Um país quebrado tem saídas?

Representantes de 15 setores cruciais da economia apontam os problemas que o próximo presidente vai enfrentar

Aiuri Rebello Do UOL, em São Paulo
Arte UOL

O que fazer?

Não faltam desafios para quem ganhar as eleições presidenciais deste ano e for assumir o Palácio do Planalto a partir de janeiro de 2019: combater a corrupção, recuperar a credibilidade do governo, fazer o país voltar a crescer, gerar empregos, equilibrar as contas públicas, recuperar capacidade de investimento do Estado e de atração dos investimentos privados, reforçar a saúde pública, melhorar a educação, a segurança pública, o transporte urbano, as rodovias, construir trilhos... 

Mas, na prática, o que fazer, como fazer e o que fazer primeiro para tirar o país do buraco?

Para responder a esta questão, o UOL entrevistou representantes de 15 confederações e associações empresariais, entidades de classe, centrais sindicais e conselheiros de grandes empresas: o que eles precisam do novo presidente para ajudar o Brasil a sair da crise?

Algumas medidas necessárias são consenso, outras geram controvérsia e outras, ainda, opõe diametralmente grupos econômicos distintos da sociedade brasileira. Setores diferentes têm necessidades distintas, e muitas vezes essas são inconciliáveis. Não vai dar para agradar todo mundo o tempo todo. O que fazer?

Fontes: IBGE, Banco Central, Congresso Nacional, CNT, Presidência da República, CNTA e CNI

Mãos às obras

Para sair da crise, o Brasil precisa de obras: infraestrutura de transportes inter-regional (ferrovias, rodovias e hidrovias), habitação, saneamento básico, metrô, trens e obras viárias urbanas, silos de armazenagem, novos e melhores portos, aeroportos.

"O Brasil é uma das poucas grandes economias do mundo onde ainda está tudo por fazer em matéria de infraestrutura", diz Bruno Batista, diretor-executivo da CNT (Confederação Nacional dos Transportes). "Na Europa, EUA, China e Japão, já está tudo construído. A fronteira da construção civil hoje é o Brasil."

Para exemplificar a situação, Batista faz uma comparação: em 2015, ele conta que a cidade de Xangai, na China, já possuía 588 quilômetros em linhas de metrô, e esse número tem subido desde então. Hoje a cidade de São Paulo, o lugar onde mais tem metrô no Brasil, conta com algo em torno dos 90 quilômetros (previsão do governo de SP para até o fim do ano).

"Trabalho a ser feito, empresas e trabalhadores não faltam", diz. "Precisamos de uma política de Estado para a infraestrutura, um planejamento para os próximos 20 anos, e não uma política de governo, que é descontinuada. Perde-se cada vez mais tempo e nossa situação é cada vez mais grave."

Emprego e qualificação 

De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2016 o Brasil fechou 4.000 empresas de construção civil, com 429 mil postos de trabalho perdidos. Os números do setor sobre 2017 ainda não estão consolidados, mas a tendência é de nova queda nesse mercado.

Em 2015 e 2016, a retração em número de empregos no setor foi de cerca de 15% ao ano. É muita coisa, e parte expressiva do desemprego está aqui. As seis maiores empreiteiras do Brasil -- Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Mendes Júnior e Constran (da UTC), todas envolvidas na Operação Lava Jato -- tiveram suas receitas reduzidas a um quarto desde 2015. Somadas, encolheram R$ 55 bilhões em faturamento. Só nessas seis empresas, são cerca de 200 mil postos de trabalho a menos no mesmo período.

"A construção civil é o único setor que é intensivo sobre a mão de obra, capaz de contratar uma grande quantidade de pessoas rapidamente, mesmo desqualificada, e ir qualificando ao longo do serviço", afirma José Elias Hiss, presidente da Apemec (Associação de Pequenas e Médias Empresas de Construção Civil do Estado de São Paulo). "Nenhum outro setor tem capacidade de animar a economia tão rápido com tanta força."

