Má educação

Promessas de colocar todas as crianças na escola não foram cumpridas e há listas de espera por uma vaga

Filipe Strazzer, Ítalo Rômany, Kalinka Iaquinto, Matheus Riga, Sarah Teófilo e Thaise Constancio Do eder content
Edson Silva/Folhapress

Dez em cada dez políticos brasileiros, independentemente da orientação partidária, concordam que é preciso investir em educação para o Brasil mudar de patamar em termos de desenvolvimento. A cada eleição, as promessas ecoam: nenhuma criança fora da escola, mais vagas para educação infantil, nenhum jovem sem concluir o ensino médio. É bom que seja assim, já que caberá ao próximo presidente da República --cujo mandato vai até 2022-- a responsabilidade de levar a educação brasileira para um novo patamar. Há metas ambiciosas no PNE (Plano Nacional de Educação) que devem ser alcançadas até 2024. 

Esta reportagem integra uma série da eder content em parceria com o UOL sobre promessas de campanha. Leia também os capítulos sobre política, corrupção, saúde e segurança pública.

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Escolas em ruínas

Bastou uma visita da reportagem a apenas cinco escolas estaduais de Belém, no Pará, para saber que não será tarefa fácil. Os problemas são muitos: de falta de aparelhos de ar condicionado a fios de eletricidade expostos, passando por pilhas de carteiras e entulhos em pátios ou salas sem iluminação, com janelas quebradas e espaços coletivos onde o mato tomou conta e quase chega à cintura de uma pessoa de estatura mediana.

"O ar-condicionado não presta, tem muita infiltração, a merenda não tem qualidade e muitas salas estão caindo aos pedaços também", resumiu o aluno Wesley Bruno, 17, morador de Ananindeua, que cursa o 2º ano do ensino médio no colégio Paes de Carvalho. Tradicional instituição educacional no Pará que tem quase 2.000 alunos matriculados, é o colégio mais antigo da região, fundado em 1841. Conhecido por ter educado diversos governadores do estado, hoje não reflete mais a glória do passado.

Na escola Marechal Cordeiro de Farias, que atende 920 alunos, o que encontramos é bem parecido: reformas inacabadas e mato alto. A vice-diretora da escola, Sonia Ferreira, diz que apenas 15 das 40 salas disponíveis estão em uso. "Foram trocadas cem lâmpadas e nós temos 40 salas. Então, na verdade, deveriam ter sido trocadas pelo menos de 500 a 900 lâmpadas para contemplar corredores e salas de aula", reclama.

"A educação no Pará, hoje, pede socorro", diz o coordenador geral do Sintepp (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Pará), Alberto Andrade Júnior. Em maio deste ano, os professores de toda a rede estadual de ensino paralisaram suas atividades. O principal motivo: o estado precário de conservação das escolas. Das mil escolas do estado, 50% precisam de reparos, admite a secretária de Educação do Pará, Ana Cláudia Hage.

Para tentar driblar isso --e os baixos indicadores educacionais do estado--, a secretaria vem trabalhando em parceria com os municípios em um pacto pela educação. De acordo com os dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2017, o Pará tem os piores indicadores do ensino médio da região Norte e ocupa a penúltima posição no país. Em uma escala que vai de 0 a 10, a nota das escolas públicas e privadas foi de apenas 3,1, longe da meta de 4,2. Os demais estados do Norte também não se saíram muito bem: Rondônia (4,0), Acre (3,8), Tocantins (3,8), Amazonas (3,5), Roraima (3,5) e Amapá (3,2).

A precariedade das escolas se reflete nos números e na qualidade do ensino no país. O relatório "Um Olhar sobre a Educação", elaborado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), aponta que as taxas de matrículas têm caído entre os menores de 14 anos e que 69% dos jovens entre 15 e 19 anos estão matriculados nas instituições de ensino.

