremos nada de graça. Queremos pagar, mas nas nossas condições”, explica Vanzinho.

Segundo o líder, a prefeitura ainda não demonstrou interesse em negociar a comprar do terreno. Procurada por telefone e email, a Versátil Engenharia, empresa de construção que é dona do imóvel, não se manifestou sobre o caso.

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"Se a gente sair daqui, estamos perdidos"

No distrito vizinho de São Mateus, 200 famílias vivem o risco de serem removidas da ocupação Caguaçu (foto abaixo). A Justiça determinou a reintegração de posse, favorecendo a Gold Colômbia Empreendimentos Imobiliários, dona do terreno de 28 mil metros quadrados, mas o prazo para a ação ainda não foi definido.

“As famílias aqui precisam de moradia e não têm condições de pagar aluguel. Se a gente sair daqui, estamos perdidos”, afirma a dona de casa Maria Piedade dos Santos, que tem um filho com necessidades especiais.

Segundo o advogado Paulo Dóron Rehder de Araújo, que defende a Gold, a empresa é dona do terreno há dez anos, quer construir um projeto residencial no local e deseja uma remoção negociada. “A Gold não quer bomba nem tropa de choque. Quer uma desocupação amigável. Ninguém deseja um novo Pinheirinho [referência à violenta ação policial na remoção de 1.500 famílias de uma ocupação em São José dos Campos, no interior paulista, em 2012].”

A faxineira Rosicler de Lima, a Rose, está na ocupação desde o início, em agosto de 2015, e hoje é coordenadora do grupo. Decidiu participar depois de ser demitida de um sacolão e ficar sem condições de pagar aluguel. “No começo, dormi 15 dias ao relento, só com um um cobertor, até construir meu barraco. Nunca tinha passado por isso”, relembra.

A ocupação tem proporções semelhantes de casas de alvenaria e de madeira. Ela também começou sem ligações com movimentos de moradia, mas depois se vinculou ao MSTC (Movimento dos Sem Teto do Centro) e à Frente de Luta por Moradia. O movimento busca apoio da prefeitura para tentar impedir a reintegração de posse ou buscar outra solução para as famílias ocupantes.

É uma situação semelhante à da ocupação Terra Prometida, no Jardim Imperador, um pouco mais distante dos limites do município. Os ocupantes se vincularam à ULCM (Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia) e tentam o apoio da prefeitura e do Ministério das Cidades para se fixar no terreno.

A área pertencia à construtora Habitécnica, mas foi alienada pela Caixa Econômica Federal antes da ocupação, que teve início em outubro de 2016. Em um ano e meio, cerca de 300 famílias passaram a viver em pequenas casas, boa parte de madeira, em uma área de 15 mil metros quadrados.

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Cada vez mais longe do centro

O processo de avanço da periferia se materializa nas histórias pessoais de integrantes de ocupações. A reportagem encontrou vários casos de moradores da zona leste que não suportaram o aluguel em casas situadas em bairros mais próximos ao centro e agora vivem nas bordas da cidade. Veja abaixo alguns exemplos.

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Patrícia de Almeida

A supervisora de logística trocou o Jardim Colorado, a 14 km do centro, por uma ocupação no Iguatemi, a 26 km. "Pego três ônibus e levo 2h10min até o trabalho. É mais longe, mas o importante é a nossa casa."

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Lucíola Nanci Mendes

A dona de casa morava na Vila Formosa, a 12 km do marco zero paulistano. Com problemas de saúde, devendo o aluguel e outras contas, agora vive no morro recém-ocupado do Iguatemi, a 27 km do centro.

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Ciro Gomes Sobrinho

O autônomo era morador da Vila Prudente, a 8 km do centro, e está em uma ocupação no Jardim Imperador, agora distante 17 km. "A situação vai apertando, e a gente vai ficando mais distante do centro."

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Maria Piedade dos Santos

A dona de casa tem um filho especial. Com o marido desempregado, a família trocou a Vila Matilde, a 11 km do centro, pela ocupação Caguaçu, em São Mateus, 20 km distante do ponto central da cidade.

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Periferia valorizada, mas com alto desemprego

Apesar da longa distância até o centro, moradores de ocupações de São Mateus e Iguatemi se dizem satisfeitos com a estrutura da região, com linhas de ônibus até estações de metrô, creches, escolas e postos de saúde. “Aqui [no Iguatemi] a gente se encaixou. Está muito bom”, diz Priscila de Jesus dos Santos, mãe de cinco filhos pequenos vivendo na ocupação do morro.

Por mais precária e insuficiente que seja, a infraestrutura da periferia melhorou se compararmos com o que era até a década de 1980

Kazuo Nakano, urbanista e professor da Unifesp

Segundo Nakano, a melhora na infraestrutura ao longo dos últimos anos tornou a periferia mais atraente para o mercado imobiliário. “Isso abriu nichos de interesse por parte de investidores e valorizou o preço dos imóveis.”

Raquel Rolnik, da USP, também ressalta a importância do mercado privado na expansão periférica. “Nesta última década, a produção do mercado imobiliário acabou entrando na periferia consolidada. São Mateus e Itaquera viraram espaços de atuação do mercado imobiliário formal.”

O programa Minha Casa, Minha Vida, observa a urbanista, foi outro elemento que impulsionou o preço da terra. “O Minha Casa também foi um dos responsáveis pela explosão dos preços dos terrenos em São Paulo porque gerou uma concorrência enorme pelas terras.”

Terra cara significa aluguel mais alto, o que expulsa os mais pobres para os bairros do extremo do município, a periferia da periferia. “O pessoal vai entrando nesses grupos de ocupação para conseguir morar ainda em São Paulo e não em outros municípios da região metropolitana”, aponta Nakano.

Um problema importante na região é a carência de empregos. De acordo com a Fundação Seade, o extremo leste teve a taxa mais alta de desemprego do município em 2017, com 20,2% --a taxa na cidade toda foi de 17,3%. Em outra pesquisa, a Rede Nossa São Paulo e o Ibope apontaram neste ano que, em toda a zona leste, 53% das pessoas dizem não encontrar trabalho na região.

O UOL enviou questões e pediu entrevistas às secretarias de Habitação e das Prefeituras Regionais do município de São Paulo, mas as pastas só se manifestaram por meio de nota. “A Prefeitura Regional São Mateus monitora em conjunto com as Guardas Civis Metropolitana e Ambiental para coibir novas ocupações em áreas públicas. Em relação aos locais onde há parcelamento irregular em terreno particular, a regional notifica os proprietários e, em caso de crime ambiental, a Secretaria do Verde também é acionada. Além disso, a regional também executa ações de desfazimento (retirada de barracos desocupados ou desmanche de áreas demarcadas para ocupações irregulares) e orienta frequentemente os ocupantes para que se cadastrem na Supervisão de Habitação na Regional São Mateus.”

Em nota enviada na noite de quarta-feira, depois da publicação da reportagem, a Secretaria Municipal de Habitação afirmou “que está aberta ao dialogo permanente com as lideranças dessas ocupações a fim de encontrar uma solução pacifica para atendimento habitacional”. A pasta também informou que “implementou em 2017 o Núcleo de Mediação de Conflitos com o objetivo de mediar a busca por solução negociada de conflitos que envolvam remoção involuntária de famílias predominantemente de baixa renda”. O núcleo, segundo a assessoria da secretaria, monitora 206 ocupações na cidade. Nelas, vivem 46 mil famílias, de acordo com a prefeitura.

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