"A empresa com contrato é a empresa que contrata. Empregado, o trabalhador por sua vez gasta com suas demandas pessoais e familiares, esse gasto movimenta o comércio, por exemplo... É isso que põe a economia para girar", afirma Hiss.

Vagner Freitas de Moraes, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), concorda. "Esse trabalhador fora do mercado de trabalho também está fora do mercado interno, não consome, não arrecada e alimenta a crise", argumenta. 

De acordo com a CNT, só na área dos transportes existem 2.043 projetos de integração nacional e dentro de áreas urbanas que resolveriam o problema de transporte de passageiros e cargas no Brasil, a um custo de R$ 1 trilhão. "É um valor alto, mas ele só aumenta a cada ano que passa. É o resultado de décadas de desinvestimento em infraestrutura", afirma o presidente da CNT.

Pawel Kopczynski/ Reuters/Arte UOL Pawel Kopczynski/ Reuters/Arte UOL

Obras paradas

Além das obras por fazer, o Brasil é pródigo em canteiros de obras parados. Segundo levantamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria), existem hoje no país 2.796 obras públicas paradas. Destas, pelo menos 400 são de saneamento básico -- de acordo com o IBGE, mais de 60% dos brasileiros não contam com esgoto e água encanada em casa.

"Obra parada é obra cara, além de atrasada", afirma o presidente da Apemec. "É urgente terminar de fazer o que foi iniciado. Só aí nesse pacote tem trabalho para dar uma chacoalhada no desemprego e forçar uma recuperação econômica mais firme."

De onde vai sair o dinheiro para isso tudo? Essa é uma outra história, sobre a qual não há consenso (leia mais abaixo).

Marlene Bergamo/Folhapress Marlene Bergamo/Folhapress

Na sala de aula, Brasil está ficando para trás

Entra ano sai ano, diversos indicadores internacionais e domésticos demonstram que a educação no Brasil vai mal. Tanto na esfera pública como na privada, os alunos brasileiros em média saem-se pior mesmo que estudantes de países mais pobres do que o nosso. O drama repete-se em todos os níveis. Do Ensino Fundamental ao Ensino Superior, o estudante brasileiro é mal formado. 

"Nossa mão de obra é fraca e mal qualificada, em todos os níveis e em quase todos os setores", afirma José Augusto Fernandes, diretor de Políticas e Estratégia da CNI (Confederação Nacional da Indústria). "Sem educação de qualidade, o país não vai dar certo, simples assim. Essa deficiência mina nossa competitividade, o trabalhador brasileiro não rende igual o estrangeiro."

Isso fica claro nas avaliações internacionais. O Pisa -- principal instrumento usado para comparar o ensino de diversos países -- mostrou que 61% dos brasileiros não termina a primeira parte da prova aplicada na avaliação. Muito acima do índice de colombianos que não termina a primeira etapa, de 18%, por exemplo.

O Pisa de 2015, a edição mais recente, avaliou jovens de 15 e 16 anos em 70 países, abordando matemática, leitura e ciências. A média geral deixa o Brasil nas últimas posições: fica na 63ª posição em matemática, 58ª em leitura e 65ª em ciências. Organizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), uma entidade que reúne países desenvolvidos, o exame ocorre a cada três anos e serve como referência para políticas públicas.

"Investir em Educação é investir no crescimento econômico, na competitividade e no emprego de longo prazo, além da qualidade de vida do trabalhador e da população", concorda Vagner Freitas de Moraes, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

"Hoje é possível ter aula no melhor laboratório, com o melhor professor na melhor universidade do país à distância, para um sem número de alunos pelo computador, tablet, celular... isso é revolucionário e não estamos aproveitando", afirma José Roriz Coelho, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). "Temos de otimizar os recursos disponíveis, esse é um exemplo claro de como fazer isso." 

"Falta muita eficiência. Hoje, o Estado brasileiro está cerca de 30% defasado em relação à iniciativa privada do país em termos de tecnologia e processos, boas práticas de gestão. Falta tecnologia para o governo, e na área da educação isso fica claro. O país que não investe em educação de qualidade está fadado a fracassar."