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Deficiências em série

A maior parte do problema enfrentado pelos brasileiros quando o assunto é educação nem sempre está à vista. Priscila Cruz, que preside a organização civil Todos pela Educação, avalia que todos os desafios com que as famílias deparam no cotidiano --matricular um filho na creche, conseguir uniformes, merenda e livros didáticos-- são apenas a ponta de um iceberg.

"É muito difícil para os pais verem se a qualidade de ensino é boa ou não." Embora o Brasil produza muita informação educacional, pouco é divulgado para a população, afirma, que deveria procurar saber dos indicadores de sua região.

Além disso, os recursos em educação são insuficientes e, sobretudo, mal gastos, diz a especialista. "Existe muita ineficiência, ausência de gestão eficaz nas unidades e na alocação de recursos", resume a presidente do Todos pela Educação. 

Isso se soma às escolhas nem sempre acertadas dos governos: atualmente, a esfera federal está mais preocupada em investir nos programas voltados aos jovens do que na primeira infância, afirma Priscila. "A criança está distante do mercado de trabalho, e ela não vai dar retorno rápido", diz. "É por isso que os olhos estão mais voltados à juventude."

Se houvesse mais preocupação com as crianças de 0 a 3 anos, segundo Priscila, a taxa de sucesso no aprendizado dos brasileiros cresceria. "É nessa fase que o desenvolvimento cognitivo e funcional da criança acontece, isso afeta muito como ela vai aprender dali em diante", afirma.

Cacalos Garrastazu/eder content Cacalos Garrastazu/eder content

Ministro da Educação por apenas seis meses no segundo mandato presidencial de Dilma Rousseff (PT), o filósofo e cientista político Renato Janine Ribeiro diz que resolver os problemas do ensino médio é mais fácil do que avançar na educação infantil.

"Há 70 anos, não havia obrigatoriedade de educação, o poder público não fornecia escola para todo mundo. A maioria era deixada analfabeta", lembra o ex-ministro, referindo-se à Constituição de 1946, primeira a debater a obrigatoriedade da educação primária.

Janine diz que o "peso do passado" ainda afeta os problemas de aprendizagem, explicando também a falta de interesse dos governos.

Fora de classe

O desinteresse das autoridades fica explícito no desempenho do país na educação infantil. Em 2017, havia 4,9 milhões de pequenos brasileiros matriculados na pré-escola, o que equivale a 91,7% das crianças de 4 e 5 anos. Mesmo assim, nenhuma grande região do país atingiu o objetivo final. Na faixa de 0 a 3 anos de idade, os números são bem mais alarmantes: somente 32,7% das crianças foram atendidas no Brasil em 2017, segundo a Pnad Contínua da Educação, divulgada pelo IBGE. As razões variam desde uma escolha dos pais até dificuldades de acesso, falta de vagas ou falta de escolas na região.

Com cobertura de apenas 12,8% na educação infantil, os estados do Amazonas e Amapá apresentam as menores taxas no relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE. Em Manaus, por exemplo, a prefeitura tem apenas 14 creches para atender 4.000 crianças, segundo a pedagoga Isis Tavares, que dirige o Sinteam (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Amazonas).

"Quando se está administrando uma cidade, no mínimo tem de se fazer o exercício de pensar o futuro. E o que a gente vê é que se trabalha para manter as coisas como estão para que aquilo seja sempre o mote para prometer que vai resolver", afirma a professora.

Defensoria Pública/RJ Defensoria Pública/RJ

Procura-se creche

No início do ano letivo de 2018, longas filas de mães com filhos pequenos se formaram na Defensoria Pública do Rio de Janeiro para garantir vagas na educação infantil na rede pública municipal. Em 2017, faltavam quase 40 mil vagas para crianças de 0 a 3 anos e cerca de 30 mil para a faixa de 4 e 5 anos somente na capital fluminense, segundo dados da Secretaria Municipal da Educação.

