
Aos seis anos, Rafaela Silva saiu da Cidade de Deus, a comunidade carente e violenta que ficou famosa com o filme homônimo de Fernando Meirelles, para se tornar a melhor judoca que o Brasil já teve. Em 2013, ela foi campeã mundial, também em sua casa, no Rio de Janeiro. Nenhum outro judoca do país tem títulos olímpicos e mundiais. Sarah Menezes, Aurélio Miguel e Rogério Sampaio têm ouros olímpicos, mas nunca venceram Mundiais. João Derly (duas vezes), Tiago Camilo, Luciano Correa e Mayra Aguiar têm o Mundial, mas não o ouro olímpico.
Rafaela conquistou a primeira medalha de ouro do Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. A carioca que começou a lutar em um projeto social é a nova campeã olímpica dos leves (57kg) do judô, após bater a mongol Sumiya Dorjsuren, atual líder do ranking mundial, nesta segunda (08).
Para uma criança que saiu da comunidade com cinco anos e começou no judô por brincadeira, é demais. Eu dedico [essa medalha] a todo mundo.
"Treinei muito depois de Londres porque não queria repetir o sofrimento. Depois da minha derrota, muita gente me criticou, disse que eu era uma vergonha para minha família, para meu país. E agora sou campeã olímpica", desabafou.
Luiz Carlos e Zenilda formam um casal humilde. E nesta segunda-feiira viraram famosos. O título de Rafael Silva fez com que os dois fossem tietados por torcedores brasileiros. Mal podiam caminhar por dois minutos após a filha ganhar o ouro que eram abordados para pedidos de fotos. E atendiam com um sorriso no rosto.
"Agora sou famoso", brincou Luiz Carlos.
O sorriso dos dois foi também de alívio. Ao verem a filha ganhar o ouro choraram e desabafaram.
"É um sentimento de muita alegria para a família e para ela depois de tudo que ela passou em Londres. Estava engasgado. Hoje vai ter festa na Cidade de Deus", disse o pai.
"Ela fez todo mundo chorar em Londres e agora fez todo mundo sorrir. Eu sonhei que ela ia ganhar este ouro e ela ganhou. Fiz jejum de tão nervosa que eu estava", desabafou a mãe.
Crescer na favela não é fácil. Onde ter um par de chinelos é um luxo, Rafaela Silva apanhou quando perdeu os seus. Um dia, foi brincar e, quando voltou, eles não estavam mais lá. Chorou para o pai por muito tempo. Ganhou um par novo. No mesmo dia eles desapareceram. Foram levados por garotos na rua, explicou. Ao voltar para casa, Rafaela apanhou. "Naquele dia aprendi a ser esperta na rua".
Imagem: Kai Pfaffenbach/ReutersA nova medalhista olímpica do Brasil não parava. Nas ruas, brigava com meninas e meninos. Quando uma academia foi aberta na sua rua, foi perguntar se podia lutar. Foi então que conheceu Geraldo Bernardes, técnico de Flávio Canto, bronze em Atenas-2004 e que hoje comanda o núcleo de alto rendimento do Instituto Reação, ONG que ele e Canto criaram para levar o judô para comunidades carentes. Ele viu potencial naquela menina briguenta e pediu ao pai que ela continuasse no esporte.
Imagem: REUTERS/Toru HanaiDescobridor do talento de Rafaela, o técnico Geraldo Bernardes lamenta até hoje o que aconteceu com a irmã mais velha da medalhista, Raquel. Aos 15 anos, a então adolescente engravidou. Todos que conheciam as irmãs Silva viam potencial. Mas, para o treinador, o maior espaço de crescimento era com Raquel. Quando Ana Carolina nasceu, porém, o posto de destaque da família ficou com Rafaela, mesmo.
Imagem: André Mourão/NoppQuando subiu ao pódio nesta segunda-feira, Rafaela Silva não realizou apenas o próprio sonho. Junto com ela, pelo menos na mente, subiu a irmã, Raquel, a mesma que viu tudo das arquibancadas e recebeu um abraço apertado após a luta final.
As duas começaram nos tatames praticamente juntas, quando os pais tentaram arrumar uma atividade para as crianças na perigosa Cidade de Deus. Rafaela influenciou a irmã, três anos mais velha, a entrar no judô. Mas uma gravidez inesperada, ainda aos 15 anos, praticamente tirou Raquel das disputas.
A primogênita da família tentou continuar no esporte, mas os resultados pós-gestação não vieram mais, e ela abandonou - ao menos por enquanto - o sonho de se tornar uma atleta olímpica. Rafaela, porém, seguiu em frente e garantiu o ouro para ela e a irmã.
Eu via as adversárias sentirem a pressão e não podia decepcionar todas essas pessoas que vieram até aqui torcer por mim. O ginásio chegava a tremer e eu consegui
ler mais![]()
A luta mais difícil foi contra a romena, pelo Golden score. Mas quando ela passou e vimos a mongol ganhando, ficamos confiantes. Sabíamos que ela tinha uma chance muito grande de ganhar o ouro
![]()
Já passou, tem quatro anos. Eu só posso falar: o macaco que tinha que estar na jaula em Londres hoje é campeão olímpico em casa. Hoje eu não sou a vergonha para a minha família
ler mais![]()