Na guerra do Casino, havia um exército de línguas afiadas, olhos de lince e ouvidos de tisico.
A infantaria da comunicação era a de um império. O Casino havia contratado a maior agência de relações públicas do Brasil naquele tempo, a FSB. A segunda também estava conosco: a CDN. A terceira também: a In Press. No meio disso, incorporou-se também a Néctar, com papel decisivo e fundamental. Havia inúmeros consultores de comunicação. Os melhores disponíveis. Alguns foram contratados apenas a título de retenção: recebiam para não fazer nada, mas ficavam impedidos eticamente de trabalhar contra o Casino.
Era dinheiro de uma empresa privada e não havia a obrigação de apresentar qualquer contraprestação de serviço, se assim o contratante entendesse. Não trabalhar contra, em alguns casos, já era o próprio serviço. O orçamento daquele esforço era parrudo: cobrei minha bandeirada anual, relativamente robusta. Era relevante para mim, mas equivalia a menos de três meses da fatura da maior empresa de comunicação contratada. Ganhava bem, mas não era o item mais caro.
Havia grandes profissionais do ramo no nosso time, ícones como Roberto D’Ávila e Eduardo Oinegue. Eu tinha sido jogado no meio dessa salada de frutas. Fui, aos poucos, sendo mais e mais demandado. Via o evento das crises como um organismo neural, uma rede de sinapses de informação que precisam ser detectadas, processadas e respondidas continuamente. Já era assim que meu chefe no caso via as coisas e acho que ajudei a reforçar essa convicção.
Você vai conhecer aqui um pouco do modus operandi daquele consultor. Por sinal, modus operandi que não estava em nenhum manual. Acho que o de ninguém está, ao menos totalmente. Quando falo modus operandi, talvez fosse mais preciso dizer modo de pensar. Afinal, este livro todo é o meu modus operandi: como me relacionei com os clientes, com a imprensa, com as situações adversas. Mas, aqui, é como se você pudesse entender o processo interno de algumas decisões que tomei.
Certa vez, lá por 2002, utilizei o presidente da República como meu assessor de imprensa. É isso mesmo que você leu.
Um empresário do Paraná havia me procurado naqueles dias por causa do escândalo Lunus, que liquidou a candidatura presidencial da ex-governadora Roseana Sarney. Houve um flagrante e dinheiro foi apreendido num determinado local. A acusação envolvia o grupo político de Roseana e, por tabela, de algum modo, a empresa daquele paranaense.
Marcamos um almoço em São Paulo. Ele me comoveu com a história da morte de uma filha. Sem mais nem porquê, telefonei naquela mesma hora para o presidente Fernando Henrique. Falei com a secretária Fátima e ela, imediatamente, passou a ligação. O empresário na minha frente estava sem entender nada: de onde surgiu esse Mário?
Falei ao presidente do problema. Fernando Henrique estava sendo alvo de insinuações maldosas de ter tramado o flagrante. Disse a ele que, se nos ajudasse, seria mais uma prova de que não tinha nada a ver com aquilo. Dou meu testemunho, apenas agora, do que ele fez.
Pedi que nos recebesse no dia seguinte. Ele abriu um espaço na agenda e atendeu no Palácio da Alvorada. Dá pra imaginar a cabeça daquele médio empresário paranaense (nem lembro o nome dele, enquanto escrevo), vendo uma história improvável como aquela acontecendo? Que consultor era esse?
O presidente generosamente nos recebeu e eu pedi a ele que marcasse uma reunião entre o empresário paranaense e um dos controladores da rede Globo. O escândalo Lunus estava o tempo todo na mídia e o empresário com medo de ser arrastado para algo que não tinha nada a ver com ele.
O presidente ligou na hora e marcou para que fôssemos ainda naquela semana. Fui com o empresário à sala de João Roberto Marinho. Explicamos que a empresa podia ser destruída se houvesse qualquer erro de avaliação jornalística. Ele nos ouviu e ligou para o apresentador do “Jornal Nacional”, Willian Bonner, que nos recebeu ao lado do estúdio, acompanhado de sua esposa, Fátima Bernardes, também apresentadora, na época, do telejornal.
