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Prática política de só dizer o que o eleitor quer ouvir a cada 4 anos mantém os mesmos problemas sem solução

Filipe Strazzer, Ítalo Rômany, Kalinka Iaquinto, Matheus Riga, Sarah Teófilo e Thaise Constancio Do eder content

Diz o ditado popular que promessa é dívida. Exceto na política. Nos últimos 20 anos, o histórico das promessas de campanha dos candidatos a presidente da República revela que a prática política segue um padrão: promete-se o que o cidadão quer, o eleitor não cobra e o pouco que sai do papel muitas vezes se transforma em símbolo de desperdício de dinheiro público. As prioridades dos brasileiros até aparecem bem representadas nos programas de governo e discursos dos candidatos, mas terminam descoladas do que seus representantes efetivamente entregam no mandato.

Temas como saúde, educação e segurança pública se revezam entre as principais angústias da população brasileira há anos. No levantamento Pulso Brasil, do instituto de pesquisa Ipsos, que colhe informações sobre a percepção da vida no país desde 2005, o combate à corrupção e a busca por emprego juntaram-se à lista nos últimos anos - num reflexo claro dos escândalos revelados pela Operação Lava Jato e da grave recessão que atingiu o país.

A reportagem do eder content compilou e analisou todos os programas de governo de nove candidatos que tiveram no mínimo 10% dos votos válidos na disputa presidencial nas últimas duas décadas. A lista inclui os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (PT), além de Ciro Gomes (ex-PPS, atual PDT), Anthony Garotinho (ex-PSB e atual PR), José Serra, Geraldo Alckmin, Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PV e depois PSB à época). Em 2018, quatro nomes desse grupo voltaram à disputa para comandar o país - e a fazer promessas aos eleitores: Lula, Ciro, Alckmin e Marina.

Esta reportagem integra série da eder content em parceria com o UOL sobre promessas de campanha. Serão publicados nesta semana quatro capítulos, sobre corrupção, saúde, segurança pública e educação.

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Desde a eleição presidencial de 1998, os candidatos de fato apresentaram programas de governo atentos às demandas da população. Propostas de melhorias na saúde e educação, por exemplo, estão presentes em todos os programas ao longo das últimas cinco eleições para presidente da República.

Mas também fica claro que a recorrência dos temas varia de acordo com o contexto social e econômico nacional. O combate à corrupção só ganha mais atenção dos candidatos na disputa de 2006, claramente na esteira do escândalo do Mensalão do PT. O tema segurança pública é outro que teve presença mais discreta nas propostas dos partidos.

Com maior ou menor grau de detalhamento, os candidatos ao Planalto prometeram, em cada campanha, ampliar o número de creches e de escolas em tempo integral no ensino básico e fundamental em todo o país, garantir a qualidade do atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) e reduzir a espera por exames, por exemplo. Em todas as regiões brasileiras, no entanto, faltam vagas em creches, leitos em hospitais, médicos e remédios em postos de saúde e professores em escolas. Ou seja, há uma distância histórica entre o que os políticos prometem, o que a população realmente precisa e aquilo que eles efetivamente entregam durante o mandato. 

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Promessa é dívida

Há duas situações que sustentam esse quadro, diz o cientista político Humberto Dantas. Em diversas ocasiões, afirma o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o político fala o que o eleitor quer escutar, e nem sempre é o que ele, candidato, acredita e nem o que seria viável. “Repete-se à larga o que se quer ouvir, e o que se quer ouvir nem sempre é o que é possível realizar.”

Na outra ponta, falta amadurecimento político entre os brasileiros. Para Dantas, o cidadão deve aprender a cobrar as promessas dos candidatos -- antes e depois de eleitos. “A gente cresce se acostumando a cobrar presente dos pais no Natal, mas não cresce se acostumando a cobrar promessa de político”, afirma.

Para Diego Calegari, fundador e gestor do Politize -- organização civil que propõe fortalecer a democracia por meio da educação --, o cidadão é fundamental para mudar o quadro de promessas eleitorais genéricas. “O cidadão comum não lembra em quem votou, muito menos o que aquele candidato propôs.”