Tenho até pena de quem for assumir a Presidência da República

Clemente Ganz Lúcio, Diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)

O custo da (falta) de segurança pública

Geralmente associada no noticiário às grandes regiões metropolitanas de Norte à Sul, o problema da (falta de) segurança pública no Brasil assola também cidades pequenas, o campo e as rodovias país afora. Além de ninguém estar de fato seguro, a situação custa caro, constituindo-se em mais um entrave para o crescimento econômico continuado. 

Nos últimos 20 anos, o Brasil teve um prejuízo de R$ 450 bilhões devido ao elevado número de homicídios. Temos 17 cidades no ranking das 50 áreas urbanas mais violentas do mundo, mas fora das cidades -- e dos holofotes em geral -- o problema também está fora de controle causando muitas perdas, inclusive para a economia.

"Antes até da questão da infraestrutura inadequada -- o Brasil tem apenas 12,3% das suas rodovias pavimentadas -- o transportador de carga hoje precisa de segurança para trabalhar", diz Diumar Deléo da Cunha Bueno, presidente da CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos).

"Estamos muito carentes nesse aspecto. Ser caminhoneiro sempre foi uma profissão de risco, por causa dos acidentes, e agora é mais ainda por causa dos assaltos. No início do ano, fomos a um evento da PRF [Polícia Rodoviária Federal] em Brasília, onde apresentaram um panorama explicando que faltam pelo menos 2.000 homens nos quadros da corporação", diz o sindicalista. 

De acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial e do Fórum Nacional de Combate à Pirataria e à Ilegalidade, em 2017 o roubo de cargas custou R$ 1,5 bilhão em todo o país. "Não existe nenhuma ação específica para combater isso, a PRF e as PMs dividem a atenção desse problema com acidentes e todo o tipo de ocorrência nas estradas. Então eu pediria para o novo presidente focar na questão da segurança. Isso é para já", afirma Bueno.

Fábio Motta/Estadão Conteúdo/Arte UOL Fábio Motta/Estadão Conteúdo/Arte UOL

"Não dá para morar na fazenda: é muito perigoso"

"Hoje o produtor não consegue deixar trator, equipamento, insumos e nem a produção na fazenda, tem que ficar tudo em depósito nas cidades", afirma Marcelo Vieira, presidente da SRB (Sociedade Rural Brasileira). "Hoje não dá mais nem para o produtor morar na fazenda que está muito perigoso", diz ele, que produz café no sul de Minas Gerais e já foi assaltado na propriedade rural mais de uma vez.

"Na última, invadiram pelos fundos cortando a cerca, renderam quem estava lá, entraram com um caminhão, carregaram e roubaram 150 sacas de café torrado para exportação. Eu não tinha conseguido levar toda a produção para o armazém na cidade, que já estava cheio, e perdi", diz Vieira. 

Segundo ele, apenas uma minoria dos produtores rurais, mesmo nas grandes fazendas, consegue contratar segurança particular adequada para as propriedades. "E por mais que tenha segurança privada, armamento, se chega uma quadrilha grande e bem armada, como geralmente é o caso, não há o que fazer, ninguém quer ficar trocando tiro com bandido de rifle. Só a polícia resolve. Acho que devia ser criada uma patrulha rural, talvez na polícia ambiental que nem está acontecendo no interior de São Paulo, não sei. A situação é desesperadora, não temos com quem contar."

"Fizemos um encontro nacional, e depois de dois dias chegamos à conclusão que este é o pior problema, dentre tantos, que o produtor rural enfrenta hoje no Brasil", afirma o presidente da SRB. 

Juros nas alturas: "Ninguém aguenta mais isso no Brasil"

No Brasil, até representantes dos setores bancário e financeiro concordam que os juros são demais, altíssimos, e um grave problema estrutural da nossa economia. Os juros são elevados tanto para as empresas que pegam emprestado para investir quanto para os consumidores que pegam emprestado para comprar as coisas. Quem já parou para comparar o preço de um mesmo carro à vista ou parcelado (na prática, um empréstimo) sabe bem do que os economistas estão falando.