Sei lá por que eu me meti nessa história. Talvez por mera vaidade, talvez para me achar importante, talvez apenas por irresponsabilidade. Talvez, quem sabe, movido pelo genuíno desejo de ajudar um desesperado que me sensibilizou. Talvez por tudo isso junto ou por qualquer outra coisa que descubra no divã. Seja o que for, era problema meu: fazia com meu tempo o que bem entendesse. Aliás, não cobrei nada do cara de cujo nome nem me lembro. Só falei com ele naqueles dias. Nunca mais.
O fato é que situações como essa serviam para que eu fizesse meus experimentos profissionais. Daquele caso ficou a certeza de que o melhor assessor de imprensa pode não ser um jornalista. Pode ser o presidente da República, em determinadas situações. Ou qualquer outro interlocutor. Por isso, quanto maior fosse a minha rede de contatos, melhor seria a minha capacidade de atendimento. Tudo se encaixava num caleidoscópio íntimo e infinito que nem eu mesmo tinha ideia de como manipular.
Pode parecer estranho pra quem não está nesse jogo. Mas as interlocuções com a imprensa, sobretudo em momentos de aflição, podem vir de onde menos se espera. Tanto para cima quanto para baixo.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, certa vez, recebeu um gesto parecido da presidente Dilma. Foi ela quem marcou um encontro dele com o editor da revista “Veja”, Eurípedes Alcântara. Ela tinha um bom diálogo com Eurípedes num certo momento, Renan sabia disso e ela se prontificou a ajudar: marcou uma conversa entre os dois e assim aconteceu. Renan já tinha feito gestos antes e a revista e ele quebraram um pouquinho mais do gelo.
Com o passar do tempo, fui percebendo que estava no epicentro de um território com três vértices: o triângulo da mídia, o da política e o das empresas. E eu ali, bem no meio. Esses três triângulos, sobretudo nas fronteiras, não são tão nítidos. Tem hora que a imprensa tem poder econômico ou político decisivo sobre alguém. Tem horas que a política é que tem poder sobre a mídia e sobre as empresas. Tem horas que as empresas é que são a locomotiva e puxam as composições midiáticas e políticas.
Então, no meio disso, eu tinha informações da política e da economia para os jornalistas. Tinha percepções da imprensa e da política para compartilhar com as empresas. E tinha, por último, algum pulso das empresas e da mídia para apetecer a curiosidade insaciável dos políticos, para compartilhar com eles.
Eu deitava e rolava. Não estava fazendo nada fora da lei.
Podia com isso potencializar minha capacidade de atendimento, baseada, como todas as atividades de comunicação, em informação. Não informações secretas ou sigilosas. Não na base de influenciar legislações ou me meter com liberações de verbas ou pagamentos.
O que me interessava era aquele burburinho rouco dos salões, sussurrado entre ouvidos, sobretudo nas épocas paranoicas das crises. Isso tinha o seu valor, no meu tempo. Um político podia me dar uma informação sobre de onde uma notícia tinha saído. Um empresário podia ser amigo de um jornalista. Um jornalista podia me ajudar a ter um bastidor que tivesse importância para um empresário. Era nessa faixa de Gaza que eu circulava.
Relacionamento pode não resolver tudo, mas também não atrapalha totalmente. Graças aos ensinamentos providenciais do mago Paulo Coelho, cedo percebi a importância do Banco de Favores.
Foi essa instituição que me levou a acudir o senador Eduardo Braga, entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2014. Era meu amigo de muito tempo. Ele estava fadado a perder e o desafio àquela altura era apenas morrer com dignidade, não perder de tanto. Não destruir o capital político dele. Me chamou, eu fui e, como sempre, não recebi nem cobrei nada. Nunca recebi dinheiro de governos ou de políticos. Por opção pessoal. Nada contra. Não é ilegal.