Coordenadora dos Núcleos de Primeiro Atendimento e titular do Núcleo de Família, Infância, Juventude e Idoso de Jacarepaguá (zona oeste do Rio), a defensora pública Fátima Saraiva diz que a procura pela defensoria para garantir vagas na rede pública tem crescido desde 2014. "Temos sinalizado para a prefeitura. O déficit é grande, principalmente para o berçário", afirma.

O déficit de vagas é grande, principalmente para berçário. Houve omissão do poder público

Fátima Saraiva

Fátima Saraiva, defensora pública

Nos dois primeiros meses de 2018, a defensoria entrou com três milhões de ações judiciais na zona oeste do Rio para garantir essas vagas. "Faltou investimento de setores públicos em saúde e educação ao longo dos anos, não só atribuído à crise econômica. Houve omissão", avalia Fátima.

Com 69,3 mil crianças fora da escola, a Prefeitura do Rio de Janeiro foi multada em R$ 3,25 bilhões em 2017. O acordo judicial com o Ministério Público e a defensoria prevê que o município faça um diagnóstico da demanda por bairro e apresente um plano de ação para ampliação das vagas em creches e pré-escolas com previsão orçamentária e cronograma de implantação.

A gestão do prefeito Marcelo Crivella (PRB) se comprometeu a criar 141.390 novas vagas em creches (76% de demanda) e outras 29.534 em pré-escolas para universalizar o acesso até 2024.

As promessas

Em Pernambuco, a falta de vagas em creches e pré-escolas também foi parar na Justiça. Levantamento dos conselhos tutelares do Recife aponta que mais de 800 crianças estão sem vagas. Na comunidade do Passarinho, na zona norte da capital, onde há somente uma escola municipal, são quase 100 crianças sem estudar.

Há dois anos, o MP entrou com ação judicial para que a Prefeitura do Recife construísse um novo colégio no Passarinho, além de garantir, em escolas particulares, a frequência das crianças sem vagas até conseguir atender à demanda. "Nada foi feito", relata o conselheiro tutelar Vado Luz, apesar dos protestos da população. Em nota, a Secretaria Municipal de Educação do Recife disse que reconhece o déficit na educação infantil no município, mas que vem ampliando o número de vagas.

"A Prefeitura descumpre o artigo 53 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que diz que é direito das famílias terem acesso a escola pública próxima da residência", afirma Luz. Sem frequência escolar, pais de crianças pequenas de baixa renda passam a ter dificuldade no acesso ao Bolsa Família.

Dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica, da ONG Todos pela Educação, apontam que 75,9% das crianças de 0 a 3 anos não estão matriculadas em nenhuma creche de Pernambuco. Na região Nordeste, são 74,6% das crianças com até três anos fora da escola.

Em Alagoas, segundo o anuário, há 16,7% das crianças de 4 e 5 anos sem estudar. O estado teria assim mais de 57 mil crianças em idade escolar fora das salas de aula, segundo o MP. Os números elevados, no entanto, não convenceram os vereadores de Maceió a incluir no Plano Plurianual da cidade uma verba de R$ 12 milhões por ano para a construção de creches.

Na Bahia, a Justiça determinou que a Prefeitura de Salvador providenciasse a matrícula das crianças de até 5 anos que estavam fora da sala de aula. Em 2017, mais de 4.200 matrículas não foram realizadas, de acordo com o MP. As famílias que não conseguem uma vaga recebem uma ajuda da prefeitura no valor de R$ 50 para que possam matricular os filhos em pré-escolas da rede privada.

Na Região Metropolitana de João Pessoa, a falta de vagas também lota os conselhos tutelares da capital da Paraíba. "Há um déficit de vagas na região, principalmente nos conjuntos habitacionais construídos pelo governo. Criam condomínios sem escolas, vira um colapso", critica o conselheiro Francisco de Assis.

