Adeus aos bolivarianos?

Na política externa, Bolsonaro lidará com crise na Venezuela, EUA, Israel e imigração

Beatriz Montesanti, Wanderley Preite Sobrinho e Tania Valeria Gomes Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo
Arte/UOL

Maior economia da América Latina. Mais de 15 mil km de fronteira com 10 dos 12 países da América do Sul. Primeira nação a discursar nas Assembleias Gerais da ONU (Organizações das Nações Unidas).

Muitas são as credenciais que atestam que o Brasil que Jair Bolsonaro (PSL) governa a partir de 1º de janeiro de 2019 é um ator de peso global --e são grandes os desafios e as responsabilidades que esse papel impõe ao futuro presidente.

Mas pouco se sabe sobre as intenções da gestão Bolsonaro para a política externa, uma vez que o assunto foi mal explorado durante a campanha eleitoral.

Nas parcas declarações registradas sobre o tema, destacaram-se as críticas a organismos internacionais. Em agosto, o capitão reformado falou que retiraria o Brasil da ONU, mas recuou. Na reta final, sua equipe disse que a OEA (Organização dos Estados Americanos) tinha "zero credibilidade"

Na única página que dedicou em seu programa de governo às relações internacionais, o então candidato elencou cinco pontos que norteariam a atuação do que chamou de "novo Itamaraty":

  • Criar um Ministério das Relações Exteriores (MRE) de acordo com "os valores associados ao povo brasileiro";
  • "Deixar de louvar ditaduras assassinas enquanto se despreza ou mesmo se atacam democracias importantes como EUA, Israel e Itália";
  • Aprofundar a integração com "irmãos latino-americanos";
  • Dar ênfase às "relações bilaterais";
  • Se aproximar de países que "foram preteridos por razões ideológicas”.

"A agenda de política externa esteve muito ausente na campanha e vai continuar tendo pouca visibilidade", afirma Mônica Hirst, professora aposentada de política internacional da Universidade Nacional de Quilmes, na Argentina. 

Tentamos contato com a assessoria da campanha de Jair Bolsonaro para pedir informações sobre as relações exteriores do novo governo, mas não tivemos resposta. Para entender os principais desafios da área, o UOL elencou pontos-chave e ouviu especialistas sobre eles.

Repercussão

Ariana Cubillos/AP Ariana Cubillos/AP

Venezuela

O país vizinho virou mote da campanha de Bolsonaro no rádio e TV, que falava sobre um suposto risco de "venezuelização do Brasil" em caso de vitória do petista Fernando Haddad (PT). 

A Venezuela foi citada pelo então candidato assim que ele deixou a cabine de votação no primeiro turno.

"Não queremos, amanhã, ser o que a Venezuela é hoje", afirmou em entrevista. A declaração mais polêmica partiu de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL). Em 30 de setembro, diante de multidão na avenida Paulista, ele ameaçou o presidente venezuelano.

"O [Nicolás] Maduro não vai vir para a posse do Brasil no dia 1º. E o general Mourão já falou: a próxima operação de paz do Brasil será na Venezuela. O melhor para a crise imigratória que nós vivemos é a saída de Maduro do poder. Enquanto o povo passa fome, ele come carne nos melhores restaurantes do mundo. A gente vai dar uma lição nesse narcoditador", disse Eduardo na ocasião.

Desde que Temer assumiu o poder, o Brasil engrossou o coro de países críticos ao governo venezuelano. As relações diplomáticas entre Brasil e Venezuela foram suspensas em dezembro de 2017, e o Brasil se juntou a um grupo de 14 nações das Américas que não reconhecem a vitória de Maduro nas urnas em maioO herdeiro chavista tampouco vê legitimidade no governo Temer e classifica o impeachment de Dilma Rousseff de golpe.