Braga foi um dos três candidatos a governador que pediram ajuda ao consultor de crises naquele ano. O outro foi Renan Filho, que é mais ou menos assim da família, e Fernando Pimentel, de Minas Gerais. Ajudei todos. Fui a esses estados algumas vezes. Como sempre acontece na política, muito ti-ti-ti. O pessoal da província amazônica sapecou uma nota que ficou algumas horas na capa do portal “UOL”:
“Ex-favorito, Braga contrata gestor de crises no Amazonas”.
Nunca houve contrato nenhum. Mas o cara da “crise” desembarcando numa campanha era realmente um ótimo mau agouro a ser explorado pelos adversários. A mídia manauara me concedeu certa fama efêmera -- para atingir o candidato Braga, é claro. Disse um portal:
“Ao contratar uma pessoa com esse perfil, Braga admitiu que sua campanha está em crise”.
Já estava acostumado com esse jogo de ter sido “contratado” através da mídia, quando na verdade estava exercitando meu modus operandi de me divertir, aprender e ampliar minha rede de contatos. Foi assim em Minas, foi assim em Alagoas, foi assim também no Paraná, quando ajudei o governador Richa em meio à crise com os professores. "No pacote de soluções, o governador Beto Richa contratou a peso de ouro o jornalista Mário Rosa", dizia um site paranaense. Uma coluna, na “Gazeta do Povo”, também anotou: “Na noite de quarta-feira e, segundo boas fontes, fechou contrato”. E mais outro: “RIcha contrata consultor de escândalos”.
Sinceramente, eu não ligava pra essas coisas, por mais que não fossem exatas. O fato é que o acesso a políticos e a empresas de primeira linha reforçava também meu acesso a jornalistas de primeira linha. E vice-versa. Era esse o jogo.
O primeiro alicerce de meu modus operandi eu consolidei ao ler um livro de autoajuda. Sim, autoajuda, sim, por menos chique que isso seja. Um amigo, Alexej, me deu um exemplar de “How to Be a Successful Consutant” (Como ser um consultor de sucesso) quando eu estava engatinhando na atividade. O livro é de um consultor americano especializado em shopping centers. Nada a ver, mas exatamente por isso me chamou a atenção. Ele enumerava vários dilemas e desafios que eu, recém-lançado consultor de crises, já pressentia abaixo da linha do Equador. Um dos ensinamentos eu adotei na hora e nunca mais me esqueci dele:
“Antes de assinar o contrato, diga só o que vai fazer. Somente depois é que diga como”.
O “como” dessa profissão foi surgindo aos poucos, com base nas experiências, no que vivi, no que deu certo ou não. Essencialmente, eu acreditava que tudo se conectava no infinito e que, portanto, nada era em vão. No caso dos políticos, atendê-los e não cobrar deles me dava um diferencial e ainda permitia que, ao me conhecerem de outros Carnavais, quando os consultasse sobre alguma avaliação estratégica que dissesse respeito aos meus clientes, eles saberiam que não era um mercenário que estava ali se aproveitando da situação. Sobretudo quando uma empresa está sob intenso tiroteio, estabelecer interlocutores confiáveis que nos permitam minimamente saber (ou imaginar saber) para onde estão indo as coisas, isso não era pouco.
Crises são uma epidemia de boatos. Boatos que, na maioria das vezes, não viram noticia, mas que infestam o ambiente das redações e dos bastidores. Treinamos esses mecanismos de checagem e rechecagem de boatos, ao limite da exaustão, no caso Casino. Cada lado tinha sua artilharia e seus radares.
Do lado de Abílio, estava uma competentíssima profissional do ramo, Maristella Maffei, dona da Máquina da Noticia. O consultor Marcelo Onaga também estava lá, assim como Gustavo Krieger, que havia sido assessor de imprensa de Michel Temer na presidência da Câmara dos Deputados e depois se tornaria a principal face midiática do candidato a presidente Aécio Neves, em 2014. Todos tinham suas conexões.
