Eleição 3.0

Em 484 anos, veja como a tecnologia mudou como você vota

Lilian Ferreira Do UOL, em São Paulo
Caio Guatelli/Folha Imagem
Roosevelt Cássio/Folhapress Roosevelt Cássio/Folhapress

Um homem, 51 títulos de eleitor

Claudeomir Padre Lemos foi preso em 2015 ao abrir uma conta no banco em Goiânia. Os funcionários desconfiaram do documento apresentado por ele e chamaram a polícia. Ao ser fichado, seus dados também foram para a Justiça Eleitoral. Lá perceberam que Claudeomir tinha sua impressão digital cadastrada no sistema, e não só isso.

Ele já tinha ido a 51 cartórios eleitorais de Goiás e feito a biometria -- que registra a digital, única de cada pessoa. Todas as vezes saiu com um novo título de eleitor em mãos.

Por causa da biometria, conseguiram detectar que existiam 51 "pessoas" com a mesma digital. Antes dessa tecnologia, ele provavelmente conseguiria votar 51 vezes.

O caso de Claudeomir é só o mais representativo do total de 21 mil duplicações que já foram identificadas até hoje.

A primeira eleição

Na primeira eleição do Brasil, em 1532, os eleitores cochichavam o voto no ouvido de um escrivão. Isso porque quase ninguém sabia ler e escrever.

Votavam e eram eleitos os homens bons, o que, no caso, significava ser rico e poderoso - ou seja, nobre, senhor de engenho, militar de alta patente, dono de terras, de bens ou influente junto à Corte de Portugal.

Os poucos e privilegiados eleitores ficavam com a tarefa de escolher os homens bons que elegeriam, de fato, os ocupantes dos cargos. 

Com o tempo -- e com mais pessoas sabendo ler e escrever, o voto passou a ser escrito. No Império e no começo da República, qualquer papel servia para votar porque não havia cédula oficial. As urnas eram caixas de madeira. Depois foram usadas urnas de metal e também de lona. Só em 1955, o país passa a imprimir uma cédula oficial.

A 1ª vez em que o processamento dos votos foi eletrônico

Só há 22 anos a computação chegou à eleição. Em 1994, o computador já era comum, as pessoas tinham a máquina em casa ou pelo menos já estavam familiarizados com elas no trabalho. Elas escreviam, faziam contas e processavam inúmeros dados. O sistema era Windows, os celulares que existiam eram tijolões que só faziam ligações e... acredite, foi nesse ano que a internet nasceu (pelo menos como a conhecemos hoje). 

Esse foi também o ano em que o processamento do resultado foi informatizado. "Apenas a totalização dos dados foi automatizada, ou seja, o voto era manual, a contagem era manual, e o resultado era digital", explica o secretário de tecnologia da informação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Giuseppe Janino.

Mesmo com a novidade tecnológica, a apuração de votos começou no dia 4 de outubro daquele ano e só terminou no dia 7 -- 3 dias depois.

O vencedor nas urnas para a Presidência da República foi Fernando Henrique Cardoso para o mandato de 1995 a 1998.

Antes disso, a única tecnologia digital que havia sido empregada foi o cadastramento eletrônico dos cerca de 70 milhões de eleitores, em 1985. Em vez de as fichas dos eleitores serem em papel, as pessoas foram recadastradas em um banco eletrônico, que também criou o número único nacional do título de eleitor.

A chegada da urna eletrônica

O primeiro Código Eleitoral brasileiro, de 1932, já previa a criação de uma "máquina de votar" -- foi ele também que garantiu o voto secreto e o feminino.

Só mais de 50 anos depois, o conceito começou a virar realidade com estudos para a criação de uma máquina para eliminar a intervenção humana -- sujeita a falhas e manipulações-- no processo eleitoral. 

A premissa básica era evitar erros na contagem de votos e também evitar a coação dos eleitores --  por isso, o eleitor entra sozinho para votar, e os mesários acompanham o processo, como se fossem vigias.

Além disso, a urna eletrônica permitiu maior acesso dos analfabetos à eleição. Como era preciso ler e, principalmente, escrever o nome dos candidatos --nos casos em que havia muitos candidatos como vereadores e deputados -- esse direito ficava limitado. Por isso, um dos objetivos da urna era também tornar o voto mais fácil para essa população.