Apesar da retórica bélica, para a professora Hirst, é pouco provável uma ação militar brasileira no país vizinho. "O Brasil sempre será muito cauto e prudente no relacionamento intermilitar. Militar respeita militar na América Latina." Em 1999, Bolsonaro havia elogiado Chávez.

Mas Hirst vê a possibilidade de retaliações econômicas. "Hoje em dia, esse tipo de sanção prejudicaria pouco os interesses econômicos brasileiros. O petróleo venezuelano não é importante em nossas importações, e o mercado do país para nossos produtos é irrelevante em vista da crise econômica lá", argumenta a professora.

A medida inauguraria um novo capítulo em nossas relações exteriores, uma vez que o Brasil não tem tradição de aplicar sanções econômicas unilaterais.

Após o anúncio da vitória de Bolsonaro, Maduro pediu para que o Brasil retome as "relações diplomáticas de respeito" entre os dois países. "O Governo Bolivariano aproveita a ocasião para exortar ao novo presidente eleito do Brasil para retomar, como países vizinhos, o caminho das relações diplomáticas de respeito, harmonia, progresso e integração regional, pelo bem-estar de nossos povos", escreveu Maduro em comunicado divulgado no Twitter pelo chanceler da Venezuela, Jorge Arreaza. Na nota, Maduro parabeniza "o povo" do Brasil "por ocasião da realização cívica" do segundo turno do pleito presidencial. 

Bolsonaro e o mundo

Analia Garelli/Xinhua Analia Garelli/Xinhua

Mercosul e América Latina

O programa de governo do PSL fala em "aprofundar a integração com irmãos latino-americanos" e priorizar laços bilaterais em vez de blocos econômicos. Bolsonaro também falou em "dar a devida estatura" ao Mercosul.

Devido ao esperado realinhamento ideológico, Hirst diz que o Brasil pode adiar a entrada da Bolívia, governada pelo presidente de esquerda Evo Morales, na organização. E a Venezuela, suspensa do bloco desde agosto de 2017, deverá ser definitivamente vetada. 

O acordo comercial entre Mercosul e a Europa, em negociação há duas décadas, também está em xeque. Maior investidora do bloco sul-americano, "a União Europeia vai ser a primeira a questionar se houver uma onda de violações aos direitos humanos e controle da livre expressão da sociedade”, avalia Hirst.

Ao mesmo tempo que endurecerá contra governos de esquerda no continente, Bolsonaro poderá revisitar o passado e elogiar ditaduras latino-americanas de décadas atrás --assim como fez com a brasileira.

"Pode haver um certo espelhamento no Chile, na Argentina e no Uruguai, onde existem segmentos e atores do passado que podem se sentir fortalecidos no discurso de violação aos direitos humanos relacionados ao período militar", diz.

Bolsonaro já fez um gesto de aproximação com o presidente argentino, Maurício Macri, em 16 de outubro. De iniciativa própria, a Presidência argentina divulgou um comunicado dizendo que Bolsonaro e Macri mantiveram uma "conversa cordial no marco do processo eleitoral do Brasil".

No dia seguinte, o então candidato recebeu em casa, no Rio, senadores chilenos da UDI (União Democrata Independente), partido da base do presidente conservador Sebastián Piñera. A legenda é conhecida no Chile por ter defendido a ditadura de Augusto Pinochet entre 1973 e 1990, quando aproximadamente 3.200 pessoas morreram ou desapareceram.

"Um abraço especial para Piñera. O admiro desde seu primeiro mandato (2010-2014), quando o conheci, e sei que juntos, no bilateralismo e com acordos, temos tudo para trazer progresso e felicidade para nossos povos", disse Bolsonaro na ocasião. "Quero um Brasil grande e um Chile grande."

Outra mudança deve ocorrer no âmbito do programa Mais Médicos. Bolsonaro diz que romperá o acordo com o governo de Cuba, que retém cerca de 26% dos R$ 11.520 pagos aos profissionais. Os médicos cubanos recebem apenas cerca de R$ 3 mil. 

