Um outro carlismo

Novo líder do DEM, ACM Neto diz que partido mira eleitores de Lula e que candidatura de Maia ainda pode cair

Nathan Lopes Do UOL, em Salvador
Max Haack/Secom-Salvador

Herdeiro político de Antônio Carlos Magalhães, o prefeito de Salvador e novo presidente do Democratas, ACM Neto, tem como principais tarefas, hoje, articular o partido para a eleição de outubro e decidir o que irá anunciar no começo de abril: se deixa a prefeitura, pouco mais de um ano após iniciar seu segundo mandato, para disputar o governo da Bahia ou se continua no cargo.

Ele ainda não se pronuncia sobre sua decisão, mas algumas de suas respostas na entrevista que concedeu ao UOL na última sexta-feira (16) indicam que ele deverá estar na disputa contra o atual mandatário, Rui Costa (PT).

O foco de seu partido neste momento, porém, é outro: a candidatura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao Planalto. Neto, que assumiu a presidência do DEM neste mês, defende o nome do deputado, mas não afasta a possibilidade de a legenda optar por outros caminhos caso a candidatura dele não decole. “É óbvio que ninguém vai brincar de ser candidato”.

Sobre a situação política e jurídica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ele indica que buscará o voto de quem apoia o ex-presidente, que vê como inelegível.

Na entrevista, ele ainda falou sobre a influência do avô e sobre o desejo de se tornar presidente da República. Mas com uma ressalva, conselho de ACM: “Presidência não é projeto, é destino”.

Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Maia: candidatura em dúvida

ACM Neto assumiu a presidência do DEM em 8 de março. Apesar do pouco tempo no cargo, ele já estabeleceu como meta fazer o partido crescer. Em 2014, a sigla elegeu 22 deputados federais e três senadores. O prefeito aposta que, após o pleito de outubro, o partido terá ao menos 40 deputados federais eleitos e poderá chegar a seis senadores.

Um dos principais palanques na tentativa de estimular esse crescimento será a candidatura ao Planalto do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. E apesar de o parlamentar ter sido peça-chave para que o governo pudesse aprovar suas reformas, como a trabalhista, ele não será o candidato do governo Michel Temer (MDB) em hipótese alguma, diz Neto. “Rodrigo Maia não será candidato do governo nem da oposição. Rodrigo Maia é candidato do Democratas, dos partidos que queiram comungar conosco”.

Mas a defesa da candidatura de Maia tem condições. Só será levada adiante, admite Neto, se o deputado conseguir decolar nas pesquisas, o que não aconteceu até agora. No último Datafolha, ele não passou de 1% das intenções de voto.

“Todos nós temos a noção e a consciência que vamos chegar no começo de julho, antes do período das convenções, e vamos analisar o cenário”, pontua ACM Neto. “Vamos avaliar a capacidade competitiva de cada candidato, vamos avaliar a evolução de Rodrigo nesses quatro meses. E aí, chegando à conclusão que ele avançou, que a candidatura dele pode ser competitiva, ela será confirmada. Caso contrário, nós não vamos abandonar a possibilidade de dialogar com outras candidaturas do nosso campo, do centro”.

Para uma eventual reaproximação com o PSDB, partido que foi apoiado pelo Democratas em todas as eleições presidenciais desde que era chamado PFL (Partido da Frente Liberal), também há exigências. Hoje, o pré-candidato tucano é o governador Geraldo Alckmin (SP), que atualmente possui cerca de 8% das intenções de voto, ainda longe do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) e da ex-ministra Marina Silva (Rede).

“Não dá para querer apenas ser apoiado. Tem que também cogitar a possibilidade de apoiar”, avisa ao PSDB. Neto, porém, diz que será feito todo o esforço possível para Maia “chegar, no início de julho, com força para, quem sabe, conseguir aglutinar em torno dele nomes que hoje já estão postos do campo do centro”. Até mesmo o PSDB.