Os motivos apontados pelos especialistas são vários: falta de concorrência (são poucas opções de banco no Brasil), direcionamento do crédito para setores específicos, inadimplência alta e baixa recuperação de garantias nos empréstimos tomados por empresas e cidadãos, regras rígidas demais como os depósitos compulsórios do Banco Central, taxa básica de juros da economia (chamada de Selic, hoje em 6,5%) em média elevada e inconstante, notas baixas na classificação de risco feita por agências internacionais tanto do governo quanto de empresas, dentre outras razões.

"É importante trabalhar para a redução da elevada concentração bancária", afirma Everton Pinheiro de Souza Gonçalves, superintendente da Assessoria Econômica da ABBC (Associação Brasileira de Bancos). Para ele, uma maior competição no setor é o caminho natural para a queda dos juros no Brasil.

"Temos realizado esforços visando reduzir os efeitos negativos da concentração, como a constituição de uma câmara registradora de ativos e títulos financeiros, que deverá reduzir os custos operacionais das instituições, e a implementação de uma infraestrutura que possibilite aos associados uma maior utilização da rede de autoatendimento existente no Brasil", afirma. Para Gonçalves, a aprovação do cadastro positivo ajudaria muito neste movimento.

Recorde de lucros

No Brasil, os quatro maiores bancos -- Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander Brasil -- concentram 60% de todos os ativos financeiros do país. 

O governo do presidente Michel Temer tomou algumas medidas para tentar combater o problema, em conjunto com algumas medidas dos próprios bancos. Apesar disso, os juros do cartão de crédito chegaram a 303,6% ao ano mesmo depois de reduzido em cerca de 30%, e os do cheque especial bateram em 311,9% ao ano.

Enquanto a concentração bancária não diminui e os juros não caem de forma expressiva, os grandes bancos quebram recorde atrás de recorde de lucro e faturamento, mesmo em meio à crise que assola praticamente todos os outros setores da economia.

"Ninguém aguenta mais isso no Brasil", afirma José Roriz Coelho, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). "Precisamos diminuir o spread bancário [diferença entre o que o banco paga e o que cobra para captar e emprestar dinheiro] abusivo que existe por aqui. Hoje a gente tem no Serasa 70 milhões de brasileiros negativados, mais da metade da população economicamente ativa. Essas pessoas têm de voltar a consumir. E para isso precisam de juros civilizados. O caixa das famílias e das empresas é sugado pelo sistema financeiro", afirma.

"Cem anos atrás no Brasil você tinha mais de cem bancos privados, hoje são três", afirma José Carlos Martins, presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção). "Eles foram aglomerando, juntando em um só... Esse é um dos grandes desafios para o próximo presidente, abrir o mercado financeiro e baratear o crédito no Brasil."

Impostos justos para todos

Entre os 15 representantes de entidades, sindicatos e associações dos setores organizados da nossa economia entrevistados nesta reportagem, todos falam da necessidade de uma reforma tributária ampla. É necessário desonerar o consumo, a renda e a produção.

"Precisamos de uma reforma tributária na qual o rico e a riqueza fossem tributados, para começar", afirma Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). "Isso não acontece hoje no Brasil, quem é rico não paga imposto e faz isso legalmente, sem sonegar. Os ricos, seja pelo salário, seja pela renda financeira, seja aplicação, aluguéis, dividendos, pro labore, não importa... Tudo tinha que ter tributação progressiva, e não tem."

Para ele, outra reforma fundamental na área é tributar mais fortemente as heranças. "A sociedade não tem interesse que essa riqueza se acumule indefinidamente. Tem que ter uma tributação sobre a herança. Hoje o herdeiro paga de 4% a 8% de imposto sobre herança, de acordo com o estado. Seja um carro ou um trilhão de reais, a taxa é 4%. Dessa forma a riqueza é acumulada para sempre", diz Lúcio.