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Na região Centro-Oeste, o déficit de vagas em creches e pré-escolas apenas nas capitais dos três estados e no Distrito Federal chega a quase 60 mil. Goiânia responde pela metade desse número, com 30.175 crianças na fila por uma vaga, de acordo com a prefeitura. O número supera a quantidade de crianças com idade de 0 a 6 anos que estão matriculadas atualmente na rede municipal.

Na mira do MP, a prefeitura aumentou a oferta de vagas além da meta de 10 mil vagas até 2017 estabelecida em acordo. Como o problema persiste, a Defensoria Pública trabalha num projeto de expansão da educação infantil na capital goiana em parceria com a administração local. "Nós entendemos as dificuldades do município, mas não podemos deixar de lado a implementação desse direito fundamental, que é educação, principalmente se tratando de crianças", diz a defensora Mayara Batista Braga, que atua na área da educação.

No Mato Grosso, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul, o déficit de vagas na educação infantil é bem menor em comparação a Goiânia. Em Campo Grande, 8.500 crianças de 0 a 6 anos ficaram sem vaga no primeiro semestre de 2018, e em Cuiabá havia 3.000 crianças aguardando vaga em junho, segundo a Secretaria Municipal de Educação.

No Distrito Federal, o atendimento na faixa de 4 e 5 anos melhorou, reconhece o defensor público Stefano Pedroso. "Houve aumento na disponibilidade de vagas do ano passado para cá, mas ainda há déficit. Abaixo de 4 anos é o caos", afirma. A melhora apontada por Pedroso na oferta de vagas na pré-escola deve-se ao cumprimento da meta de universalização do ensino para essa faixa etária na capital federal, estabelecida pelo PNE em 100% das crianças de 4 e 5 anos até 2016.

Houve melhora perceptível na faixa de 4 e 5 anos no Distrito Federal. Abaixo dos 4 anos, é o caos

Stefano Pedroso

Stefano Pedroso, defensor público

Carlos JR/Folhapress Carlos JR/Folhapress

Melhora no cenário

Na região Sul, a julgar por um relatório do TCE-RS (Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul), o acesso de crianças de 0 a 5 anos à educação infantil na rede pública está entre os melhores do país. Apesar dos bons dados levantados na Radiografia da Educação Infantil, a falta de vagas continua prejudicando a educação e a vida de milhares de crianças na região.

Segundo o estudo, Santa Catarina é o estado mais bem colocado, com cobertura total de 64,7% no atendimento à educação infantil no Brasil. No Paraná, oitavo no ranking nacional, a cobertura chega a 47,93% na faixa de 0 a 5 anos --uma melhora de quatro posições desde 2013. O Rio Grande do Sul, que estava na 19ª posição no atendimento à educação infantil em 2008, hoje é o sétimo no ranking nacional, com 48,13% de cobertura.

Uma das responsáveis pelo estudo, a auditora pública externa Débora Brondani, do TCE-RS, alerta que a preocupação agora é com a manutenção do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). É o fundo que financia boa parte da educação em centenas de cidades, mas tem validade apenas até 2020. "Existem muitos municípios que têm uma receita baixa e dependem dessa redistribuição de recurso. O fundo é fundamental, não pode haver retrocesso na legislação", afirma.

"O atendimento da Meta 1 do PNE pressupõe, inevitavelmente, a necessidade de maior colaboração entre a União, estados e municípios", defende Aléssio Costa Lima, presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e secretário de Educação de Alto Santo (CE). Ele afirma que, sozinhos, os municípios não têm condições financeiras de cumprir todas as obrigações constitucionais e as leis vigentes. "É o ente que tem o menor poder de arrecadação", justifica.

O papel de cada um na educação

O ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro chama a atenção para a eleição deste ano e alerta que o Brasil precisa acordar para o tema.

"É preciso comprometer a sociedade com uma ideia de educação. É muito sério quando você vê as pessoas se queixando muito mais da saúde e da segurança do que da educação", diz o professor. "É a educação que vai criar perspectivas para que possamos ter um futuro melhor."

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