Mesmo num cenário de grande turbulência na política nacional, Rodrigo teve grande capacidade, com a sua maturidade, pela bela condução que deu à Câmara de garantir que o país continuasse com estabilidade democrática, o funcionamento pleno de suas instituições e, sobretudo, que tivesse uma agenda de trabalho. Acho que isso mudou o patamar do Rodrigo. O Rodrigo de 2018 é outro. E acho que o Rodrigo de hoje está preparado, sim, para ser um candidato competitivo a presidente da República

ACM Neto

ACM Neto, presidente do Democratas

Ricardo Stuckert/Divulgação Ricardo Stuckert/Divulgação

Foco em simpatizantes de Lula

As incertezas em torno da sucessão no Planalto passam pela possibilidade jurídica de Lula se candidatar. Até o momento, não se tem certeza se o petista estará na disputa, em função de ele ter sido condenado em segunda instância. O fator Lula pode mudar o quadro atual de pulverização de candidaturas. Partidos já anunciaram ao menos 11 nomes de postulantes ao mais alto cargo da República.

“O que me parece muito claro é que, apesar de estarmos a seis meses da eleição, parece que estamos a uma eternidade”, avalia ACM Neto. “Nas eleições passadas, o quadro já estava definido com muita antecedência, a gente conhecia os players do jogo eleitoral. Agora não”.

Para o presidente do Democratas, porém, a inelegibilidade de Lula está sacramentada. “A meu ver, e qualquer leigo pode concluir, o Lula é inelegível. Então, a meu ver, o Lula não poderá ser candidato a presidente da República”. Mesmo inelegível, o PT poderá registrar sua candidatura no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e tentar reverter o impedimento de Lula.

ACM Neto diz que o Democratas não deve, de maneira alguma, definir sua estratégia para a eleição a partir do que vai acontecer com o petista. E a tática envolve até buscar simpatizantes do ex-presidente.

“Porque esse não é um problema da política, é da Justiça. A nossa estratégia tem que ser definida a partir de um caminho próprio, da construção de um diálogo com o Brasil, até mesmo com eleitores que são simpatizantes com a figura do Lula, mas que, de repente, podem se deparar com um cenário de não ter a opção de votar nele”.

ACM nega comemorar a condenação e uma eventual de prisão do ex-presidente. “Pelo contrário. Lamento que alguém que tenha tido a oportunidade de ser presidente da República por duas vezes, tenha tido a confiança do povo brasileiro para governar o país por duas vezes tenha cometido tantos erros como ele cometeu e agora seja obrigado a pagar o preço desses erros perante a Justiça”, disse. "Se ele vai ser preso ou não, não depende do desejo, da vontade, da torcida de ninguém. Depende estritamente do poder Judiciário".

O Democratas, de centro, é um dos notórios partidos de oposição ao PT. Sobre os governos petistas, ele diz que a contestação a eles não tem motivação ideológica, mas na ação política. “Até porque, se a gente for observar, o PT, quando chegou ao poder, derrubou, jogou fora muitas das bandeiras ditas de esquerda. Agora, por uma questão de conveniência, eles se reaproximam da esquerda”.

Divulgação/SECOM-BA Divulgação/SECOM-BA

Ficar na Prefeitura ou concorrer ao Estado?

Em três semanas, ACM Neto poderá não ser mais o prefeito de Salvador. Ele diz que decidirá nesta semana, mas só anunciará no começo de abril se deixa ou não o cargo para disputar o governo da Bahia contra o atual governador, Rui Costa (PT).

Ambos têm fatores em comum. Foram eleitos no primeiro turno e possuem alta popularidade no Estado. Caso Neto participe do pleito em outubro, a promessa é de uma disputa intensa.

A possibilidade de um revés e de ficar sem cargo político por dois anos não é o fator preponderante para a decisão, diz o prefeito. “Não é o medo da derrota. Até porque eu já perdi e já ganhei eleições. O que mais me preocupa com a renúncia é que não haja um sentimento de frustração ou traição por parte da população que me deu 74% dos votos. Essa é minha grande preocupação e o que mais pesa na minha decisão”.

O prefeito, porém, salienta que se reelegeu, em 2016, sem ter assumido o compromisso de que não renunciaria. E elogia seu vice-prefeito, Bruno Reis (MDB), dizendo que “a cidade vai estar em excelentes mãos caso ele assuma”. “E o meu desejo é deixar um legado em Salvador”.