“Nossos irmãos cubanos serão libertados”, diz o documento apresentando ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). “Suas famílias poderão imigrar para o Brasil. Caso sejam aprovados no Revalida [exame para a validação de diplomas médicos emitidos no exterior], receberão integralmente o valor que lhes é roubado pelos ditadores de Cuba!”

A medida pode fazer Cuba interromper o envio de profissionais, o que traria impacto na alocação de médicos em áreas do país onde faltam médicos. 

Após a confirmação da vitória, Bolsonaro recebeu felicitações do presidente da Argentina, Maurício Macri, que defendeu a continuidade do trabalho entre as duas nações. Sebastian Piñera, presidente chileno, convidou Bolsonaro para ir ao Chile. Empossado recentemente, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, parabenizou o povo brasileiro e o candidato eleito pelas eleições de hoje. Enrique Peña Nieto, presidente do México que deixará o cargo em dezembro, elogiou o processo eleitoral que culminou na vitória de Bolsonaro.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, saudou "o povo irmão do Brasil por sua participação democrática no segundo turno das eleições" e disse "reconhecer" a vitória de Bolsonaro. "Bolívia e Brasil são povos irmãos com laços profundos de integração", acrescentou.

Goh Chai Hin/AFP Goh Chai Hin/AFP

China e Brics

A China não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil

A frase de Bolsonaro em entrevista à Band preocupou parte do empresariado brasileiro: a China é o principal parceiro comercial do país, e o comércio sino-brasileiro foi de US$ 75 bilhões (R$ 270 bilhões) no ano passado.

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Além disso, no programa de governo, Bolsonaro mencionou quatro vezes Taiwan --região que, para o governo chinês, não é independente. Em visita pela Ásia, Bolsonaro foi à ilha de aspirações independentistas, mas não pisou no território governado pelo Partido Comunista.

A aproximação com Taiwan incomodou Pequim:

Os tropeços de Bolsonaro com o gigante asiático gerou movimentações lá e cá. O CEO da mineradora Vale, Fabio Schvartsman, defendeu a parceria e disse que uma possível disputa entre os dois países seria ruim. A China é o principal cliente do minério de ferro da Vale, uma das maiores exportadoras do Brasil. 

Em um aceno para o mercado, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM), cotado para a Casa Civil de Bolsonaro, disse que o Brasil quer manter as boas relações com a China. "A gente tem que comercializar com o mundo, e o que importa é gerar emprego e renda", afirmou.

Para o conselheiro do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), embaixador José Alfredo Graça Lima, o estrago pode ser contido, pois não se tratou de uma visita de Estado. A história será diferente se Bolsonaro viajar a Taiwan como presidente.

Haverá oportunidade de aproximação já em 2019, quando o Brasil assume a presidência do Brics, o grupo de cooperação formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Embora em seu plano de governo Bolsonaro tenha destacado a "ênfase nas relações e acordos bilaterais", a formação não pode ser desprezada. Os países que compõem o Brics representam mais de 40% da população mundial, e a participação na economia mundial passou de 12% para 23% na última década.

O embaixador Graça Lima recomenda esforços para manter os avanços obtidos desde a criação do grupo, em 2006, por exemplo, a criação do Novo Banco de Desenvolvimento, em 2014. A instituição tem por objetivo financiar projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável. Na cúpula deste ano, realizada em julho, na África do Sul, foi fechado um acordo para instalar uma representação do banco em São Paulo.

