Em uma noite de terça-feira, das quase três horas de culto religioso na sede da Assembleia de Deus -- Ministério de Madureira, no Brás, zona leste de São Paulo --, uma hora e meia foi dedicada às eleições. Desde o momento em que subiu ao palco e pegou o microfone para falar, a partir da metade final do encontro religioso, o bispo Samuel Ferreira não tocou em outro assunto que não fosse o voto no mês de outubro.
"A lei me impede de dizer claramente o que eu tenho de dizer, mas não podem nos calar, vamos orar", afirmou o bispo. "Ando muito preocupado, não durmo direito de noite. Não podemos virar a cabeça para o outro lado e fingir que não estamos vendo nada. Não podemos ficar quietos."
O que está acontecendo hoje no Brasil é muito grave. Temos um momento muito importante agora, que são as eleições. Tem muita coisa em jogo."
Bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus
Antes de apresentar os dois candidatos oficiais da igreja -- o candidato a deputado federal Cezar de Madureira (PSD) e o candidato a deputado estadual Alex de Madureira (PSD) --, pedir votos para os dois e rezar com eles no meio de uma ciranda de pastores, no palco do culto, Ferreira dedicou longo tempo de seu sermão a reflexões sobre as eleições presidenciais e pautas caras à Assembleia de Deus.
Sem citar nomes, torpedeou candidatos ao Palácio do Planalto. "Tem candidato por aí que se diz evangélico, mas disse que vai propor plebiscito para decidir casamento gay... plebiscito para decidir aborto", disse Ferreira, balançando a cabeça em desaprovação. "Quer dizer, está fazendo como Pilatos, que lavou as mãos. E quando Pilatos lavou as mãos, deu no que deu", acrescentou, em alusão a comentários feitos pela presidenciável Marina Silva (Rede).
"Tem outro candidato por aí que está prometendo liberar arma para todo mundo. Não sei, não sei... Lá, nos Estados Unidos, um maluco subiu em um quarto de hotel em Las Vegas com mais de 40 armas em uma sacola e abriu fogo lá de cima contra as pessoas que estavam lá embaixo, vendo um show. É isso que queremos por aqui?", questionou o bispo em alusão a propostas do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL).
"O líder nas pesquisas para o Senado simplesmente é contra tudo o que acreditamos", disse Ferreira em outro momento, em alusão ao petista Eduardo Suplicy. "Outro candidato não foi na Marcha para Jesus a uns anos atrás, mas foi na Parada Gay, quer dizer, escolheu lado, né", disparou o bispo, em uma truncada referência ao presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB), que, quando era governador de São Paulo, não participou do evento evangélico, mas foi à parada, em 2016.
A isso seguiu-se uma longa conversa sobre a injusta prisão do apóstolo Pedro, de acordo com a história contada na Bíblia. Confusos, alguns fiéis responderam com "Viva Bolsonaro!", outros (menos numerosos) com "Lula livre!"
Em 2014, a ex-presidente Dilma Rousseff participou de um culto no palco junto com o bispo Ferreira, de quem recebeu o apoio naquelas eleições.
Ferreira não deixou de lado temas caros à igreja, e pregou contra candidatos que defendem o aborto, o casamento homossexual e a liberação das drogas. Disse também que a igreja não pode perder os representantes que já tem, já que estariam para conseguir a tão sonhada concessão de rádio e TV do governo federal e, sem os políticos, o objetivo não seria atingido.
Cezinha de Madureira é deputado estadual desde 2014, quando se elegeu para seu primeiro mandato pelo DEM. Já Alex de Madureira é um dos braços-direitos de Samuel Ferreira e tenta seu primeiro mandato como deputado estadual.
Na saída do "culto-comício", os fiéis ganhavam na porta do templo santinhos eleitorais que traziam a imagem do líder da igreja junto dos dois candidatos, com a frase "bispo Samuel Ferreira vota" embaixo, acompanhada dos nomes e números dos pastores. No verso, o santinho ainda trazia uma "cola" para a urna eletrônica, com recomendação de voto em Mara Gabrilli e Tripoli para senadores, João Dória para governador e Geraldo Alckmin para presidente, todos do PSDB, partido com o qual o PSD, dos pastores, se coligou.
Procurados pela reportagem, por meio de suas assessorias de imprensa, os candidatos Cezinha e Alex de Madureira e a Assembleia de Deus não responderam. Em artigo escrito para o site "Consultor Jurídico" em 2016, Cezinha defendeu a campanha eleitoral dentro de igrejas.