Se [os políticos] prometem coisas vagas é porque temos uma cultura política frágil que não cobra [resultados]

Diego Calegari

Diego Calegari, Fundador do grupo Politize

Segundo Calegari, políticos que prometem coisas irrealizáveis têm a preferência das pessoas. Na necessidade de vender sua imagem, há um convite muito forte (ao político) para falar coisas que no fundo não serão integralmente verdade, explica o ativista. “A população ainda quer ouvir o ‘conto do vigário’”, afirma.

Apu Gomes/Folhapress Apu Gomes/Folhapress

Muito bate-boca, pouco debate

Ao compilar e dissecar os programas de governo dos nove candidatos a Presidente nos últimos 20 anos, ficou clara a ausência de comprometimento dos políticos com metas numéricas que sejam possíveis de aferir ou propostas que sejam específicas e indiquem como serão financiadas. E a explicação é uma só: os candidatos não se preocupam em ser específicos nas promessas justamente porque poderão ser cobrados no futuro.

“É dar muita munição para a oposição”, afirma o cientista político Glauco Silva, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP). Além disso, diz ele, isso não é crucial para o eleitorado. “Para os eleitores, isso não é determinante para sua decisão. Então não há motivo para gastar tempo fazendo algo específico”, explica.

Num processo que se retroalimenta, a ausência de propostas específicas acaba influenciando a própria cobertura da campanha eleitoral pela imprensa com abrangência nacional. O debate público sobre o que os candidatos podem entregar ao País, se eleitos, geralmente recebe menos atenção e espaço do que as picuinhas eleitorais entre políticos ou partidos.

Um levantamento do que foi publicado nos três maiores jornais com circulação nacional entre o início do horário eleitoral gratuito e o final do segundo turno de cada eleição presidencial nos últimos 20 anos mostrou que a ‘troca de farpas’ entre os candidatos é o assunto mais explorado na cobertura jornalística. Foi o que aconteceu em 2006, com a montagem de um dossiê contra políticos tucanos, encomendado por petistas, ou com o vazamento de dados tributários da filha de José Serra (PSDB), em 2010. Sem contar os escândalos de corrupção, como o da ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, em 2010, ou o da Petrobras, em 2014.

Cacalos Garrastazu/eder content Cacalos Garrastazu/eder content

Obras, a melhor vitrine

Comícios de campanha são os momentos de maior proximidade do candidato com o eleitorado. Por isso mesmo, são o palco perfeito para aquele tipo de promessa que carrega votos: grandes obras de infraestrutura. De pontes a refinarias, de aeroportos a linhas de metrô, rodovias que cruzam o país e até a transposição de um rio, no discurso tudo cabe. As promessas são mais voltadas à infraestrutura porque obras são fáceis de inaugurar e mostrar para a população, diz o cientista político Sérgio Praça, da FGV-RJ. "Remédio você não inaugura”, resume.

Seja porque podem ser concluídas no tempo de um mandato, porque enchem os olhos da população ou porque podem ser inauguradas com festa, elas estão espalhadas de norte a sul em diferentes estágios.

Por outro lado, obras de infraestrutura são as primeiras a serem atingidas por cortes orçamentários. Ao fazer promessas em campanha, o gestor não sabe quanto terá de orçamento no ano seguinte, tampouco se preocupa em saber a previsão do valor, diz Glauco Silva, da FGV-SP. Ao longo do mandato, ao deparar-se com diversos gastos, é mais fácil fazer cortes em obras do que em outras áreas. Assim surgem os atrasos e aditamentos de contratos para retomada. “São obras relativamente complexas. Não é tão difícil de fazer, mas requer dinheiro, capacidade e planejamento, e os governos não têm sido muito eficazes nisso”, diz Praça.

