Fabiana, a matemática

Treinos dos atletas: por que até o número de passos influencia em um salto perfeito

Bruno Doro Do UOL, em São Paulo

Fabiana Murer, bicampeã mundial do salto com vara, abre a série de reportagens que pretende mostrar como é o treino de atletas olímpicos brasileiros. O desempenho que o torcedor vê durante uma competição é resultado de um esforço enorme e contínuo de Fabiana e tantos os outros, como Arthur Zanetti - da ginástica - e Aline Silva - da luta. Esforço esse que não afeta apenas músculos, mas também relações familiares e abnegações. 

Aos 34 anos, Fabiana é o principal nome do atletismo do país. É favorita a uma medalha na prova mais técnica de sua modalidade. Conheça a história dela. 

Lucas Lima Lucas Lima

Como é a busca milimétrica pelo salto perfeito

Fabiana é atleta, mas poderia ser matemática tantas são as contas que ela faz diariamente para ser bem-sucedida em seu esporte. Tem na sua cabeça os 18 passos que precisa coordenar para passar bem pelo sarrafo. Estes não são os únicos números que passam pela sua cabeça no dia. Primeiro, são dez passadas de aquecimento. Depois, os saltos preparatórios têm 13, 15 até a meta para competição: são 18 passos para se superar o sarrafo. A meta é chegar perto dos 5 metros. Hoje, seu recorde é 4,85 m. Faltam 15 centímetros.

Eu sei que eu tenho que tentar ser perfeita o máximo possível mesmo nos dias que eu estou cansada. Porque quando eu estiver bem, quando eu estiver descansada, estiver veloz, essas coisas que eu estou fazendo vão acontecer muito melhor

Ela calcula também as horas de deslocamento. Ou melhor: os minutos. São 40 entre sua casa, em São Paulo, e o centro de treinamento em São Caetano do Sul. Com trânsito, esse tempo sobe para uma hora. E os minutos perdidos têm de ser compensados em algum momento. Cada sessão de treinos tem quatro horas. A fisioterapia diária dura mais uma hora. A saída é subtrair o tempo de descanso.

Depois, conta os treinos. São sete dias na semana e entre dez e 12 sessões de treinamento. O número varia em cada etapa de preparação. Hoje, a poucos meses para os Jogos Olímpicos, está mais próxima dos dez. Mas nem por isso o esforço é menor. Ela divide esse número entre treinos específicos de salto com vara, um treinamento geral de atletismo, musculação e movimentos de ginástica.

A última conta são os números de saltos. Cada treino específico tem uma meta. São seis, oito, dez saltos. Bons ou ruins, o limite nunca deve ser superado. O corpo precisa disso para sobreviver à maratona.

As 18 passadas fundamentais para saltar a quase 5 metros

O salto com vara sincronizado

  • Corrida: os tais dos 18 passos coordenados

    Não basta correr. É preciso correr perfeitamente. Velocidade, passadas perfeitas e medição precisa levam ao sucesso. Sem esquecer um detalhe: "Muita gente esquece que o saltador corre enquanto carrega a vara. É um peso", lembra o técnico Elson Miranda

    Imagem: UOL
  • Encaixe: o lugar preciso da vara

    "Medimos passadas e aferimos as marcas da pista para que o encaixe seja exato e não exista o tranco no final da corrida", diz Elson. No aquecimento, é normal ver atletas correndo sem a vara, com a vara, contando passos e colando fitas na pista.

    Imagem: UOL
  • Reversão: a ginástica faz a diferença

    A fase mais delicada do salto. É nesse ponto que a experiência de ginástica entra: o controle do corpo conquistado com mortais é usado a cinco metros de altura. "Para treinar a reversão, costumamos usar a corda. São movimentos de ginástica simulados".

    Imagem: Reprodução/Facebook
  • Salto: a parede é o limite

    Com todas as etapas do salto prontas, é preciso olhar a posição em que o saltador chega ao sarrafo. É preciso saber exatamente onde começar a reversão para que o corpo chegue na posição exata. "Usando a parede, é possível ganhar noção de espaço até a vara chegar na vertical", conta Fabiana.

    Imagem: Reprodução/Facebook

Eu acho que a Fabiana é uma das atletas mais técnicas dos últimos tempos. Ela teve de desenvolver isso, porque não é tão veloz ou forte quanto às outras. Ela aprendeu a fazer uma aceleração mais eficiente, aperfeiçoou todos os seus movimentos para chegar a esse nível. Enquanto outros atletas podiam compensar imperfeições com a força, ela não tinha esse luxo. Por isso, também, a evolução dela foi gradual. Em 2005, em seu primeiro mundial, ela fez 4,40m. As rivais já saltavam 4,80m. Mas ela evoluiu e chegou aos 4,85m. Hoje, é uma das melhores do mundo

Elson Miranda

Elson Miranda, técnico de Fabiana Murer desde os 16 anos

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O dia a dia de quem vive há 20 anos no ginásio

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Você estaria disposto a deixar sua adolescência para trás pelo esporte?

