Chegou a fatura do cartão

Veja o que mudou, de fato, para os consumidores oito meses após novas regras do rotativo do cartão de crédito

Téo Takar Colaboração para o UOL, em São Paulo
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Mudança na regra foi importante para redução das taxas

Faz pouco mais de oito meses que mudaram as regras do rotativo do cartão de crédito. Agora, o consumidor só pode usar esse tipo de financiamento por, no máximo, 30 dias. O objetivo do Banco Central foi acabar com o efeito "bola de neve" na dívida de quem não paga o valor total da fatura.

O rotativo, da forma como estava, era impagável.

Roberto Vertamatti, da Anefac

Para Roberto Vertamatti, diretor de Economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), a mudança ajudou a reduzir as taxas de juros e conter o endividamento excessivo da população.

O diretor executivo da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Ricardo Vieira, afirma que a nova regra foi essencial para que as administradoras de cartão pudessem cortar as taxas de juros praticamente pela metade.

A queda da Selic [taxa básica de juros, que caiu de 12,25% ao ano em abril para 7% em dezembro) ajudou. Mas, sem dúvida, o impacto maior [para o rotativo] veio da mudança na regra feita pelo Banco Central. Foi uma medida extremamente benéfica para o consumidor.

Ricardo Vieira, da Abecs

Também foi positivo incluir nas faturas informações sobre o crédito parcelado, porque serviu para mostrar ao consumidor que há opções de financiamento mais baratas, diz Bruno Poljokan, diretor da plataforma de crédito online Just.

Ao limitar o uso do rotativo a 30 dias, a nova regra ajudou o consumidor a ficar menos tempo exposto a esse tipo de crédito, que é um dos mais caros que existem. Quem fica nesse padrão de dívida por muito tempo dificilmente consegue sair.

Bruno Poljokan, da plataforma de crédito online Just

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Juro do rotativo caiu pela metade, mas só para quem paga em dia

A taxa média de juros do crédito rotativo caiu pela metade desde a implantação da nova regra, em abril. Ainda assim, continua bem salgada, em torno de 220% ao ano (equivalente a 10,2% ao mês), segundo dados do BC.

Porém, essa queda expressiva só foi sentida pelo consumidor que consegue pagar pelo menos o valor mínimo da fatura do cartão até o dia do vencimento.

Para quem atrasa o pagamento ou não consegue pagar nem o valor mínimo, a taxa de juros caiu, mas bem menos: da casa de 500% ao ano (equivalente a 16,1% ao mês) para 400% ao ano (14,3% ao mês). Esse caso é chamado de rotativo "não regular".

O alívio aconteceu principalmente porque, após 30 dias, a dívida tem que ser quitada ou transferida do rotativo para o parcelado. Nessa modalidade de crédito, o juro médio cobrado do consumidor está hoje em 167% ao ano (8,5% ao mês), segundo o BC.

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Especialistas recomendam evitar o crédito parcelado

Apesar de os juros do crédito parcelado serem menores que os do rotativo do cartão, especialistas alertam que a taxa ainda é superior à da maioria das opções de financiamento disponíveis no mercado.

Um estudo da Anefac mostra que a taxa média do crédito pessoal está em 4,2% ao mês nos bancos e em 7,6% ao mês nas financeiras. No crédito consignado, cujas parcelas são descontadas diretamente do salário, a taxa é ainda menor: em torno de 2,5% ao mês.

Quem está devendo no cartão deve buscar um empréstimo com juros menores, pegar o dinheiro e quitar a fatura do cartão de crédito à vista, afirma Roberto Vertamatti, da Anefac.

O ideal é que o consumidor fuja do rotativo e também do parcelado.

Roberto Vertamatti, da Anefac

Ele fez um empréstimo e pagou dívida do cartão

Foi o que fez Victor Alves, 23, que mora em São Paulo. O arquiteto viu seu orçamento apertar quando chegou a fatura de novembro, no valor de R$ 1.425,00. "Fiz muitas compras a prazo, e a soma de todas as prestações acabou pesando nesse mês e também vai pesar na fatura de dezembro."

Se escolhesse o parcelamento oferecido pela administradora do cartão, Alves pagaria 12 vezes de R$ 188 para quitar a fatura. Depois de pesquisar opções de crédito pessoal, acabou contratando um empréstimo de R$ 2.000, dividido em 12 parcelas de R$ 207.