"Nos países ricos, desenvolvidos, você tem uma política clara de tributar progressivamente a herança, evitando que a herança vire um motivo de acumulo de riqueza e desigualdade que a sociedade não quer. É assim nos EUA. Estimulam a criação de fundações. Coloca sua grana lá, e ela vai financiar coisas para o bem coletivo. Tem problemas, não deixa de ser um mecanismo de evitar a cumulação infinita de pessoas físicas", explica o diretor-técnico do Dieese.

"Não faz sentido uma sociedade deixar que as pessoas acumulem algo que não é razoável acumular", diz Lúcio. Para ele, outra distorção é o não-pagamento de impostos sobre dividendos. "Qualquer um que tem CNPJ hoje não paga imposto de renda, recebe tudo como dividendo ou pro labore. Outra coisa é que, mesmo entre quem paga imposto de renda, a distorção é muito grande. Ganhe você R$ 5.000 ou R$ 100 mil, a faixa de imposto é a mesma: 27,5% do seu salário. Está certo isso?"

IR desatualizado: quem paga mais é você

Neste ano, por exemplo, o governo federal não atualizou de novo a tabela do IR (Imposto de Renda) -- o último reajuste foi em 2015. Segundo o Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), desde 1996 a defasagem na tabela do imposto de renda é de 88,6%. Isso significa que se a tabela fosse corrigida menos gente teria que pagar IR, e a maioria dos contribuintes pagariam um valor menor.

Hoje, não paga IR quem ganha até R$ 1.903,98 por mês. Se a tabela do IR tivesse sido atualizada (de acordo com o Sindifisco), a isenção seria para todos que ganham até R$ 3.556,56 mensais. Esses valores consideram o salário já descontado o INSS. Isso só na renda do cidadão. Tanto no investimento quando no consumo, a tributação elevada também é a regra.

"No Brasil a gente tributa o investimento, a exportação e o consumo final", diz José Augusto Fernandes, diretor de Políticas e Estratégia da CNI (Confederação Nacional da Indústria). "Está errado. Pega esse exemplo: se eu quiser abrir uma siderúrgica no Brasil, no México, na Austrália ou no Reino Unido. No Brasil eu começo com um custo tributário de 8% antes de começar a operar a planta. Nos três outros países, o custo tributário máximo é de 1%. Na maior parte do mundo é assim. O nosso sistema tributário joga contra, é anti-crescimento econômico", afirma Fernandes. "Até na prateleira do mercado. Dependendo do produto, mais de 30%, 40% do valor é imposto."

Na opinião dele, se ocorresse uma ampla reforma tributária -- desonerando consumo, renda e investimento -- apesar de que em um primeiro momento o governo arrecadaria menos, a médio prazo a arrecadação aumentaria bastante em função de um maior crescimento econômico.

"Além de serem muitos tributos e muito caros, as empresas têm uma dificuldade enorme de entender o sistema tributário brasileiro e conseguir pagar os impostos corretamente", José Roriz Coelho, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). "É muito complicado. Nosso sistema tributário, além de pesadíssimo, é confuso e ineficiente."

O problema é que com um déficit fiscal primário de pelo menos R$ 139 bilhões esperado para 2019, o governo não tem condições de abrir mão de arrecadação, e talvez seja obrigado a aumentar impostos a curto prazo, mesmo que isso significasse uma arrecadação maior no futuro, dizem economistas críticos da ideia.

"Esse raciocínio não faz sentido. Se o governo ajudar o país voltar a crescer, a arrecadação cresce junto. A cada 1% do PIB que cai, a arrecadação cai 1,5%. Aumentar impostos significa derrubar a arrecadação e aumentar o déficit", afirma o presidente da Fiesp.

Marcelo Fonseca/FolhapressFernando Frazão/Folhapress Marcelo Fonseca/FolhapressFernando Frazão/Folhapress

Investimento público ou privado, afinal?

