Teto de vidro

Foco de atenção dos eleitores em 2018, combate à corrupção raramente marcou promessas de presidenciáveis

Filipe Strazzer, Ítalo Rômany, Kalinka Iaquinto, Matheus Riga, Sarah Teófilo e Thaise Constancio Do eder content
Fábio Rodrigues Pozzebom/ ABr

Nas últimas duas décadas, os brasileiros assistiram a um grande desfile de escândalos de corrupção envolvendo o setor público. A lista é extensa e variada: de obra de fórum superfaturado a desvios na Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), de mesada do governo aos parlamentares da base governista à venda de emendas orçamentárias para aquisição de ambulâncias nos municípios, da compra de votos por empresas em processos de dívidas tributárias ao superfaturamento de contratos da Petrobras para financiar o caixa de partidos políticos. Uma das maiores preocupações do eleitor brasileiro em 2018, a corrupção está longe de ser uma prioridade entre políticos que almejam chegar ao Palácio do Planalto e governar o país.

Entre 1998 e 2014, período que abrange cinco eleições presidenciais no Brasil, o termo “corrupção” foi citado apenas 76 vezes nos programas de governo dos nove candidatos que receberam, no mínimo, 10% dos votos válidos. Em relação ao total - que engloba também as menções aos temas educação, saúde, segurança e trabalho -, corrupção equivale a apenas 2,1%.

O período de maior referência ao tema foi em 2006, quando estourou o escândalo do Mensalão. De lá para cá, o tema sumiu da pauta e só voltou ao radar dos políticos em 2014, quando outra bomba sacudiu o país: a relação estreita e obscura entre empreiteiras, Petrobras e partidos políticos.

Esta reportagem integra uma série da eder content em parceria com o UOL sobre promessas de campanha. Leia também o primeiro capítulo, sobre política.

Márcio Alves / Agência O Globo Márcio Alves / Agência O Globo

A (falta de) atenção dos políticos ao combate à corrupção está, mais do que nunca, no radar dos eleitores. Pesquisa CNI/Ibope divulgada em março de 2018 revelou que 30% dos entrevistados estão pessimistas com o pleito deste ano e o principal motivo é a corrupção. “Em termos gerais, há um número expressivo de eleitores pessimistas porque querem um candidato honesto e não têm muita expectativa de encontrar esse candidato. Eles acham que nada muda, que os governos não vão mudar”, avalia Renato da Fonseca, gerente de pesquisa e competitividade da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Além da corrupção, a falta de confiança nos governos alimenta o pessimismo de 19% dos entrevistados.

Sem comentários

Pesquisador das causas e consequências da corrupção na sociedade, o economista Claudio Ferraz, professor da PUC-Rio e doutor em economia pela Universidade da Califórnia - Berkeley, nos Estados Unidos, diz que a qualidade do debate sobre candidatos e propostas é tão pobre no Brasil que nem mesmo temas que estão no centro das atenções há muito tempo são aprofundados na campanha eleitoral.

Como a classe política no país está profundamente envolvida com a corrupção, é “natural” que evite o assunto nas campanhas, principalmente se o candidato estiver implicado em esquemas, afirma Bruno Brandão, que representa a Transparência Internacional no Brasil. É por isso, segundo ele, que vingam os discursos e promessas superficiais nas campanhas - como a "Vassourinha", de Jânio Quadros, e o "Caçador de Marajás", Fernando Collor. “São sempre essas figuras de retórica de um discurso populista, superficial e que passa longe de uma discussão séria sobre políticas públicas”, diz Brandão.

Debruçado sobre investigações de gastos públicos desde 2005, Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da associação Contas Abertas, não vê qualquer movimento efetivo e coordenado da classe política no sentido de combater a corrupção - mesmo após os inúmeros desdobramentos da Lava Jato. “Temos mais de uma centena de políticos no Congresso que são réus no STF (Supremo Tribunal Federal) ou são investigados. É difícil imaginar que as soluções surjam deles”, disse. Até existem políticos isolados que buscam contribuir de alguma forma contra a corrupção, diz ele, mas não é nada coordenado, que envolva todo o Parlamento.

Corrupção é um tema do qual todos vão tentar fugir

Claudio Ferraz

Claudio Ferraz, economista e pesquisador

O novo "rouba, mas faz"

Se há um legado positivo dos escândalos de corrupção que sacudiram a República nos anos recentes, foi uma sociedade mais ativa e participativa, afirma Castello Branco. O texto inicial da Constituição de 1988, por exemplo, não continha os termos “transparência” e nem “controle social”, lembra. Somente 12 anos mais tarde que essas palavras foram incluídas na Carta Magna. “Estamos avançando, mas é um processo lento. E estamos em um momento decisivo, em que podemos ter mais avanços ou retrocessos”, disse.