No caso do Casino, dada a paranoia permanente com espionagem e a necessidade de aumentar nossa capacidade de acesso a jornalistas, fui eu que sugeri em dado momento que contratássemos a empresa da jornalista Carolina Oliveira. Já estava havia um ano trabalhando com os franceses e, sinceramente, não tinha muita paciência de ficar nessa moagem dos contatos com repórteres o tempo todo. Ela acabara de sair de uma assessoria na área econômica do governo, tinha uma alentada agenda de contatos com os principais colunistas do setor e me parecia discreta.
Ela foi avaliada por meus chefes e sua contratação consentida. Abriguei-a num aditivo de meu contrato, tudo devidamente registrado oficialmente. O fato de morar em Brasília facilitava muito nosso contato pessoal, condição de segurança fundamental requerida naquele contexto carregado de desconfianças. Ela disseminou e checou muitas notícias naquela batalha midiática. Plantava e colhia, como também faziam os do outro lado.
Muito tempo depois, quando aquela guerra já chegara ao fim, aquela relação profissional e privada foi colocada sob uma perspectiva que nunca existiu. Houve o preço de um desgaste pessoal. Viveria uma pequena polêmica que jamais imaginara, da qual retirei inúmeros ensinamentos, dos quais o estímulo de expor estas memórias profissionais é a parte mais visível.
Normalmente, atuava em contato com diversas áreas. Na questão da imprensa, especificamente, sempre com as empresas de relações públicas que já estavam atuando e, muitas vezes, chamando eu mesmo outros profissionais para me darem apoio. Foi assim que sugeri, e foi criada, a diretoria de comunicação da holding da Camargo. Indiquei Marcello D’Angelo para a nova função O mesmo eu fiz na empresa aérea Gol. Hélio Muniz ficou com o lugar. Atuei também como uma espécie de headhunter e participei da indicação e da escolha dos titulares. Indiquei vários profissionais e empresas ou subcontratei em certas ocasiões. O próprio Marcelo Onaga, que depois trabalhou com Abílio Diniz, eu havia indicado antes para dirigir a comunicação do banco BVA. Fazia parte do meu papel.
Numa crise, uma das formas mais complexas de agir é simplesmente não agir. Ficar em silêncio é uma forma de não agir, de reduzir a eletricidade do assunto, através da passividade ou da ausência de resposta. Não agir é diferente da inação. É uma decisão premeditada de que a melhor coisa a fazer é não fazer nada.
Quando alguém poderoso ou alguma organização poderosa fala, o assunto fica mais importante unicamente porque a fala confere relevância ao tema. Às vezes, falar ajuda a exterminar o assunto. Noutras, aumenta sua combustão. Então, não falar é uma forma extrema de tentar não contribuir para um destaque inconveniente de um questionamento.
Uma vez, uma empresa que estava para lançar ações na Bolsa de Valores me contratou unicamente para evitar marolas de mídia, como se eu pudesse fazer isso. Mas eu estava atento a tudo o que envolvesse a empresa. Qualquer ruído, em minhas constantes rondas com jornalistas de diversas áreas, o alarme iria tocar. Não foi o caso e a operação, com o tempo, nem foi realizada.
Como sempre fui pornográfico comigo mesmo e politicamente incorretíssimo nas minhas metáforas, em algumas situações de crise em que defendia ficarmos parados, eu usava uma imagem chula. Peço humildemente que retirem crianças e idosos da sala. Peço desculpas aos leitores que não querem cruzar com palavreado chulo, mas era assim que eu tratava as coisas, muitas vezes em ambientes sóbrios e sob olhares austeros, pouco acostumados a essas barbaridades verbais. Em nome da fidelidade aos fatos, foi assim que disse:
“Quando alguém enfia uma trolha em você, não se mexa. Se mexer, você faz o jogo do adversário. Ele chega ao orgasmo”.
O consultor de imagens tinha uma embalagem, no seu auge. Primeiro, nunca usava terno. Nem meia. Sempre camiseta preta e calças casuais. Era para ficar claro, claríssimo, indubitável, que eu não era dali. Tava só de passagem. Era um estrangeiro. Não iria, portanto, me submeter às normas silenciosas do poder. Sempre respeitei as hierarquias e fui leal às causas que defendi, mas sempre também destoei do comportamento corporativo tradicional, se entendesse ser o caso. Fazia isso pela palavra, mas também pela roupa. Acho que era o meu papel ser percebido assim.
