
Portugueses, italianos, japoneses, espanhóis - o Brasil do início do século 20 era uma terra de imigrantes. Mas não é mais.
Mesmo com a entrada recente de cerca de 60 mil venezuelanos e com as ondas imigratórias de haitianos e bolivianos nas últimas décadas, a concentração de pessoas nascidas fora do país hoje é das menores da nossa história.
A Polícia Federal estima em cerca de 750 mil a população estrangeira no Brasil -- o que, em um universo de 207 milhões de habitantes, dá um percentual de 0,4%.
Se esse número for subestimado e a realidade for, por exemplo, o triplo disso, o Brasil teria cerca de 1,2% de sua população formada por imigrantes. Nos Estados Unidos, a proporção é dez vezes essa: 12,3%.
A chegada em massa de venezuelanos nos últimos anos e uma decisão judicial que chegou a fechar a fronteira de Roraima com a Venezuela por algumas horas trouxe para cá uma questão que acirra os ânimos nos Estados Unidos e na Europa: tem imigrante demais chegando?
Com a crise no país vizinho, a Polícia Federal estima que houve picos de até 500 venezuelanos entrando por dia no Brasil.
O governo federal calcula que a maioria dos venezuelanos que cruzaram nossas fronteiras nos últimos dois anos foram embora. Ainda assim, os que seguem aqui representam uma quantidade significativa: até o final de junho, mais de 11 mil já haviam conseguido residência e quase 33 mil pediram refúgio.
O Brasil tem uma política externa muito reconhecida considerando-se que somos um país em desenvolvimento. Documentalmente, facilita muito a vinda de estrangeiros, e o processo é fácil
Elissa Fortunato, pesquisadora de políticas públicas de integração de refugiados da USP (Universidade de São Paulo).
Fortunato elogia os esforços para agilizar a entrada dos imigrantes, mas aponta falhas: “O problema vem depois, quando o refugiado chega.”
Para facilitar a entrada dos venezuelanos, o governo federal montou uma base em Pacaraima (RR) que registra os imigrantes assim que cruzam a fronteira.
Já em território roraimense, eles lotam praças e terrenos baldios e aumentam a pressão sobre serviços públicos, principalmente os de saúde.
Para Fortunato, que também dirige uma ONG que apoia refugiados em São Paulo, o episódio é resultado de falta de planejamento e coordenação entre os poderes públicos.
"Em 2016, estudos já mostravam que isso [imigração em massa] iria acontecer. O governo já sabia, mas esperou bater na porta para tomar uma atitude”, disse.
Falta de preparo e de informação resultam em uma combinação explosiva: rejeição aos imigrantes - não apenas venezuelanos. Nos últimos anos, registraram-se episódios de intolerância também com sírios e haitianos.
Na consulta pública feita pelo Senado durante a aprovação da nova Lei da Imigração (nº 13445/17), no ano passado, mais de 60% votaram contra facilitar a entrada de imigrantes.
"Fica aquela coisa midiática das redes sociais ‘ah, vão vir muitos’, quando o Brasil, na verdade, recebe muito menos que diversos países", afirma Fortunato.
Apesar de o número de estrangeiros ter voltado a crescer nos últimos anos, o Brasil, com 0,4% da população formada por estrangeiros, não está apenas longe do patamar de países ricos quanto à imigração, mas também está abaixo do que se vê nos países vizinhos.
"A migração incrementa a diversidade cultural de um país e já há vários estudos que mostram como o fluxo migratório também contribui para a diversificação e dinamização de economias locais", diz Camila Asano, da organização Conectas, que atua junto à ONU em questões relativas a direitos humanos.
A ONU estima que 258 milhões de pessoas morem fora de seu país de origem - o que representa 3,4% da população mundial. Quase um quinto dos imigrantes do mundo mora nos Estados Unidos.
Com quase 50 milhões de imigrantes, legais ou não, os EUA têm 15% da população formada por estrangeiros.
Em seguida, estão Arábia Saudita e Alemanha, com 12,2 milhões de estrangeiros cada - o que representa 37% da população em território saudita e 15% no país de Angela Merkel.
A concentração de estrangeiros aqui está abaixo também da vista em outros países com mais de 100 milhões de habitantes, como Rússia (8,1%), Japão (1,8%) e Paquistão (1,7%).
Na região, a Argentina (4,9%) tem, proporcionalmente, dez vezes o volume de estrangeiros visto no Brasil. No Chile (2,7%) e no Paraguai (2,4%), a concentração também é maior.
A pesquisadora da USP Elissa Fortunato lembra também que, no saldo migratório, o Brasil exporta mais gente do que recebe.
De acordo com o Itamaraty, mais de 3 milhões de brasileiros vivem fora do país - quatro vezes o número de estrangeiros aqui.
Nesse sentido, um país mais 'equilibrado' é a Rússia - as quantidades de gente entrando e saindo do país são equivalentes.
Quase a metade dos emigrantes brasileiros estão nos Estados Unidos. Também é grande a presença de brasileiros no Paraguai (332 mil), no Japão (170 mil) e em Portugal (entre 85 mil e 120 mil).
Também há os brasileiros em situação de refúgio. A ONU estima que mais de 7 mil brasileiros se dizem perseguidos e pediram asilo em diferentes países do globo. Destes, apenas 355 têm a situação de refúgio reconhecida.
Ao UOL, a assessoria da Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) explicou que é difícil rastrear o motivo desses pedidos uma vez que muitos casos são sigilosos.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1920, 1 em cada 20 pessoas (5%) no país era estrangeira -- nosso recorde da nossa história recente.
Nessa época, consolidava-se no país a presença de comunidades alemãs e italianas. A mão de obra que chegava não era especialmente mais qualificada do que a que estava aqui: em São Paulo, 80% dos adultos sabia ler; entre os imigrantes, a taxa era de 62%.
O contingente estrangeiro no país foi caindo ao mesmo tempo em que a população nativa crescia. No Censo 2000, registraram-se 431 mil imigrantes, para uma população de 190 milhões de habitantes.
A trajetória dessa curva se alterou a partir de 2010, com a chegada de bolivianos, haitianos e, mais recentemente, sírios e venezuelanos -- ainda assim, mantendo o país muito abaixo das proporções migratórias vistas no resto do mundo.
O Brasil tem dimensões continentais e condições de receber os migrantes. Se os brasileiros têm dificuldade de acessar serviços básicos, isso é anterior à chegada dessas pessoas. Devem-se aprimorar serviços, para que o atendimento a ninguém, migrante ou brasileiro, seja prejudicado por gestão ineficiente. Isso de maneira alguma deve servir de justificativa para criticar a chegada de migrantes
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