Nascida em São Paulo, a dona de casa Luciola Nanci Mendes tem 38 anos e quatro filhos. É vizinha de Priscila na ocupação e também mora em uma casa de madeira. Chegou a iniciar o curso universitário de gestão de segurança, trabalhou como vigilante e tem tido dificuldades para trabalhar porque sofre de artrite reumatoide:
"Estava pagando aluguel sem condição nenhuma na Vila Formosa [zona leste]. Eram R$ 780 por mês. E estou devendo R$ 980 de conta de luz. Em determinado momento, disse: 'Cansei, não quero mais viver'. Quatro filhos, [tive uma] profissão, pago imposto, pago luz, pago água, aluguel e nada conquisto, não tenho nada. Caí num estado crítico de depressão.
Você dorme com aluguel atrasado, com luz atrasada, quer dar pão para o seu filho [Luciola fica com a voz embargada] e não tem. Ou mesmo levar num passeio, seu filho ir com sapato estourado para a escola [chora].
É você querer comer uma macarronada e não poder comprar molho de tomate, ter um arroz e comer sem alho e cebola. Não ter uma fruta, não ter bolacha para dar para o filho. Ter arroz ou feijão e não ter mistura.
Passei muitas privações a ponto de não ter produto higiênico para tomar banho e escovar os dentes. E não ter dinheiro para a condução.
E os filhos com vontade de sonhar, de ser veterinária, de ser cabeleireiro. E você falar: 'Não tenho mais força, não tem mais espaço em São Paulo, onde vou morar?'. Cheguei a pensar em morar numa barraca de camping no centro da cidade, mas não seria vida para a minha filha de dez anos.
De repente surgiram as ocupações. Vim visitar meu pai aqui perto e fiquei sabendo do Wendell [Nunes, líder da ocupação no Iguatemi]. Cheguei aqui e contei o meu caso. Ele falou: 'É uma luta, vamos?'. E aqui estamos.
Hoje não pago aluguel, mas não é por isso que vamos morar de graça, porque não estamos invadindo, estamos ocupando espaço para agir certo e ter uma moradia digna. É errado? Somos seres humanos. A gente sabe que tem um dono, mas queremos pagar para o dono e lotear.
O que as pessoas falam de ocupação? Que é mais uma favela. Não. Aqui é um novo bairro. São terrenos de 5 m x 20 m, ruas, vamos ter um parque, estamos pensando em creche e posto de saúde. Os governos não são empáticos, não se põem no nosso lugar. Tem pessoas aqui com 70, 80 anos, que toda a vida pagaram aluguel, pessoas que moravam na rua.
A gente renasceu. Pessoas que estavam mortas espiritualmente, sem vontade de viver e hoje têm prazer de levantar. Aqui você vê crianças brincando, é uma coisa nova, é uma oportunidade de ter dignidade. O ser humano não é digno só quando tem um salário bom, mas quando tem uma moradia.
É o primeiro barraco da minha vida. É de madeira, mas é lindo e gostoso. Tem um quarto e um banheiro. Vamos aumentar a construção. A ocupação é um respiro e, principalmente, uma esperança. Estou no paraíso e daqui não saio.
Somos lutadores. Nas ocupações, tem gente que trabalha, que batalha, que tem filho, que tem problema de saúde, que não pode pagar um plano de saúde e um remédio caro. Meu remédio é de alto custo e não conseguia comprar há quatro anos. Me vi um ano paralítica. Consegui o remédio aqui, me trato e ando. Sei que valeu a pena não ter acabado com a minha vida, valeu a pena cada terra tirada para construir essa casa. Fiz até uma horta aqui.
Tenho uma filha para cuidar. Consegui escola para ela aqui perto. Ela quer ser veterinária. Pagando aluguel, vou poder pagar a faculdade dela? Não, assim como não consegui pagar para os filhos mais velhos [de 20 anos, 18 anos, 16 anos]."