Dias de luta

Para eles, o MMA não é só um esporte: é também a salvação

Adriano Wilkson e Aiuri Rebello Do UOL, em São Paulo

#MMAsemlei

O MMA não é considerado um esporte pela lei brasileira. Há anos, o Congresso discute uma regulamentação para o esporte de luta mais popular do século 21, mas enquanto isso não acontece, a modalidade vive em um limbo, alheio à legislação.

Durante mais de um mês, o UOL Esporte entrevistou promotores, lutadores, técnicos e jornalistas especializados para criar reportagens sobre o mundo das lutas longe dos holofotes do UFC. A série #MMAsemlei tem quatro capítulos.

Este é o terceiro, que conta a história de lutadores que sonham sobressair esse mundo. Na primeira parte da série, mostramos como os promotores tentam, a sua maneira, colocar ordem na situação. O segundo é um relato da experiência de um jornalista que nunca treinou e, mesmo assim, foi chamado para subir no octógono. O capítulo final mostra as histórias trágicas de quem se arriscou e pagou caro por isso.

Você está preparado?

Por que vale a pena lutar?

Mais do que por dinheiro, eu luto pela glória de ser respeitado e pelos meus filhos. Quero ser um lutador campeão para que eles se orgulhem de mim e tenham um bom exemplo a seguir na vida quando crescerem

Thiago Tubarão

Thiago Tubarão, 30 anos

Realizei sonhos e conheci lugares e pessoas que nunca teria conhecido. Não me imagino fazendo outra coisa e sempre digo: quem faz o que ama não trabalha. A luta não é um trabalho, é uma paixão de tempo integral

Antônio Geleia

Antônio Geleia, 26 anos

Eu luto por que não quero que meu filho passe pelo que eu passei. Já passei fome, fui menino de rua, tive problemas com drogas e o MMA apareceu na minha vida para me salvar e me dar uma oportunidade de criar minha família

Rodrigo Cabeça

Rodrigo Cabeça, 21 anos

Aiuri Rebello/UOL Aiuri Rebello/UOL

Quem são e o que sonham

Ninguém sabe dizer quantos lutadores de MMA existem no Brasil. Mas por trás desse número desconhecido há histórias que precisam ser contadas.

Um garoto franzino trocou uma vida no tráfico na Amazônia para tentar a sorte nos octógonos de São Paulo. Outro estava sem rumo quando ouviu uma voz o incentivando a lutar. Um lutador tatuou um tubarão nas costelas e vive na corda bamba entre os treinos e o desejo de estar perto da família.

Muitos dividem seus dias entre a academia e trabalhos comuns: fora do octógono são pedreiros, garçons, cabeleireiras, cantoras, motoboys. Os atletas podem ter trajetórias bem diferentes, mas guardam em comum uma ideia fixa: a de chegar ao topo da carreira, o UFC. A seguir, você vai conhecer a história de algumas dessas pessoas.

Aiuri Rebello/UOL Aiuri Rebello/UOL

Largou o tráfico e fugiu da morte

Rodrigo "Cabeça" Serafiam deixou a mulher e um filho recém-nascido em Acará, na região metropolitana de Belém, e mudou-se para São Paulo. Peso-palha (até 52kg), ele persegue o sonho de se tornar um lutador respeitado.

Ex-morador de rua e ex-usuário de drogas, Cabeça foi abandonado pela mãe junto com um irmão mais novo quando era pequeno. O pai morreu antes disso. Chegou a se envolver com o tráfico e, segundo diz, "estava para morrer, não tinha futuro nenhum". Até encontrar um caminho de esperança no MMA. Um amigo mais velho que já participava de eventos no Pará o convenceu a tentar a vida como lutador.

Como a maioria dos lutadores, não consegue sustentar-se com o esporte. Em São Paulo, mora de favor na casa de um colega de equipe, treina de graça e recebe ajuda para se alimentar. Sem outro emprego, está longe de uma vida confortável.

"Amor, não tenho nada para comer"

Cantora dá seus primeiros passos no MMA

Laisa "Madame Dolores" Coimbra costuma se apresentar como cantora e percussionista em bares do interior do Paraná, mas ultimamente tem alimentado o sonho de virar lutadora profissional. Em agosto, recebeu uma proposta curiosa: lutar, em dois dias, contra Taila Santos.