Uma das coisas que vi acontecer muitas vezes, nos contextos de crise, é a tentação de contratar um consultor como se fosse um daqueles barquinhos que lavam oferenda para Iemanjá. É muito comum na Bahia: na virada do ano, os devotos colocam agrados num barquinho e o lançam às aguas para obter as graças da deusa dos mares. Algumas vezes, achavam que eu era esse barquinho: era como se minha contratação fosse uma espécie de penitência, uma oferenda para que os deuses da mídia fossem de alguma forma reverenciados e que deixassem aquelas pessoas em paz.
Sempre que percebi esse tipo de atitude, fielmente eu o mencionei. Nesses casos, não aceitava o trabalho, por não me achar necessário ou útil. Em geral, as pessoas depois agradeciam por não ter explorado um momento de fragilidade delas. Para o consultor, essa boa fama junto aos clientes contava.
Tive casos em que minha “produção” documental, em termos de textos e discursos, era vistosa. No caso do Casino e da Marfrig, tinha centenas de mensagens trocadas e recebidas, sobre as questões de comunicação do dia.
Mas havia casos, como o de Léo Pinheiro, dono da construtora OAS, em que o melhor atendimento era o mais discreto e pessoal. Léo era a única pessoa com quem lidava na empresa, além de eventualmente o diretor jurídico. Era um atendimento muito especial. Não produzia documentos, quase não nos falávamos ao telefone, quase não trocávamos mensagens. Ele era uma pessoa do olho no olho. Sabia que seus passos eram ou poderiam ser monitorados. Estive com ele no máximo 20 vezes nesse período. Ele acabaria sendo preso durante nosso contrato, com os desdobramentos da Operação Lava Jato. Honraram meu contrato integralmente, mesmo com a empresa passando por sérias dificuldades. Sempre tive um grande orgulho de tê-lo servido.
No caso do escândalo da FIFA, em 2015, também troquei pouquíssimas mensagens com os condutores da CBF. Tive muitos, muitos, contatos pessoais, conversas a dois ou, no máximo, a quatro com o presidente da entidade. Com o FBI zanzando por aí, embora não conversássemos nada fora dos protocolos, todo o cuidado era pouco. Desses tempos, lembro-me de poucos atendimentos tradicionais, vamos dizer assim: o treinamento prévio de Marco Polo Del Nero antes de seu depoimento à CPI do Futebol no Senado, assim como o mesmo procedimento ao seu substituto, o coronel Nunes.
Em seu modus operandi, o consultor de crises sempre acreditou que conhecer pessoas e ser conhecido por elas poderia ser um ativo mais valioso do que apenas celebrar contratos. O critério era o do aleatório: recebia ou se encontrava com todos que recorriam a ele, fosse um ex-deputado estadual do Pará, fossem ministros ou presidentes, fossem empresários ou líderes setoriais, fosse um vice-prefeito de uma cidade do interior do Rio, como Itaguaí. Tinha alma de enfermeiro.
E foi assim que um dia o vice-prefeito daquela cidade apareceu lá em casa. O titular estava para ser cassado e ele precisava de um apoio de imprensa. Havia muitas acusações contra o então prefeito (“o prefeito da Ferrari”) e a repercussão do caso na mídia poderia impactar o processo político junto aos vereadores.
Não fazia a menor ideia de como ajudar. Ofereci alguns conselhos e indiquei um amigo jornalista, o competente, querido e leal Bob Machado, para que o auxiliasse. Não cobrei nada, seguindo os meus preceitos. O caso ganhou algum espaço na mídia carioca. No final, o vice assumiu.