Balada com os amigos? Não, obrigado...

Cinema na sexta à noite? Desculpe, não vai dar...

Viagem de formatura no colegial? Eu queria, mas...

Vida de atleta é assim. E Fabiana Murer sabe disso há muito tempo. A melhor atleta do país treina desde criança. Primeiro era a ginástica. Depois, o salto com vara. Rotinas duras, que envolvem treinos desgastantes que a deixam 13, 14 horas no centro de treinamentos cinco dias por semana. Sem contar os cinco meses por ano de viagens, para competições e treinamentos.

“Quando eu era mais nova, ainda estava na escola, minhas amigas viviam convidando para sair. Viagem de formatura, festa aos fins de semana. Eu sempre tinha treino no sábado pela manhã”, lembra. “Eu abri mão de muitas coisas pelo esporte. Mas não ligo. Eu gostava de ginástica, eu gosto do salto com vara. Não fico chateada por ter perdido essas fases da vida. Não fico mal porque perdi programas legais com os amigos. São escolhas que fiz para chegar aqui”.

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A vida amorosa também foi influenciada pelos treinos

O resultado deste esforço todo de Fabiana é um foco muito grande no esporte. E, se a vida gira em torno dos treinos, encontrar a cara metade só poderia ter acontecido por lá. O eleito foi Elson Miranda, seu técnico desde a adolescência.

Os dois estão casados desde 2011. O relacionamento é discreto: ambos fazem questão de mantê-lo em segundo plano. Em nenhum momento Elson se apresenta ao público como marido de Fabiana. É sempre o técnico.

Os pais de Fabiana apoiam a união e já tinham o antes apenas treinador em alta estima. “O Elson é boa pessoa. Ele almoçava em casa. Já era praticamente da família. Era importante que ele fizesse ela feliz”, falou a mãe, Neusa Murer, em 2012, sobre o casamento.

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Futuro como técnica? Nem pensar...

Esse cuidado com o relacionamento deve acabar em breve. Fabiana já avisou que o Rio 2016 será sua última Olimpíada. Ainda não estabeleceu uma data para a aposentadoria, mas sabe que ela está chegando. Quando isso acontecer, deve continuar perto das pistas. Perto de Elson, o treinador. 

“Eu sou fisioterapeuta e é uma área que gosto. Pode ser que eu faça algo com isso. Mas o que eu quero mesmo é manter o contato com o esporte. Sei que alguns atletas param e nunca mais querem ver a pista de corrida. Eu não. Eu quero manter o contato. Quero passar minha experiência para os atletas mais jovens. Isso motiva o pessoal”, diz a campeã. “Mas não quero ser técnica, não. Posso dar meus palpites aqui e ali, contar algumas coisas. Mas dar treino, isso não é para mim”.

E as chances de medalha?

Danilo Verpa/Folhapress Danilo Verpa/Folhapress

Rivais em alto nível

A era em que Yelena Isinbayeva era a única favorita acabou. Hoje, a prova tem oito ou nove candidatas ao ouro. Fabiana é uma delas. Mas as rivais, hoje, saltam mais. A melhor marca de Fabiana na carreira é 4,85 m. Em 2016, três já superaram a marca: Jennifer Suhr/EUA (5,03 m), Demi Payne/EUA (4,90 m) e Ekaterini Stefanidi/GRE (4,90 m). Yarisley Silva/CUB (4,91 m) é a atual campeã mundial. E Isinbayeva (recordista mundial com 5,06 m) ainda luta para competir

Caio Guatelli/Folhapress Caio Guatelli/Folhapress

Azar em Olimpíadas

O histórico de Fabiana nos Jogos Olímpicos também é um ponto a ser levado em conta. Em 2008, ela estava na lista de atletas que poderia subir ao pódio. Mas um erro da organização fez com que a vara que usaria em seus primeiros saltos fosse perdida. Sem ela, Fabiana se desconcentrou e acabou eliminada. Em 2012, voltou como favorita, mas não conseguiu realizar seu último salto, por causa do vento

Victor R. Caivano/AP Victor R. Caivano/AP

Sorte no Rio de Janeiro

O ponto positivo é o local dos Jogos. Foi no estádio do Engenhão, em 2007, nos Jogos Pan-Americanos, que Fabiana se consolidou como grande nome do atletismo nacional. O ouro no Rio foi o ponto de partida para uma série de conquistas. Em 2008, levou a primeira das quatro medalhas que conquistou em Mundiais - tem dois ouros (indoor em 2010 e outdoor em 2011), uma prata (outdoor em 2015) e um bronze (indoor em 2008)

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