
Em 9 de agosto de 2014, Isaquias Queiroz ia conquistar o maior feito da sua carreira. A poucos metros do fim da linha de chegada, sua canoa virou. E a liderança e o título do mundial do C1 1000 ficaram pelo caminho. Dia 16 de agosto de 2016, a volta por cima. Isaquias conquistou nesta terça-feira a medalha de prata nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em competição disputada na Lagoa Rodrigo de Freitas. A primeira da história da canoagem brasileira. É a primeira também das três chances que ele tem - ainda disputa medalhas no C1 200 e C2 1000.
Na prova, Isaquias começou forte e ficou à frente do alemão Sebastian Brendel nos primeiros 250 m. Porém, da metade da prova até os metros finais, o campeão olímpico em 2012 aumentou o ritmo e conseguiu abrir vantagem para vencer com o tempo de 3min56s926. O brasileiro terminou a disputa em 3min58s529.
Isaquias tem apenas 22 anos e pode sair do Rio como o maior medalhista brasileiro da história numa única Olimpíada. Os próximos dias podem confirmar que o prognóstico e o trabalho do seu técnico, o espanhol Jesus Morlán. Contratado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), Morlán tem carreira vitoriosa na canoagem e forjou medalhistas em Jogos Olímpicos. Assumiu a equipe nacional e, em meados de 2015, deixou todos em reclusão no interior de Minas.
E o ambiente era bem diferente do que Isaquias tinha no seu estado. O agito todo tinha ficado para trás. O foco para medalha era o mais importante.
Dubai é o lugar preferido de Isaquias no mundo. Nada a ver com o luxo e os arranha-céus dos Emirados Árabes. Dubai é o apelido carinhoso que Isaquias e seus conterrâneos dão a Ubaitaba, a #DubaiCity da Bahia. “É uma brincadeira que acabou pegando lá na Bahia. Ibiaçu, que é perto, virou Ibiza. Aurelino Leal tem um bairro que chama Coreia e ficou assim também”, explica o canoísta. De todas essas, é “Dubai” que tem a vida noturna mais agitada. A cidade de 20 mil habitantes virou um ponto de encontro regional do arrocha, ritmo local que mistura axé e forró com letras de funk.
É onde Isaquias extravasa. Aos 22 anos, ele é vaidoso e se orgulha de músculos e cabelos bem cuidados. O dialeto é peculiar e antenado: ele gosta de repetir "pae" e "serumaninho", expressões que fizeram o sucesso de Mustafary, personagem do humorista Marco Luque no Youtube. O comportamento, o estilo e até as expressões características transformam ele numa espécie de Neymar bem menos franzino, em uma comparação que ele já cansou de ouvir. E tal qual o craque do Barcelona, media training nenhum consegue fazê-lo dizer que o trabalho é tudo.
"O pessoal sempre fala que eu fico ouvindo música o dia inteiro. Tento conciliar o máximo possível da vida social com a esportiva, deixando flexível para que possa treinar e viver um pouco livre do esporte", diz Isaquias. E não espere canções que estão nas paradas de sucesso pelo Brasil. Nos últimos meses, o canoísta tem se interessado especialmente por Tinno Flow, um cantor que faz sucesso justamente em... Ubaitaba.
O encontro de paredões virou Pererecolândia. É perereca pra cima, é perereca pra baixo
É o que diz a música mais conhecida do cantor, sempre narrando noites recheadas de "novinhas" e bebidas na farra. É o relato de uma rotina que, com exceção das férias, está muito distante de Isaquias. No dia a dia, a vida dele não tem nada a ver com festas, mulheres e bebidas.
Eu caí no Mundial (2014) no C1 1000 e perdi a medalha de ouro. Foi um aprendizado, e são com os erros que a gente aprende muito ao longo dos anos. Na Copa do Mundo (2015) eu fiz uma prova muito boa no começo, no meio subi muito e estourei no final
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Eu não teria conseguido sem ele. O pessoal pode falar que eu tenho talento, que isso e aquilo, mas sem um bom cara para lapidar o diamante você não tem como chegar ao ponto certo. O cara tem cabeça, sabe o que faz
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Antes de completar cinco anos, Isaquias quase foi tomado da mãe, Dilma. Ele mal havia aprendido a andar e chamava atenção de pessoas na região pela força que aparentava. Uma mulher repetia sempre que iria roubá-lo para vender a casais ricos. Um dia ela cumpriu a ameaça e levou Isaquias. Com a ajuda de vizinhos e amigos, porém, a mãe conseguiu recuperar o filho no mesmo dia antes que acontecesse o pior.
Curioso, Isaquias não resistiu ao ouvir de um amigo que uma árvore perto de casa abrigava em seus galhos uma cobra morta. Poupado da escola com febre, ele esqueceu da enfermidade, tentou subir para ver o animal com os próprios olhos, se desequilibrou e caiu em cima de uma pedra. O choque afetou o rim esquerdo, que acabou sendo retirado. Hoje, ele precisa ter muito cuidado com a hidratação para poder competir.
Essas histórias, somadas às dificuldades financeiras da família, poderiam configurar uma infância marcada por algum sofrimento. Nada a ver, segundo Isaquias:
A minha infância não foi complicada. Uma vez eu pensei sério nisso. O pessoal usa o esporte para dizer que a pessoa saiu da criminalidade, só que eu nunca fui do crime. Que usou o esporte para sair da miséria, só que eu nunca estive na miséria
Isaquias se incomoda de voltar aos mesmos assuntos em entrevistas e não esconde que preferia ser notícia apenas pelo que faz em cima de uma canoa. "Minha infância foi muita brincadeira, me diverti bastante. Teve umas partes complicadas de acidente, mas faz parte", diz ele. Hoje, ele prefere explicar como é sua rotina em Lagoa Santa, quais são seus treinamentos e como Jesus Morlan mudou sua vida na canoagem.
A causa do isolamento na bucólica cidade mineira tem nome e sobrenome: Jesus Morlan, técnico do time. Ele decide os horários dos atletas, comanda a rotina de treinos com pulso firme e domina até a chave da casa em que eles vivem. “Não conheço nenhum campeão olímpico bagunçado. São tipos supercalmos, tranquilos, que na hora decisiva estão dando o melhor deles. Eu gosto dos tipos calmos”, disse o espanhol ao UOL em 2015, descrevendo um tipo de atleta oposto a Isaquias, falante e agitado o tempo todo.
A linha-dura de Jesus é o que mantém o equilíbrio de Isaquias, que nem assim deixa de dar sustos. Em suas férias do ano passado, o canoísta sofreu um acidente numa estrada que o levava de Ilhéus a Ubaitaba e capotou o carro. Por sorte, saiu ileso. Se fosse por Jesus, ele e seus companheiros não se exporiam a nenhum tipo de risco. Nem na imprensa. “’Menino de ouro, fenômeno, monstro’... Não entendo muito isso. Não é isso. Ele é o Isaquias. Não ponham nomes superlativos em um tipo que é mortal. Quando ganhar, façam de tudo. É fácil ficar deslumbrado”, diz Jesus, em só uma de suas muitas lições.