Para fazer isso tudo que foi descrito ao longo da reportagem, vai precisar de dinheiro. De onde tirar? Quem paga a conta, o setor público ou o setor privado? A discussão sobre um maior ou menor nível de investimento do Estado na economia não é nova, e de acordo com os entrevistados não há consenso sobre o que o novo presidente do Brasil vai precisar fazer a partir do ano que vem.

"Como investir quando o governo federal, estadual e municipal estão quebrados?", pergunta Bruno Batista, diretor-executivo da CNT (Confederação Nacional dos Transportes). "Eu não sei, mas apesar dos problemas fiscais, os governos não podem lavar as mãos com este assunto", afirma.

"As obras de infraestrutura no geral são caras, exigem investimento intensivo por longos períodos de tempo. Na maior parte do mundo, o único que tem capacidade de fazer este investimento pesado são os governos, principalmente o governo federal. Em nenhum lugar do mundo a iniciativa privada vai investir mais em infraestrutura de transporte do que o poder estatal. Quem quer colocar seu próprio dinheiro em um projeto que às vezes não vai se pagar nem em cem anos? Só o governo."

Batista afirma que o governo federal tem investido muito pouco em infraestrutura de transportes, e que isso precisa mudar. Em 2012, o Orçamento da União trazia a previsão de R$ 28 bilhões de investimentos na área. Em 2018, a previsão é de R$ 11 bilhões. "Dos R$ 28 bilhões liberados em 2012, apenas R$ 13 bilhões foram gastos de verdade. A cada três anos, é como se o país deixasse de investir um ano inteiro. É uma perda média de 30% entre o que foi liberado e o que é de fato investido todos os anos."

José Roriz Coelho, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), não concorda. "Não acho que o investimento estatal é fundamental para alavancar a economia, não", diz. "O investimento estatal direto deve vir apenas aonde não há interesse para o investimento privado, educação de base e segurança pública, por exemplo. Enquanto o mercado particular tiver interesse em uma área, o governo deveria ficar fora e se concentrar naqueles projetos que só ele teria interesse de fazer."

Segurança jurídica 

"Acredito que o novo governo tem de trabalhar em uma regulamentação forte, bem feita, para conseguir atrair e alavancar investimentos privados, aumentar a segurança jurídica do investidor. Tem que ajudar o investidor privado fazer o país voltar a crescer", afirma o presidente da Fiesp. "Estabelecer regras claras, fazer bons projetos de parcerias e concessões, dar segurança jurídica, intervir e aplicar sansões quando não estiver funcionando... tudo sem surpresa, sem burocracias sem sentido, sem reviravoltas, judicialização dos contratos, enfim, todos os problemas que acontecem hoje."

 "O governo não tem capacidade de fazer tudo sozinho, é fundamental melhorar as regras e a segurança para os investidores privados colocarem dinheiro nestes grandes projetos de infraestrutura", diz José Elias Hiss, diretor-executivo Apemec (Associação de Pequenas e Médias Empresas de Construção Civil do Estado de São Paulo). "As concessões, privatizações e parcerias público-privadas têm de sair, ser mais atrativas para o mercado."

"Não vamos nos enganar: o setor público não tem mais dinheiro. Em 2014 o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] desembolsou efetivamente R$ 64 bilhões. Para 2019, estão previstos R$ 17 bilhões", afirma José Carlos Martins, presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção). "Investimento é sinônimo de confiança. O governo não precisa gastar um centavo. Precisa dar segurança política, jurídica e econômica para o investimento privado aparecer. Dinheiro para ser bem aplicado não está faltando no mundo. Está faltando confiança no Brasil."

Para o presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Vagner Freitas de Moraes, o Estado tem de priorizar o investimento público para reavivar a economia. "Temos de sair do círculo vicioso de cortar os investimentos públicos, que por sua vez derrubam o PIB, o que gera baixa arrecadação e, assim, gera mais déficit e mais cortes", afirma. "Quem paga a conta são os trabalhadores: desemprego, empregos precários, informalidade e baixos salários. Até quando?"

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