Dados do Barômetro Global da Corrupção, coletados entre 2014 e 2017 pela Transparência Internacional em 119 países, mostram que 83% dos brasileiros acreditam que a população pode fazer a diferença contra a corrupção. “É o maior índice do mundo, há um grau avançado de conscientização nesse sentido”, diz Brandão. Mas a polarização acentuada do debate nas eleições recentes mostrou que o eleitor pode ter maior ou menor tolerância à corrupção conforme sua identificação ideológica.

“Antes era só o ‘rouba, mas faz’. Hoje temos o ‘rouba, mas faz social’, o ‘rouba, mas mata bandido’. Para cada grupo ideológico parece que tem uma justificativa de tolerância à corrupção”, critica. Ao aceitar os desvios de um lado ou de outro, o eleitor permite que a classe política adote essa posição de hipocrisia e distanciamento da questão, diz o representante da Transparência Internacional. “Os políticos ainda se sentem muito cômodos em ignorar completamente esse tema prioritário das preocupações dos brasileiros.”

Corrupção e discurso

Como alguns dos políticos mais conhecidos do país reagiram a acusações de irregularidades

Não basta ter leis

A maior evolução no combate à corrupção no Brasil nas últimas décadas, afirma Castello Branco, do Contas Abertas, são as leis que resultaram em maior transparência e acesso à informação. Isso inclui a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei da Transparência - que obrigou Estados e municípios a terem portais na internet - e a Lei de Acesso à Informação (LAI). “São textos bons, mas nem sempre essas leis são efetivamente aplicadas. Mas evoluímos muito”, avalia.

Para o cientista de dados Irio Musskopf, não falta transparência nem dados disponíveis. “A transparência existe, o dado está disponível. O problema é que ele não está acessível para a população”, disse. "Pai" da Rosie, uma estrela das redes sociais que fiscaliza os gastos de deputados e senadores com a verba da Cota Parlamentar, ele é o idealizador da Operação Serenata de Amor. Quando detecta algo suspeito, Rosie questiona o parlamentar no Twitter e mobiliza seus seguidores para fazerem o mesmo.

Rosie é um programa de computador, uma influenciadora digital criada com inteligência artificial em 2016 por meio de financiamento coletivo. Arrecadou R$ 80 mil em 60 dias e tornou-se o crowdfunding de tecnologia mais bem-sucedido da América Latina. Desde então, o olhar atento da robô já identificou R$ 3,6 milhões em reembolsos suspeitos.

Em qualquer lugar do mundo, a corrupção reflete o próprio povo. É preciso lutar contra ela diariamente

Irio Musskopf, cientista de dados 

Segundo Musskopf, no início, os reembolsos aos parlamentares disponibilizados no site da Câmara dos Deputados estavam em um formato de difícil acesso para a população. Quando a equipe de dados da Câmara descobriu o projeto, chamou a turma da Serenata de Amor para falar sobre a Operação. “Tivemos espaço para dar feedback, e hoje você tem um portal muito melhor do que era”, comemora Musskopf.

Em ano de eleições majoritárias no país, a família Serenata de Amor deve crescer. O próximo projeto do "pai" da Rosie é fazer pesquisa dentro da área de lobby, descobrindo os interesses de todos os candidatos a cargos públicos por meio de observação dos dados disponíveis.

Renato Costa/Folhapress Renato Costa/Folhapress

E as medidas contra a corrupção?

Mais recentemente, dois avanços foram impulsionados pelos grandes protestos que varreram o Brasil em meados de 2013. Foi quando passaram a Lei Anticorrupção, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos praticados contra a administração pública, e a Lei do Crime Organizado, que trata de investigação criminal e os meios de obtenção da prova (dentre eles a delação premiada). “E foi aí que começou o castelo de cartas, em que as denúncias foram se sucedendo e os políticos foram sendo pegos”, afirma Castello Branco, do Contas Abertas.

No primeiro semestre de 2016, o impacto da Lava Jato impulsionou a coleta de dois milhões de assinaturas num projeto encabeçado pelo Ministério Público Federal que propõe 10 medidas de combate à corrupção no Brasil. Sob pressão popular, o projeto chegou ao plenário da Câmara dos Deputados em cerca de cinco meses. Votado numa sessão que entrou pela madrugada de 30 de novembro de 2016, saiu dali desfigurado pelos parlamentares. Desde então, está parado numa comissão do Senado há mais de um ano.

eder content
Andre Penner/AP Andre Penner/AP

Queda de braço

“Praticamente todas as medidas foram destruídas uma após a outra, e todo esse pacote foi substituído por uma proposta não contra a corrupção, mas a favor da corrupção”, afirma o procurador da República Deltan Dallagnol, um dos coautores das 10 Medidas, numa referência à chamada Lei do Abuso incluída no projeto. Foi o artifício encontrado pelos parlamentares para responsabilizar juízes e membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade e puni-los quando se expressarem publicamente sobre processos em andamento.