Se a resposta está em aberto, as entrelinhas talvez ajudem a mostrar a decisão do prefeito. Questionado sobre o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, ele disse que não vê, neste momento, necessidade de uma ação parecida em Salvador. “A grande intervenção que tem que acontecer na Bahia, ela vai acontecer nas urnas em outubro. Essa, para mim, é a grande intervenção”.

Sergio Lima/Folha Imagem Sergio Lima/Folha Imagem

Carlismo não será reeditado

Dois fatores em 2018 podem aproximar as trajetórias entre avô e neto. O primeiro já aconteceu: ACM Neto é presidente do Democratas, partido cuja liderança mais influente desde que possuía outro nome (PFL) foi seu avô, Antônio Carlos Magalhães, morto em 2007 aos 79 anos.

Com Magalhães, o PFL/Democratas participou de todos os governos desde José Sarney (MDB) até Fernando Henrique Cardoso (PSDB), tendo ocupado a posição de vice no governo do último com Marco Maciel.

Outro fator de aproximação seria uma eventual vitória de Neto na disputa pelo governo baiano. Seu avô, que também foi prefeito de Salvador (1967-1970, por nomeação), governou a Bahia em três mandatos (1971-1975 e 1979-1983 eleito por via indireta, e 1991-1994 em eleições diretas).

Com derrotas políticas na Bahia na primeira década do século 21, Magalhães vaticinou em 2006: “vocês verão a volta triunfal do carlismo”. Ele se referia a um tipo de governo conservador, calcado na personalidade de seu líder.

Aos 39 anos, ACM Neto tem sustentado o legado do avô desde que venceu sua primeira eleição, para a Câmara, em 2002. Mas o carlismo, como ficou conhecida a forma de Magalhães fazer política, não existe mais, acredita. “O carlismo, compreendido da forma como foi compreendido até ACM viver, ele não será reeditado nunca mais”.

A política, na época de Magalhães, era mais personalista, diz ACM Neto. Na trajetória de seu avô, seria impensável fazer alianças com pessoas que um dia foram adversárias na política. “Eu, por exemplo, tenho como aliados adversários de meu avô. Meus adversários têm como aliados ex-aliados de meu avô. Então, a política da Bahia passou por muitas mudanças”.

Um exemplo é o senador Otto Alencar (PSD), atualmente próximo ao grupo do ex-ministro Jaques Wagner (PT) e que foi secretário no governo de Magalhães. “Meu momento é outro. A política exige outro tipo de ferramentas, e de ações diferentes da que exigia no período em que ele se consolidou como uma grande liderança”, pontua ACM Neto.

Ele, porém, lembra que não concordava em tudo com o avô. “Eu tive que ajustar muito minha convivência com ele. Apesar de eu muitas vezes discordar, de questioná-lo num ambiente familiar, de ter opiniões bastante diferentes da dele, eu sabia que precisava manter o respeito em função de toda uma história que ele tinha construído”, recorda. “Me orgulho de poder dizer que ele faleceu sem que a gente tenha demonstrado uma mínima divergência em público. Todas as minhas divergências eram da porta de casa ou do gabinete para dentro”.

Se hoje ainda não é conhecida sua posição sobre o pleito para o governo da Bahia, ACM Neto indica que ir ao Planalto não deixa de ser um alvo. “É claro que qualquer jogador de futebol que ama sua profissão, que é vocacionado para isso, sonha um dia em chegar à Seleção Brasileira. Ora, para o político, se a gente for trazer para cá, o político que ama, que é vocacionado, sonha em um dia chegar à Presidência da República”.

Mas ele não quer pensar nisso hoje. Atualmente, diz desejar apenas estar “preparado para qualquer coisa”. Essa visão, em parte, é decorrente de um conselho do avô. “Aprendi com ACM que Presidência não é projeto, é destino. Então, não sei se um dia o destino vai me reservar o direito de ser candidato ou mesmo de ganhar uma eleição nacional”.

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