Com o ponto alto das grandes obras concentrado entre 2007 e 2013, de olho na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos do Rio, a conta começou a chegar a partir de 2014. A Operação Lava Jato foi deixando claro que as obras foram feitas com muita corrupção, observa Praça. Com o déficit público estadual na casa dos R$ 159 bilhões, não há dinheiro para os gastos básicos com a população, menos ainda para grandes projetos de infraestrutura. Por isso, completa, as promessas nas eleições deste ano devem se voltar para outras áreas, como segurança pública, por exemplo. “É provável que vá nesse sentido, até porque o público sabe que não tem como prometer obra sem dinheiro.”

Avener Prado/Folhapress Avener Prado/Folhapress

O teto é o limite

O próximo presidente da República terá de administrar um orçamento limitado pelo teto dos gastos públicos válido por 20 anos, conforme emenda constitucional sancionada pelo governo de Michel Temer em 2017. Isso tende a dificultar o cumprimento das promessas a serem feitas pelos presidenciáveis nos palanques eleitorais deste ano, alerta a economista e ex-diretora da Sudene Tânia Bacelar.

Além disso, pode aumentar as desigualdades regionais. “O debate sobre o teto só olha uma parte das contas públicas, que são as despesas primárias, como educação, saúde e assistência social. Em relação ao Norte e Nordeste, este quadro se agrava mais ainda, por causa dos problemas estruturais e seculares”, diz ela. Tânia indica que isso exigirá, mais do que nunca, um compromisso dos candidatos com essas regiões. “O quadro que tínhamos era de diminuição das desigualdades sociais, e hoje é de agravamento.”

Para Ney Ribas, que preside o Observatório Social do Brasil -- organização não governamental que monitora gastos municipais --, a principal dificuldade dos políticos brasileiros é cumprir a previsão orçamentária e delimitar os gastos ao que foi efetivamente arrecadado. Para ele, a PEC do Teto dos Gastos Públicos é mero jogo de palavras. “A Constituição é clara e estabelece um teto para gastos, mas os governos insistem em encontrar subterfúgios para não cumprir, para ludibriar o orçamento. E isso tem sido recorrente", critica.

Fábio Motta/Estadão Conteúdo Fábio Motta/Estadão Conteúdo

Cobrar é preciso

Para que as promessas vagas não voltem a se repetir, Humberto Dantas afirma que o brasileiro precisa amadurecer como cidadão. “As pessoas ainda não são capazes de fazer a conta de quanto cada promessa vale”, diz. Criar mecanismos legais para punir também não é o ideal, segundo Dantas, que atua no Centro de Liderança Pública.

Não precisamos aprimorar a lei, temos de aprimorar as pessoas

Humberto Dantas

Humberto Dantas, Diretor-presidente Escola Parlamento, Câmara Municipal de São Paulo

É preciso construir uma boa relação com a política, reforça o diretor de relações públicas do Instituto Ipsos, Danilo Cersosimo. “Não basta votar em outubro e esperar que quem for eleito resolva tudo num passe de mágica”, diz. “A população está tão aflita que ela precisa de soluções a curto prazo. As de médio e longo prazo não se convertem em voto.”

Na organização civil Politize, o desafio é educar a sociedade para que se organize e passe a cobrar o que é prometido pelos candidatos -- utilizando-se de meios como a Lei de Acesso à Informação e também os programas de cada candidato e as reportagens publicadas pela imprensa. “É importante que o político se sinta responsável a dar uma resposta à população”, diz Calegari. 

Série Promessa É Dívida

  • Teto de Vidro

    Foco dos eleitores em 2018, combate à corrupção raramente marcou promessas

    Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/ ABr
  • O eleitor paciente

    Saúde pública opera no vermelho com saldo de 20 anos de promessas

    Imagem: Maurício Maranhão
  • Bomba-relógio

    Propostas para segurança "dormiram" por anos nas gavetas do Congresso

    Imagem: Mauro Vieira/Agência RBS
  • Má educação

    Propostas de colocar todas as crianças na escola não foram cumpridas

    Imagem: Edson Silva/Folhapress

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