A rival tinha um cartel de 13 lutas e 13 vitórias, dez por nocaute. Taila já tinha três anos de experiência, enquanto Laisa. tinha lutado apenas uma vez na vida. Na ocasião, thavia sido finalizada e machucara o ombro. Enquanto a maioria responderia ao convite com um sensato não, "Madame Dolores" disse sim.

Laisa descobriu na hora da luta que cotoveladas estavam liberadas. Levou três socos no nariz, baixou a guarda para buscar ar, respirou o próprio sangue. O juiz parou a luta. Nocaute técnico.

Estou engatinhando no MMA".

Laisa tem uma empresa que vende salgados e uma filha de 4 anos, Ana Vitória. Ela continua encarando lutas de MMA e de boxe.

Deus no Octógono

Encontramos Gilson Lomanto na semana em que ele defenderia seu cinturão do Thunder Fight, um dos maiores torneios de São Paulo. Lomanto é conhecido como o "Bom Pastor". É evangélico e tem a fala calma, paciente e incisiva de quem um dia pretende subir ao púlpito para espalhar a palavra. Quando não está falando, Lomanto dá socos, chutes e defende quedas. Começou ainda jovem no litoral paulista quando, um dia, ouviu uma voz falando dentro de sua cabeça.

Era Deus. Ele colocou no meu coração o desejo de lutar."

Foi atacado por uma virose na véspera de uma luta importante e temeu que a doença pudesse atrapalhá-lo. Por um golpe de sorte, a luta acabou adiada em uma semana. Conseguiu se recuperar e venceu. "Foi Deus, com certeza."

Quando nos encontramos, estava confiante em conseguir sua 11ª vitória na carreira. Dias depois, acabou vivendo sua sétima derrota, por submissão, para Lucas Mineiro, ex-lutador do UFC.

Aiuri Rebello/UOL Aiuri Rebello/UOL

Pedreiro sonhador

Não fossem os filhos e o sonho (tardio) de ser campeão, Thiago "Tubarão" dos Santos Guimarães, de 30 anos, já teria desistido do MMA. Pedreiro, todos os dias acorda cedo e pega condução. Come como dá. A partir das 21h, de cinco a seis vezes por semana, treina por até três horas. Volta para casa, em Osasco (SP), e descansa. As condições não são ideais. A academia não tem octógono, o tatame é improvisado e só tem um saco de pancadas. E ele não tem patrocínio ou dinheiro para suplementação alimentar. Não tem nutricionista, fisiologista, preparador físico ou fisioterapeuta.

Aiuri Rebello/UOL Aiuri Rebello/UOL

Motorista do Uber

Anderson "Berinja" dos Santos também é lutador profissional. Ao contrário de Tubarão, tem patrocínios e recebe bolsas, Mas não ganha dinheiro suficiente como atleta. "Nas horas vagas, dirijo para o Uber para reforçar a renda em casa. Também dou aulas de artes marciais". Mesmo assim, é um privilegiado. Treina três vezes por dia durante nove horas. Preparação física, técnicas de chão, luta em pé, nutricionista, fisioterapeuta e fisiologista. Suplementação, alimentação e turnos de descanso sob medida. Aos 31 anos, soma 15 vitórias e quatro derrotas como profissional.

No final de outubro, esses dois lutadores se enfrentaram no Gold Fight. Tubarão, com seu cartel de uma vitória e quatro derrotas, lutou na base da força de vontade. Era o maior desafio da carreira até então. Berinja, mais experiente, era o favorito.

O combate durou 2min11s.

A luta

Veja todos os capítulos da série #MMAsemlei

  1. 1

    Organizadores do caos

    Sem leis, MMA não é considerado esporte no Brasil e promotores fazem o que querem

    Imagem: Reprodução
  2. 2

    Vale todo mundo

    No MMA sem regulamentos, qualquer um pode subir ao octógono mesmo sem nunca ter treinado

    Imagem: Reprodução
  3. 3

    Dias de luta

    Para eless, o MMA não é só um esporte: é também a salvação (você está aqui)

    Imagem: Aiuri Rebello/UOL
  4. 4

    Tragédia final

    Como vivem (e como morrem) as vítimas de um esporte sem lei no Brasil (a ser publicado na segunda)

    Imagem: Reprodução

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