Missão cumprida

Isaquias vira o maior medalhista em uma única edição após a prata ao lado de Erlon. Agora, ele quer é festa

Bruno Doro, Guilherme Costa e Gustavo Franceschini No Rio de Janeiro
Eduardo Knapp/Folhapress
Damien Meyer/AFP Damien Meyer/AFP

Isaquias Queiroz tinha dois sonhos. O primeiro, que era ser o brasileiro com mais medalhas em uma edição de Olimpíadas, foi cumprido neste sábado (20). O baiano de 22 anos encerrou sua participação na Rio-2016 com uma prata na C2-1000m, competindo ao lado de Erlon Souza, uma prata (C1-1000m) e um bronze (C1-200m). Foi um feito inédito para um atleta do país. Agora abriu caminho para o segundo sonho: comemorar em Ubaitaba, município da Bahia em que ele nasceu, ao som de arrocha, seu ritmo musical favorito.

Os sonhos têm muito a ver com a trajetória de Isaquias no ciclo olímpico. Desde 2013, quando o COB (Comitê Olímpico do Brasil) contratou o técnico espanhol Jesús Morlán para trabalhar com a canoagem nacional, o atleta passou a lidar com uma semana de folga depois de cada oito de trabalho ininterrupto. Intercalava atividades em ritmo espartano com festas e excessos comuns a qualquer garoto de 20 poucos anos. 

A Rio-2016 adiciou ao menos um elemento à lista de histórias que fazem Isaquias ser especial: ele se tornou o primeiro brasileiro a frequentar o pódio olímpico da canoagem. Neste sábado, o feito do atleta ficou ainda maior do que a modalidade. Isaquias agora é o maior atleta brasileiro em uma edição de Jogos Olímpicos. E deve isso a Erlon, que começou no esporte apenas por causa de um caderno e hoje também é medalhista olímpico. A festa, definitivamente, está liberada.?

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Phil Walter/Getty Images Phil Walter/Getty Images

Isaquias quer festa quando voltar para casa. Mas sem desfile

Não espere ver Isaquias Queiroz em festas badaladas ou cerimônias chiques. O sucesso na Rio-2016 pode mudar o status do canoísta brasileiro, mas uma característica fundamental do perfil dele se afasta drasticamente de qualquer pompa. Natural de Ubaitaba, município situado na Bahia, Isaquias é extremamente ligado a suas raízes.

É para Ubaitaba que o canoísta corre quando tem qualquer folga. A seleção brasileira treina e vive em Lagoa Santa (MG), e o técnico Jesús Morlán impôs aos atletas um regime de uma semana de descanso a cada oito de trabalho. Nos períodos sem atividade, Isaquias gosta de manter hábitos simples, conversar com as pessoas que conhece desde a infância e circular nos mesmos lugares que sempre frequentou.

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Funk, arrocha e a vida social eram tudo na terra natal

Dubai é o lugar preferido de Isaquias no mundo. Nada a ver com o luxo e os arranha-céus dos Emirados Árabes. Dubai é o apelido carinhoso que Isaquias e seus conterrâneos dão a Ubaitaba, a #DubaiCity da Bahia. “É uma brincadeira que acabou pegando lá na Bahia. Ibiaçu, que é perto, virou Ibiza. Aurelino Leal tem um bairro que chama Coreia e ficou assim também”, explica o canoísta. De todas essas, é “Dubai” que tem a vida noturna mais agitada. A cidade de 20 mil habitantes virou um ponto de encontro regional do arrocha, ritmo local que mistura axé e forró com letras de funk.

É onde Isaquias extravasa. Aos 22 anos, ele é vaidoso e se orgulha de músculos e cabelos bem cuidados. O dialeto é peculiar e antenado: ele gosta de repetir "pae" e "serumaninho", expressões que fizeram o sucesso de Mustafary, personagem do humorista Marco Luque no Youtube. O comportamento, o estilo e até as expressões características transformam ele numa espécie de Neymar bem menos franzino, em uma comparação que ele já cansou de ouvir. E tal qual o craque do Barcelona, media training nenhum consegue fazê-lo dizer que o trabalho é tudo. 