A China parabenizou Bolsonaro por sua vitória nas eleições presidenciais do Brasil, e garantiu que seguirá trabalhando com o novo governo para aprofundar suas relações bilaterais e multilaterais. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, LuKang, disse que a intenção de Pequim é continuar trabalhando para melhorar a cooperação com o Brasil, em especial em organizações internacionais como o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Além disso, o porta-voz chinês lembrou a importante relação bilateral que une Brasil e China, já que o gigante asiático é o maior parceiro estratégico para o Brasil e sua maior fonte de investimento. Ao ser perguntado pelos jornalistas pela aproximação em relação a Taiwan mostrada por Bolsonaro durante a campanha, o porta-voz se limitou a lembrar que as relações da China com qualquer país do mundo se baseiam no princípio de "uma única China", que considera Taiwan como parte de seu território. "A China está disposta a seguir o princípio do respeito mútuo e trabalhar com o Brasil para avançar em nossa associação estratégica", acrescentou o porta-voz.

Jonathan Ernst/Reuters Jonathan Ernst/Reuters

Relação com EUA e Japão

Deixaremos de louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália

trecho de programa de governo de Bolsonaro. O futuro presidente também já falou com entusiasmo sobre relações com Japão e Coreia do Sul.

O embaixador Graça Lima diz, no entanto, que abrir novas frentes de relacionamento exigiria tempo e dinheiro, ou sacrificar a interação com parceiros históricos, como países do Mercosul. 

Diante do cenário conturbado que deverá caracterizar o primeiro momento do governo, em um país e um congresso polarizados, Graça Lima afirma que não haverá espaço para essa movimentação. “Você não é um ator externo se você não está atendendo as suas necessidades [internas]”, diz o embaixador.

Sobre uma aproximação com os EUA, desejo que Bolsonaro já manifestou algumas vezes, o embaixador diz que tudo vai depender do entendimento entre os presidentes. “Existe um comércio vigoroso. O estoque de investimentos dos EUA no Brasil é alto, mas tem sempre como melhorar, tudo vai depender da 'química' entre os dirigentes.”

Trump ligou para o presidente eleito ainda na noite de domingo para parabenizá-lo pela vitória. Segundo a Casa Branca, ambos concordaram em "trabalhar lado a lado para melhorar as vidas das populações dos Estados Unidos e do Brasil e, como líderes regionais, das Américas".

A admiração de Bolsonaro pelo presidente americano é pública. "Trump é um exemplo para mim. Sei da distância que nos separa, mas pretendo me aproximar dele, para o bem do Brasil e dos Estados Unidos", afirmou Bolsonaro em viagem ao país em 2017.

No entanto, Graça Lima alerta para o temperamento imprevisível do presidente americano, que já mencionou o Brasil como um país devedor. "O Brasil não tem acordo com os EUA, pode vir a ter, mas a parte doméstica deve ser trabalhada”, disse.

Para se aproximar dos norte-americanos, o Brasil terá de resolver problemas internos e construir uma imagem de segurança e estabilidade. 

Sobre o Japão, Bolsonaro elogiou a estratégia educacional do país em seu plano de governo. Ele diz querer trazer iniciativas japonesas para nossas universidades, de modo a "gerar avanços técnicos para o Brasil, buscando formas de elevar a produtividade, a riqueza e o bem-estar da população". 

Bolsonaro também cita centros tecnológicos não só dos EUA e Japão, mas também de Coreia do Sul, Israel e Taiwan, como fonte de inspiração.

Li Muzi/Xinhua Li Muzi/Xinhua

ONU e Conselho de Segurança

"Se for presidente, saio da ONU. Não serve para nada essa instituição", disse Bolsonaro no início da campanha.

Diante da polêmica criada, Bolsonaro se retratou e disse ter cometido um ato falho. Ele disse que se referia ao Conselho de Direitos Humanos, instância da qual os EUA, sob Trump, se retiraram neste ano.

"Se a política externa for feita por analogia à política externa norte-americana, é provável que isso venha a acontecer. A dúvida é saber até que ponto o mimetismo irá prevalecer. Se sim, a imagem do Brasil de promotor do multilateralismo será alterada radicalmente", avalia Amâncio Jorge de Oliveira, do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo).