Os problemas não têm necessariamente o tamanho que têm, mas aquele que atribuem a eles. Sempre procurei ser solidário. As pessoas que recorriam ao consultor de crises, com suas angústias, mereciam respeito. Era o caso do dono de um dos melhores hotéis do Brasil naqueles tempos, o Emiliano, onde sempre me hospedava. Certa ocasião, Carlos Alberto me fez uma consulta sobre um tema que despertava nele algum desconforto. É que o chef italiano de seu renomado restaurante, também do hotel, havia decidido sair e ele contratara outro, com a missão de mudar o cardápio. Ele imaginava que isso poderia suscitar alguma indigesta polêmica junto ao restrito microcosmo dos críticos de gastronomia.
Dependendo da excelência de um profissional ou de um segmento, uma simples questão como essa poderia gerar o receio de um questionamento. Por menor que fosse, por menos que você ache que aquilo era um problema, para aquele ser humano era. Carlos Alberto sempre conduziu seu estabelecimento com absoluto rigor e busca de altíssimo padrão. Eu o tranquilizei e disse que não, não, aquilo não tinha nenhum potencial devastador. A troca do chef do restaurante renomado nunca se transformou em um tema. A preocupação traduzia, antes de tudo, o enorme zelo do proprietário, meu amigo, com tudo o que dissesse respeito à sua marca. Esse era um dos segredos, inclusive, do sucesso merecido que alcançara. Eu iria cobrar por aquele aconselhamento? Como? Iria pedir um desconto no couvert?
O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, um dia me recebeu em seu gabinete, na sede de contornos piramidais na avenida Paulista, centro financeiro de São Paulo. Papo vai, papo vem, ele me pergunta como poderíamos ter uma “relação profissional”. Disse que apenas ter aceso a ele já era um privilégio e que contasse comigo, sem necessidade nenhuma de pagamentos. Ele estranhou e me pediu uma proposta de honorários. Soltei uma cifra que o surpreendeu:
- Três mil reais.
- Três mil reais?
- Se o senhor achou muito caro, pode ser a metade.
Ele riu e a conversa agradável fluiu por ainda uma hora. Achava realmente um privilégio aquele acesso. Mais importante do que a materialização financeira que pudesse advir dele. Skaf não estava passando por nenhuma crise. Logo, eu não considerava necessário aquele vinculo. Os pacientes me escolhiam, mas eu os escolhia também. Quando achava que não havia por que me contratar, sempre declinei ou ajudei a pessoa a perceber. Achava que isso só me diferenciava dos demais.
Achava que, se fosse efetivado sem necessidade, com o passar dos meses, o cliente talvez não ficasse satisfeito. E, se isso acontecesse, não queria tê-lo como um propagandista frustrado de ter contratado o consultor. Não queria, seguindo aquela frase de uma palestra distante de um de meus mentores, me transformar numa commodity.
Fazia isso o tempo todo. Certa vez, o poderoso controlador da siderúrgica CSN, Benjamim Steinbruch, também me chamou para um encontro. Também sondou a possibilidade de uma “relação” profissional. Achava que ele não precisava de meus serviços. E fui conduzindo a conversa até ele se dar conta disso também. Ele não precisava de mim para reverenciar Iemanjá.
Acesso a jornalistas depende de diversos fatores. Ser alguém que “circula” é um deles. Dá poder não de derrubar matérias inconvenientes, mas de estabelecer relacionamentos perenes que, nas crises, são testados no seu limite máximo. Ter esse ativo valoriza consultores na hora de serem cogitados para assessorar empresas em momentos delicados. Mas esses dois tripés também têm valor para a terceira variável dessa equação: políticos estão sempre ávidos de saber nuances de fonte confiável sobre a crise da vez.
Meu modus operandi era composto de uma articulação sólida com braços de comunicação de primeira linha, que me transmitiam impulsos que buscava checar e traduzir para que pudéssemos adotar, a cada momento, a melhor posição. Era um quebra-cabeça de inúmeros encaixes. Sempre que pude, tentei ampliar o espectro de peças para colocá-las à disposição dos clientes, nas crises de que participei
Era assim, com essas múltiplas variáveis subjetivas, intempestivas e casuais, que funcionava o modus operandi do consultor de crises.