"O pessoal sempre fala que eu fico ouvindo música o dia inteiro. Tento conciliar o máximo possível da vida social com a esportiva, deixando flexível para que possa treinar e viver um pouco livre do esporte", diz Isaquias. E não espere canções que estão nas paradas de sucesso pelo Brasil. Nos últimos meses, o canoísta tem se interessado especialmente por Tinno Flow, um cantor que faz sucesso justamente em... Ubaitaba. 

O encontro de paredões virou Pererecolândia. É perereca pra cima, é perereca pra baixo

É o que diz a música mais conhecida do cantor, sempre narrando noites recheadas de "novinhas" e bebidas na farra. É o relato de uma rotina que, com exceção das férias, está muito distante de Isaquias. No dia a dia, a vida dele não tem nada a ver com festas, mulheres e bebidas. 

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Quem é Isaquias: problemas na infância, confinamento e um tutor

Os percalços quando criança: dois grandes sustos

  • Vítima de sequestro

    Antes de completar cinco anos, Isaquias quase foi tomado da mãe, Dilma. Ele mal havia aprendido a andar e chamava atenção de pessoas na região pela força que aparentava. Uma mulher repetia sempre que iria roubá-lo para vender a casais ricos. Um dia ela cumpriu a ameaça e levou Isaquias. Com a ajuda de vizinhos e amigos, porém, a mãe conseguiu recuperar o filho no mesmo dia antes que acontecesse o pior.

  • Perda do rim

    Curioso, Isaquias não resistiu ao ouvir de um amigo que uma árvore perto de casa abrigava em seus galhos uma cobra morta. Poupado da escola com febre, ele esqueceu da enfermidade, tentou subir para ver o animal com os próprios olhos, se desequilibrou e caiu em cima de uma pedra. O choque afetou o rim esquerdo, que acabou sendo retirado. Hoje, ele precisa ter muito cuidado com a hidratação para poder competir.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Os problemas de menino não podem ser desculpa

Essas histórias, somadas às dificuldades financeiras da família, poderiam configurar uma infância marcada por algum sofrimento. Nada a ver, segundo Isaquias:

A minha infância não foi complicada. Uma vez eu pensei sério nisso. O pessoal usa o esporte para dizer que a pessoa saiu da criminalidade, só que eu nunca fui do crime. Que usou o esporte para sair da miséria, só que eu nunca estive na miséria

Isaquias se incomoda de voltar aos mesmos assuntos em entrevistas e não esconde que preferia ser notícia apenas pelo que faz em cima de uma canoa. "Minha infância foi muita brincadeira, me diverti bastante. Teve umas partes complicadas de acidente, mas faz parte", diz ele. Hoje, ele prefere explicar como é sua rotina em Lagoa Santa, quais são seus treinamentos e como Jesus Morlan mudou sua vida na canoagem.  

 

Arte/UOL
Juca Varella/Folhapress Juca Varella/Folhapress

Confinamento foi proposital: um campeão precisava estar calmo

A causa do isolamento na bucólica cidade mineira tem nome e sobrenome: Jesus Morlan, técnico do time. Ele decide os horários dos atletas, comanda a rotina de treinos com pulso firme e domina até a chave da casa em que eles vivem. “Não conheço nenhum campeão olímpico bagunçado. São tipos supercalmos, tranquilos, que na hora decisiva estão dando o melhor deles. Eu gosto dos tipos calmos”, disse o espanhol ao UOL em 2015, descrevendo um tipo de atleta oposto a Isaquias, falante e agitado o tempo todo.

A linha-dura de Jesus é o que mantém o equilíbrio de Isaquias, que nem assim deixa de dar sustos. Em suas férias do ano passado, o canoísta sofreu um acidente numa estrada que o levava de Ilhéus a Ubaitaba e capotou o carro. Por sorte, saiu ileso. Se fosse por Jesus, ele e seus companheiros não se exporiam a nenhum tipo de risco. Nem na imprensa. “’Menino de ouro, fenômeno, monstro’... Não entendo muito isso. Não é isso. Ele é o Isaquias. Não ponham nomes superlativos em um tipo que é mortal. Quando ganhar, façam de tudo. É fácil ficar deslumbrado”, diz Jesus, em só uma de suas muitas lições. 

Veja como era o local de treino, antes da Rio-2016

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