"Consegui pagar a fatura de novembro e ainda vou ter uma folga de R$ 575 para usar no pagamento da fatura de dezembro. Apesar do empréstimo maior, a taxa de juros foi bem menor. Por isso, vou pagar só R$ 19 a mais por parcela", conta.

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Empréstimo para quitar fatura sai até 21% mais barato que parcelamento

Uma simulação feita pela plataforma de empréstimo online Just mostra que o consumidor consegue economizar quase 21% nos juros, se contratar um empréstimo pessoal para pagar a fatura do cartão de crédito, em vez de entrar no rotativo e contratar o plano parcelado oferecido pela administradora do cartão.

O cálculo foi feito para o pagamento de uma fatura de R$ 1.000 ao longo de 12 meses. Veja os resultados:

Opção 1 - Pagar apenas o valor mínimo da fatura no vencimento, entrar no rotativo por um mês e depois usar o parcelamento de 11 meses para pagar o saldo restante.
Gasto total: R$ 3.253,37. Taxa de juros média: 10,3% ao mês.

Opção 2 - Contratar um crédito pessoal de R$ 1.000 pelo prazo de 12 meses e usar o dinheiro para pagar a fatura total do cartão no vencimento.
Gasto total: R$ 2.574,70. Taxa de juros: 8,2% ao mês.

Resultado: Empréstimo pessoal (opção 2) permite economizar R$ 678,67, ou 20,8%, em relação ao uso do rotativo e do crédito parcelado (opção 1).

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Muitos consumidores ainda desconhecem mudanças

Roberto Vertamatti, da Anefac, diz que as mudanças no rotativo ainda não ficaram claras para a maioria da população. "Há um problema de entendimento, principalmente no que diz respeito à sistemática de migração do rotativo para o parcelado." A coordenadora do Procon-SP, Renata Reis, tem avaliação semelhante.

O que temos percebido é que ainda há muitas dúvidas sobre os cálculos feitos na fatura, seja do valor total, do mínimo ou do parcelamento.

Renata Reis, do Procon-SP

Uma pesquisa feita pelo Procon-SP em junho com 307 consumidores mostrou que metade não sabia da mudança na regra do rotativo. Entre os que sabiam da mudança, apenas 34% disseram que foram informados pela administradora do cartão.

A Abecs afirma que tem estimulado as empresas de cartões a divulgarem as mudanças no rotativo e esclarecer dúvidas. "Antes mesmo do início da vigência da norma, realizamos diversas ações de comunicação esclarecimento", afirma o diretor executivo da entidade, Ricardo Vieira.

Forma de calcular valor mínimo da fatura também mudou

Renata lembra que a nova norma do rotativo mudou a forma de cálculo do valor mínimo da fatura. Antes, o consumidor podia pagar 15% do valor dos gastos do mês e 15% dos encargos do rotativo e jogar o saldo restante para o mês seguinte. Esse processo se repetia todo mês, indefinidamente.

Com a nova regra, o valor mínimo da fatura passou a ser formado por 15% das compras do mês mais 100% do saldo e dos encargos no rotativo referente à fatura anterior, além das eventuais parcelas de faturas anteriores.

E surgiu uma terceira opção de pagamento da fatura: o crédito parcelado. Nesse caso, o consumidor paga os 15% das despesas do mês atual, a primeira parcela da dívida que estava no rotativo, além das eventuais parcelas de faturas anteriores.

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Parcelamento não pode ser obrigatório, alerta Procon

Renata Reis afirma que o Procon-SP começou a receber um novo tipo de reclamação após a vigência da nova regra. "Algumas administradoras de cartões transformaram o parcelamento automático em compulsório, o que viola o código de defesa do consumidor." Ela diz que o consumidor tem o direito de escolher como quer pagar.

Ele pode propor um número diferente de parcelas ou procurar em outra instituição financeira uma linha de crédito mais barata para pagar a fatura cheia. O consumidor não é obrigado a aceitar a condição de parcelamento que aparece na fatura.

Renata Reis, do Procon-SP

Além disso, Renata alerta que o parcelamento pode comprometer ainda mais a situação financeira do consumidor. "As administradoras de cartão estão impondo o parcelamento automático sob a justificativa de que, desta forma, evitam que o cliente fique inadimplente."

Segundo ela, a empresa sugere o parcelamento como solução, mas, muitas vezes, não verifica se o cliente realmente conseguirá pagar aquelas parcelas.

Não adianta nada oferecer um parcelamento hoje se, lá na frente, o consumidor não conseguir pagar. Ele vai ficar inadimplente do mesmo jeito.

Renata Reis, do Procon-SP

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