"A ideia era a urna ser usada de forma intuitiva, então fizemos as teclas na mesma posição do telefone, para facilitar para o analfabeto e o deficiente visual. O sistema é baseado em números, que são familiares para os analfabetos. Ele visualiza a foto do candidato, e o verde confirma. A tecnologia é inclusiva" Giuseppe Janino, do TSE

Em 1996, apenas um terço dos eleitores usou a urna eletrônica, ou 32 milhões de pessoas em 70 mil urnas espalhadas por 57 cidades. Em 1998, foram dois terços com votação eletrônica, e, apenas no ano 2000, todos os eleitores escolheram seus candidatos por meio eletrônico.

Já em 2004, foi a vez de introduzir o registro digital do voto. Assim, cada urna gerava um registro dos votos de maneira aleatória, que poderia ser útil em caso de recontagem. Até então, não havia um documento com os votos totais por urna.

Urna biométrica

Em 2008, a novidade foi a urna biométrica. Nesse sistema, cada eleitor é identificado por sua impressão digital -- e não existem duas iguais. O cadastramento das digitais começou naquele ano em três cidades.

Nestas eleições, só um em cada três eleitores irá usar a biometria, ou quase 40 milhões de brasileiros.

O sistema tem dois objetivos, o primeiro é garantir a identidade do eleitor -- para evitar que outra pessoa se passe por ele. O segundo é para impedir que uma mesma pessoa tenha vários títulos e vote mais de uma vez.

O cadastramento é caro, demorado e depende de verbas de cada Estado. Ainda faltam mais 100 milhões de pessoas para serem cadastradas. 

Os Estados de Alagoas, Amapá e Sergipe, além do Distrito Federal são os mais adiantados no processo de cadastramento.

A previsão é de que até 2022 todos os brasileiros tenham sua digital no sistema da Justiça Eleitoral.

Testes públicos de segurança

Sempre existem boatos e desconfiança de que seja possível fraudar a urna eletrônica -- e até que isso é bem fácil. Para quem diz isso, o TSE faz um convite: venha até aqui, com passagem e hospedagem gratuita, e nos mostre como isso é possível.

A partir das eleições deste ano, está valendo uma resolução que torna obrigatória e periódica a realização dos testes públicos de segurança do sistema eletrônico de votação e apuração. 

A primeira verificação da urna foi feita em 2002, pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que atestou a segurança do processo. Em 2008, foi a vez de ser adotado o sistema Linux nas urnas, que por ter código aberto é considerado mais confiável. Um ano depois aconteceu o primeiro teste público de segurança. Nesse teste, os convidados recebem a urna aberta para tentarem violar o sistema de votação. "É uma iniciativa importante para melhoria contínua do sistema de segurança", afirma Giuseppe Janino do TSE. 

Em 2012, foi feito o segundo teste, e, em 2015, aprovada a resolução. Neste ano, foi feito o terceiro teste com mais de 50 planos de ataque e nenhum conseguiu atingir o sistema, diz Janino.

"O processo era desacreditado. Esse foi o maior motivador para a introdução da tecnologia nas eleições. Foi uma quebra de paradigma. A tecnologia trouxe a precisão, celeridade, funcionalidade e segurança que só são possíveis com um sistema informatizado."

Vale lembrar que a urna NUNCA é ligada à internet. Ela tem um cartão de memória. A partir dos cartões, os dados são transmitidos, com a internet desligada, por uma rede segura do TSE presente em todos os cartórios eleitorais do país.

Antes e depois da urna eletrônica

Arte UOL
Reprodução Reprodução

Internet ajuda a escolher candidato

Com a longa lista de candidatos, sites e aplicativos tentam ajudar o eleitor na busca da melhor opção. Apesar do grande alcance da televisão - em que o tempo de propaganda eleitoral costuma influenciar votos --, ela tem pouca interatividade. Isso faz da internet um bom meio por permitir maior troca e engajamento entre eleitores e o político. 

Os sites vão desde explicações sobre as promessas de campanha, jogos e busca pelo passado dos candidatos até discussões sobre pontos relevantes para a cidade -- tudo para ajudar a escolher o candidato.

Se quiser comparar as propostas dos candidatos a prefeito, o site Meu Voto reúne informações de 18 cidades, como Belém, Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Maceió, São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.

Outra dica é pesquisar a atuação de seu candidato, caso ele tenha sido membro da Câmara e do Senado no projeto Excelências, da Transparência Brasil. É possível levantar as faltas, os projetos e como votaram nas decisões das casas.

Você pode também ver os repasses do Governo Federal para sua cidade e para que áreas eles são mais direcionados com o Repasse, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo em São Carlos. A ferramenta permite também comparar cidade e ver um ranking das que mais recebem dinheiro da União. A iniciativa é importante para que os cidadãos avaliem quanto dinheiro a cidade recebe e onde aplica; assim fica mais fácil analisar se as propostas dos candidatos estão de acordo ou não.