Sem expectativa de que qualquer proposta consistente seja aprovada na legislatura atual, o procurador diz que somente um Congresso Nacional com políticos mais engajados no tema poderá levar adiante um expressivo pacote anticorrupção. “Pesquisadores afirmam que Congressos altamente corruptos não passam reformas anticorrupção consistentes, quer porque vão perder benefícios, quer porque eles podem ser punidos pelas leis que aprovarem”, afirma Dallagnol.

Ficha limpa

Saiba como verificar a situação de seu candidato com a Justiça

Começar de novo

Quem passar pelo teste das urnas em outubro de 2018 e chegar ao Congresso será confrontado com um novo pacote anticorrupção assim que tomar posse, em fevereiro do ano que vem. Chamado de “Novas Medidas Contra a Corrupção”, um projeto da Transparência Internacional com a FGV Direito Rio/SP que reúne 84 propostas está em fase final de elaboração.

São projetos de lei e propostas de emendas à Constituição com soluções permanentes para enfrentar o problema no longo prazo. Todas, segundo os organizadores, foram preparadas por cerca de 200 especialistas convidados pela FGV e chanceladas pela sociedade civil por meio de consulta pública.

Esse, aliás, é o diferencial em relação às 10 Medidas apresentadas pelo Ministério Público. “Nós queremos valorizar essa forma de contribuição, de especialistas da sociedade e por meio da consulta pública”, diz Michael Mohallen, professor da FGV Direito Rio e um dos coordenadores do projeto, que inclui professores, acadêmicos, juízes, promotores e servidores públicos.

Corrupção tipo exportação

O avanço da Lava Jato no Brasil abriu uma caixa de Pandora que se espalhou por diversos países da América Latina. O modelo de corrupção envolvendo construtoras e empreiteiras brasileiras chegou a pelo menos 11 países. Desde então, chefes de Estado, ex-ministros e funcionários do alto escalão dos governos estão presos ou sendo investigados.

Para o diretor executivo da ONG peruana Proética, Walter Albán, a corrupção na América Latina tomou tal dimensão porque não foram tomadas medidas e adotadas reformas que pudessem aprofundar o combate à impunidade. “Quando o presidente Alberto Fujimori (1990-2000) saiu do governo, todos os políticos se comprometeram a lutar contra a corrupção e pelos direitos humanos. Porém, reformas institucionais não foram levadas adiante. Estamos pagando por isso hoje, permitindo que a corrupção esteja vigente e ainda mais forte”, diz Albán.

A sociedade civil precisa voltar a ser protagonista, não cruzar os braços, ser vigilante, apresentando propostas para que o Estado seja mais forte institucionalmente

Walter Albán

Walter Albán, diretor executivo da ONG peruana Proética

Eleito em junho de 2016, o presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, não ficou nem dois anos no cargo. Acusado de receber propina para favorecer a empreiteira brasileira Odebrecht no país quando atuava como ministro da Economia (2004-2006), ele nega as acusações. Em março de 2018, Kuczynski renunciou à presidência do Peru. Antes, concedeu um indulto humanitário ao ex-ditador Alberto Fujimori em troca dos votos do partido de Keiko Fujimori para evitar um impeachment no Congresso local.

Professor de Ciências Políticas da Universidade de Buenos Aires, Amilcar Salas Oroño alerta que políticos da oposição de países como Argentina, Equador e Peru se apropriaram do discurso contra a corrupção para ganhar eleições, mas o problema continua. “É preciso que o cidadão tenha atenção com os discursos que surgem dos candidatos, ver a história pessoal de cada um deles”, recomenda.

Série Promessa É Dívida

  • Bem-vindo a ontem

    Prática política é de só dizer o que o eleitor quer ouvir a cada 4 anos

    Imagem: Apu Gomes/Folhapress
  • O eleitor paciente

    Saúde pública opera no vermelho com saldo de 20 anos de promessas

    Imagem: Maurício Maranhão
  • Bomba-relógio

    Propostas para segurança "dormiram" por anos nas gavetas do Congresso

    Imagem: Mauro Vieira/Agência RBS
  • Má educação

    Propostas de colocar todas as crianças na escola não foram cumpridas

    Imagem: Edson Silva/Folhapress

Curtiu? Compartilhe.

Topo