Além de passar pelo Executivo e pelo Legislativo, a recomposição da salubridade do ambiente político-institucional fará escala no Judiciário. Há nos subterrâneos da política um desejo pulsante de frear a Lava Jato.
Esse anseio produz uma fricção que desagua no Supremo Tribunal Federal, para cujos gabinetes se voltam os olhares da sociedade. Vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral e membro do Supremo, o ministro Luís Roberto Barroso recorda que o esforço anticorrupção é anterior à “Nova República” de Tancredo.
“Desde a eleição de Jânio Quadros, chegando ao golpe militar, sempre houve discursos contra a corrupção”, disse Barroso.
“O que há de novidade no Brasil dos últimos anos é uma reação da sociedade em relação à aceitação do inaceitável. Há uma demanda por integridade, idealismo e patriotismo. Essa é a energia que muda paradigmas e empurra a história.”
Para Barroso, as instituições “começaram a reagir”. Puseram-se em movimento “com atraso, mas não tarde demais.”
O ministro enxerga o julgamento do escândalo do mensalão, no Supremo, como “um ponto de inflexão.” Sobrevieram “mudanças importantes na legislação”.
Barroso cita, entre outros tópicos, o aperfeiçoamento da colaboração premiada, o agravamento das penas anticorrupção e a mudança de jurisprudência que autorizou a prisão de condenados na segunda instância do Judiciário. “O enfrentamento à corrupção deixou de ser retórico”.
Mas está em curso uma reação daquilo que Barroso chama de “pacto oligárquico de saque ao Estado e de apropriação dos recursos públicos por parte da classe política, empresarial e parte da burocracia estatal.”
Nas palavras do ministro, “não é fácil desfazer o pacto, mas ele está sendo desfeito.” O problema é que “os processos históricos muitas vezes são lentos, sobretudo quando enfrentam um status quo poderoso.” Na contabilidade de Barroso, são três os grandes obstáculos:
- “Parte do pensamento progressista no Brasil acha que os fins justificam os meios. Se o meu projeto é bom, não importa como eu o implemento”. Nesse modelo, a corrupção é vista como “uma nota de pé de página na história.”
- “Parte das elites brasileiras acha que corrupção ruim é a dos adversários. Se for a dos companheiros de mesa de pôquer e de salão não é tão grave assim. E com isso perpetuam um pouco essas elites extrativistas que se apropriam do Estado.”
- Os próprios corruptos dividiram-se em duas categorias. “Tem o lote dos que não querem ser punidos”. Mais: “Tem um lote pior, hoje, no Brasil, que é o dos que não querem ficar honestos nem daqui para a frente.”
No Supremo, Barroso é o relator do inquérito sobre os portos, que tem Michel Temer no rol de investigados.
No TSE, o ministro relatou o processo que resultou no enquadramento de Lula na Lei da Ficha Limpa e no indeferimento de sua candidatura presidencial.
Abstendo-se de comentar os dois casos, o ministro declarou: “O fato de existirem tantas autoridades enfrentando problemas judiciais revela um sistema político que é indutor de comportamentos desviantes.”
Barroso prosseguiu: “Creio que não é problema de pessoas, porque os políticos são recrutados na mesma sociedade em que são recrutados os juízes, os médicos, os jornalistas. Se não é um problema de pessoas, é do sistema. Precisamos enfrentar as causas, que são o sistema eleitoral caro e pouco representativo, que dificulta a governabilidade e dá incentivos errados para a política, que muitas vezes fica refém de práticas fisiológicas.”
O ministro foi ao ponto que deverá tirar o sono do presidente a ser empossado em 1º de janeiro: “A pulverização partidária faz com que o presidente seja refém de 35 partidos, ou 28 partidos com representação no Congresso. Os próprios partidos não têm muita unidade, o que acaba levando a negociações quase individuais. Isso fomenta o modelo fisiológico. Nele, há pessoas que usam o poder para conseguir coisas boas para o seu reduto eleitoral. Mas há também quem utilize o poder para conseguir coisas erradas. É preciso facilitar a governabilidade, tornando as negociações m ais impessoais e institucionais. No Brasil, o presidente historicamente fica refém do fisiologismo ou do autoritarismo.”
A sucessão de 2018 será uma virada de página. A questão agora é saber se a página não será virada para trás.