Para quem quer treinar o voto, há um simulador da urna eletrônica na página do Tribunal Superior Eleitoral.

Eleição no celular

  • QR Code

    O cidadão agora pode conferir se os votos de uma seção eleitoral estão certos no cômputo final do TSE. Isso porque fora de cada sala é afixado o Boletim de Urna, impresso logo após o final da votação com os votos daquela urna. Cada boletim terá um QR code que pode ser lido pelo celular e será direcionado ao site do TSE.

    Imagem: iStock
  • Pardal

    Utilizado desde as eleições de 2012 em alguns locais, o app agora está presente em todo o país para que eleitores notifiquem irregularidades nas campanhas. Um cidadão pode tirar a foto de um outdoor, por exemplo, o app reconhece o local e envia a denúncia para a Justiça Eleitoral, que irá analisá-la.

    Imagem: Divulgação
  • SAC MPF

    É possível fazer denúncias de crimes eleitorais também para o Ministério Público Federal. Dá para anexar documentos, fotos, áudios e vídeos (de até 12 MB) e indicar o local do fato por geolocalização. Os casos podem ser de propaganda eleitoral em outdoors, realização de showmícios, fixação de placas e cavaletes em praça pública, boca de urna etc.

    Imagem: Divulgação
  • UOL Eleições

    UOL Eleições 2016 traz as principais notícias, pesquisas e apuração dos votos em todos os municípios. Você pode ver a lista completa de candidatos a prefeito e vereador e fazer sua cola. Também é possível realizar busca por políticos e partidos que irão concorrer em cada cidade. No dia da eleição, o app acompanha a apuração dos votos ao vivo.

    Imagem: UOL

Do carro de som ao WhatsApp: mudanças nas campanhas

Esta é a eleição do celular. Nunca os brasileiros estiveram tão conectados por dispositivos móveis. A televisão ainda é grande propulsora das campanhas, mas não se engane: a briga já é por sua timeline e WhatsApp -- mas isso é tema para outra reportagem.

Com o limite de gastos aprovado em 2015, a internet se tornou ainda mais importante na briga pelo seu voto. Também foram definidas regras para a realização de propaganda na internet e nas redes sociais.

Se antes a gente ouvia o material de campanha em carros de som, hoje em dia os áudios chegam direto no seu celular. Mas as campanhas só podem enviar material para eleitores cadastrados e devem permitir o descadastramento. O carro de som ainda é permitido, seguindo algumas regras de horários e datas, mas já está tão fora de moda. Já as incômodas ligações de telemarketing sem o cadastramento do eleitor continuam ilegais.

Polícia Federal Polícia Federal

O que vem por aí: documento único é esperança

Para combater as fraudes nas eleições, o especialista do TSE Giuseppe Janino defende a adoção de um documento único de identidade do cidadão, que reúna título de eleitor, RG e CPF junto com a identificação biométrica.

"O documento único do cidadão – com dados biométricos -- é um cartão que pode até ser usado para sacar dinheiro, além de garantir que a pessoa é única e não tem ninguém se passando por ela", afirma.

Existe um projeto de lei, desde 1997, sobre o documento. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a lançá-lo em 2010, mas ele nunca foi regulamentado. Em 2015, um novo projeto de lei para o Registro Civil Nacional surgiu e está atualmente em uma comissão especial da Câmara.

Polêmicas da tecnologia nas eleições

Não pode usar celular na urna

Nada de celular ou máquinas fotográficas na urna: a ideia é garantir o segredo do voto, principalmente dos eleitores mais vulneráveis à pressão. Para quem quer fazer uma graça pode até parecer uma exigência descabida, mas ela representa um direito democrático.

Por que não imprime comprovante?

Se quiser guardar a informação sobre seu voto, é melhor confiar na memória ou você mesmo anotar em um papel. A Justiça Eleitoral proíbe a impressão porque ele seria um comprovante que viola o sigilo do voto (e que poderia ser negociado), além de ser mais fácil cometer fraudes no papel.

Vamos poder votar pela internet?

Apesar de parecer prático votar de casa, não é possível assegurar que o eleitor terá plena liberdade para exercer seu direito. Por isso, é necessária a presença física, sob a vigilância do mesário, garantindo que voto com total sigilo, tranquilidade e plena certeza de inviolabilidade.

Outros países usam a urna eletrônica?

A Índia também possui votação eletrônica, mas as eleições ocorrem em vários dias. Países como Paraguai e Argentina já utilizaram urnas brasileiras. Segundo o TSE, mais de 50 países como México, Equador e República Dominicana já fizeram consultas para saber como adaptar a urna

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