O governo de Trump diz que o Conselho de Direitos Humanos toma decisões "enviesadas", sobretudo em assuntos que envolvam Israel, aliado histórico dos norte-americanos e um dos países com os quais Bolsonaro quer estreitar relações.

"Não é apenas porque [o Conselho de Direitos Humanos] vota contra Israel de forma corriqueira, é porque está sempre do lado de quem não presta", afirmou o presidente eleito durante a campanha.

Em agosto, essa instância da ONU pediu que o Brasil garantisse direitos políticos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na prisão, defendendo que ele deveria disputar a eleição presidencial até que todos os recursos de sua condenação fossem esgotados.

Apesar das ressalvas em relação ao Conselho de Direitos Humanos, o Brasil deve continuar pleiteando assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, que hoje tem vagas permanentes ocupadas por China, EUA, Reino Unido, França e Rússia.

A demanda é antiga e, segundo Oliveira, deve interessar o capitão da reserva. “A segurança internacional está no rol do que se considera a alta política e pode despertar o interesse do novo governo.”

O Brasil integra o G4, grupo do qual também fazem parte Alemanha, Índia e Japão, que defende uma reforma do Conselho de Segurança, criado em 1946, após a Segunda Guerra.

Por outro lado, mesmo que uma reforma seja promovida, é pouco provável que o Brasil esteja no topo da lista de países cotados para as cadeiras, que dão poder de veto em decisões sobre segurança internacional.

"Se o critério for absorver países com poder nuclear, Índia e Israel estariam na frente. Se o critério for a capacidade de poder moderador, e não bélico, uma série de outros países teriam precedência", diz Oliveira.

O embaixador Graça Lima lembra que a demanda foi destaque durante o governo Lula, o que não foi bem visto por alguns analistas.

“Algumas pessoas acreditam que todas as ações de política externa daquela época giravam em torno do que poderia ser qualificada como uma obsessão”, ele conta. A estratégia do governo petista não deu resultado, e Graça Lima avalia que a demanda tornou a política externa brasileira "muito gastadora", pois precisava dar visibilidade ao país e torná-lo relevante no cenário internacional.

O Brasil já fez parte do Conselho como membro rotativo, em diversas oportunidades. Esses assentos têm mandato de dois anos e não dão direito a veto. Das dez cadeiras disponíveis, América Latina e Caribe têm direito a duas.

Eduardo Anizelli/ Folhapress Eduardo Anizelli/ Folhapress

Imigração

O novo governo já expressou intenção de restringir a chegada de imigrantes ao país. Nos últimos anos, o Brasil recebeu haitianos, sírios e, recentemente, venezuelanos. Ainda assim, é muito maior o número de brasileiros no exterior, do que de estrangeiros aqui, e o Brasil figura entre os países, proporcionalmente, com menor presença de imigrantes.

Com o aumento da entrada de venezuelanos em Roraima, o governo do estado pediu em algumas ocasiões que o governo federal fechasse a fronteira --medida refutada por Michel Temer. Sobre a questão, Bolsonaro sugeriu construir campos de refugiados na fronteira para abrigar os venezuelanos

"O Brasil é a nossa casa. Aqui não pode entrar qualquer um. Já bastam os cubanos legalizados aqui, fantasiados de Mais Médicos. Nós não podemos fazer do Brasil a casa da mãe Joana", disse em 2016. Um ano antes, Bolsonaro havia se referido aos haitianos como "escória do mundo".

Em uma medida considerada por setores progressistas como um avanço, o Brasil aprovou uma nova Lei de Imigração, substituindo a legislação que datava da ditadura. "É um marco. Reconhece o migrante como algo positivo para a comunidade", diz João Chaves, da Defensoria Pública da União (DPU). A lei anterior encarava o estrangeiro como ameaça. 

Sobre os planos de Bolsonaro de endurecer a chegada de imigrantes, Chaves diz que a DPU "vai continuar defendendo as leis e prestando assistência jurídica a imigrantes, fazendo sua defesa perante a administração pública, Ministério da Justiça e Polícia Federal, independentemente de qualquer decisão política”.

Ao desembarcarem no Brasil, os estrangeiros passam por uma entrevista no Conare (Comitê Nacional para os Refugiados). Se reconhecido como refugiado, o estrangeiro tem direito a um número de CPF para acesso a serviços bancários, cartão do SUS e carteira de trabalho.

Para a professora Mônica Hirst, a Lei de Imigração, ainda não regulamentada, "pode ser perfeitamente colocada no freezer". Em agosto, Bolsonaro chamou a legislação de "uma vergonha" e falou em revogá-la. "A população imigrante que já está no Brasil sofrerá uma pressão muito maior", diz a professora.

Thomas Coex/AFP Thomas Coex/AFP

Israel

No programa de governo e na campanha, Bolsonaro expressou algumas vezes a intenção de se aproximar de Israel.

O presidente eleito prometeu mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv, onde está a maioria das representações diplomáticas no país, para Jerusalém -- o que soará como uma provocação para os aliados árabes.

"Historicamente, o Brasil defende a solução de dois Estados. O Estado judeu e o Estado palestino. A ONU fala em Jerusalém como uma cidade internacional ou dividida entre palestinos e israelenses", afirma Vinicius Vieira, professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Em maio, Donald Trump levou a embaixada norte-americana para Jerusalém, também uma promessa de campanha para chegar à Casa Branca. Protestos contra a medida deixaram centenas de mortos em Gaza e jogaram uma pá de cal na resolução do conflito palestino-israelense. 

Por aqui, os planos de Bolsonaro são vistos como um aceno a Trump e agradam a base evangélica, muito identificada com a tradição judaica. 

Membro do grupo de Análise Política Internacional da USP, Samuel Feldberg diz que a mudança de embaixada renderá mais consequências negativas ao Brasil do que o que ocorreu nos Estados Unidos: "Quantos países que discordam da mudança podem retaliar os americanos? E quantos podem retaliar os brasileiros?"

Para Vieira, os países árabes responderiam com embargo. "O Brasil se especializou no abate de gado do tipo halal, para a cultura muçulmana. Como exportamos muito frango e carne de vaca para países árabes, pode haver um embargo ao produto brasileiro", disse. "Mas uma coisa é estar em campanha, outra é virar governo. Bolsonaro acabará pressionado pelo agronegócio. A previsão é que, em 20 anos, um terço da carne brasileira seja exportada a países árabes."

Já Feldberg lembra que Bolsonaro voltou de uma viagem a Israel impressionado com a expertise agrícola e militar do país. "Pode haver parceria com empresas israelenses para equipar aviões não patrulhados na fronteira ou para modernizar aviões da Força Aérea", disse.

Um dos maiores importadores de arma de Israel, o Brasil também poderia estreitar laços para a compra de insumos militares, diz Vieira.

"Do ponto de vista político, contudo, seria um retrocesso em relação aos avanços do Brasil em respeito à paz no Oriente Médio", avalia Mônica Hirst, professora aposentada de Política Internacional da Universidade Nacional de Quilmes, na Argentina.

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Turismo

Responsável por 6% do PIB e pela criação de 3 milhões de empregos no Brasil atualmente, o turismo foi tema de falas de Bolsonaro em algumas ocasiões.

Alexandre Sampaio, presidente do Cetur (Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade), diz que o setor pede simplificação da tributação e mais flexibilidade na concessão de visto para estrangeiros visitarem o país.

Hoje, o Brasil exige vistos de cidadãos de países que pedem o mesmo para o turista brasileiro. "Ele já disse que vai tirar a exigência de vistos para alguns países, como os EUA", disse Sampaio, que reconhece essa não é uma medida simples de ser implementada. 

A insegurança das cidades brasileiras também prejudica a chegada de visitantes e solucionar essa questão foi uma das plataformas de Bolsonaro.

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