Silêncio e foco

Em um ciclo marcado por polêmicas e exposição, Diego e Arthur dão volta por cima e são prata e bronze no solo

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Ricardo Bufolin/CBG Ricardo Bufolin/CBG

Foi difícil manter a paz na ginástica nos últimos quatro anos. O esporte das piruetas e mortais foi, em diferentes momentos, manchete por temas que nada tinham a ver com o que acontecia nos aparelhos que marcam a modalidade. A maior das polêmicas foi parar na Justiça, quando um técnico da seleção foi acusado de assédio sexual a um atleta menor de idade a poucas semanas do início da Olimpíada.

A exposição não foi só coletiva. O caminho de Londres ao Rio foi o mais difícil da carreira de Diego Hypolito, que sofreu dramas pessoais e profissionais sem precedentes. Na reta final, foi protagonista de uma confusão pública ao vivo, na Rede Globo, quando cancelou sua participação no programa Domingão do Faustão. Dos bastidores, viu o apresentador arrumar briga com o COB às vésperas do início dos Jogos Olímpicos. Arthur Nory, novidade da ginástica brasileira nos últimos anos, ganhou notoriedade negativa com um vídeo em que fazia comentários racistas sobre um colega de seleção. O caso lhe rendeu uma suspensão e uma fama incômoda que até hoje é um tabu.

A resposta dos atletas foi, por muitas vezes, o silêncio. Foco, treinos fechados e muita concentração em uma medalha que parecia distante para qualquer brasileiro que não se chamasse Arthur Zanetti. Neste domingo, todo o esforço valeu a pena. No maior momento da carreira dos dois, Diego Hypolito e Arthur Nory se superaram, contaram com o vacilo de rivais mais bem cotados e levaram prata e bronze, respectivamente, no solo, na Rio-2016. 

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Os percalços de cada um pela medalha

Mike Blake/Reuters Mike Blake/Reuters

Diego Hypolito

Quando saiu de Londres, abalado por mais uma falha olímpica, Diego recebeu a notícia de que o Flamengo, seu clube desde a infância, fecharia o departamento de ginástica. Ele teve de se mudar para SP e entrou em depressão. Treinava mal, não saía de casa e chegou a ser internado por duas semanas. Com tudo isso, perdeu espaço na seleção de ginástica. Mesmo após um bronze no Mundial de 2014, Diego foi questionado na seleção por ser muito bom em apenas um aparelho. Marcos Goto, técnico de Zanetti, outro "especialista", apostou no veterano e o chamou para treinar com ele a seis meses dos Jogos. Não podia ter dado melhor.

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Arthur Nory

Arthur ganhou notoriedade pela primeira vez de uma maneira muito negativa. Em um vídeo divulgado em seu Snapchat, ele aparecia fazendo comentários racistas sobre Ângelo Assumpção, seu colega de seleção. O caso rendeu uma suspensão leve ao ginasta e outros colegas que estavam na filmagem e alegaram se tratar de uma brincadeira. Arthur, desde então, sempre se recusou a falar sobre o tema, blindado que foi pela Confederação Brasileira de Ginástica. A missão para Nory era focar e esquecer a polêmica. Deu certo. "É um momento que ficou no passado e temos de esquecer", disse Cristiano Albino, técnico do ginasta.

Diego encerra trauma no solo; Nory inicia carreira olímpica em alto estilo

Gêmeas do nado deram apoio final a Diego

  • Amigas da vida noturna

    Diego Hypolito é, desde o Pan de 2007, muito amigo de Bia e Branca Feres, gêmeas do nado sincronizado. O trio está sempre junto, seja em compromissos publicitário ou na vida noturna do Rio de Janeiro. Um dia antes da medalha, o ginasta fez questão de tê-las ao seu lado na Vila Olímpica para se acalmar para a maior competição de sua vida.

  • Idolatria na infância

    Quando era mais novo, Diego era um dos milhares de "baixinhos" de Xuxa, por quem nutria admiração na infância. "É uma coisa de criança, 'a rainha dos baixinhos', sempre fui muito fã do programa e acho que ela é um exemplo em tudo", disse ele ao UOL Esporte em 2005, em uma de suas primeiras entrevistas como campeão mundial de ginástica.

  • Quando parar, vai à TV

    Diego ainda tem mais uns anos na ginástica, mas já decidiu que, quando parar, quer fazer faculdade de jornalismo. "Quero passar às pessoas que não são apenas os atletas que conseguem grandes resultados que são os vitoriosos", disse ele ano passado. No futuro, a tendência é que o agora vice-campeão olímpico assuma uma posição de comentarista na TV.

  • Amor por animais

    Fora dos tablados, os bichinhos são uma paixão de Diego Hypolito. O ginasta tem dez cachorros entre as casas que mantém em São Bernardo e Rio de Janeiro e nunca está satisfeito. Vira e mexe aparece com novas mascotes. Invariavelmente, ele posta fotos babando pelos animais em todas as suas redes sociais, especialmente no Instagram.

Veja como foram as apresentações de Diego e Nory no solo

Falei para o meu treinador que do quarto ao oitavo é tudo a mesma coisa, e a minha série classificatória não pegaria medalha. Por isso dificultamos a série, porque vim aqui para ser protagonista. Viemos para o tudo ou nada e deu certo?

Arthur Nory

Arthur Nory, medalhista de bronze

Hoje é o dia mais emocionante da minha vida. Eu me propus a vir aqui depois de cair de bunda, de cara e me sentir humilhado. Aqui, caí de pé

Diego Hypolito

Diego Hypolito, medalhista de prata

Algumas coisas que o Diego mudou ajudaram ele nesta conquista. Ele ficou mais humilde, mais tranquilo, ele consegue ouvir o treinador. Ouvir a série que eu achava melhor, qual os elementos que eu achava melhor

Marcos Goto

Marcos Goto, técnico de Diego Hypolito

Amigo de Biles, Nory quase virou judoca

  • Amizade americana

    Maior estrela da ginástica mundial, a jovem Simone Biles, multicampeã já em sua primeira Olimpíada, é bem próxima de Nory. Antes do início da Rio-2016, ela postou uma foto brincando que ele é o "namorado brasileiro" dela. Tudo piada interna, segundo ele.

  • Era para ser bronze no judô

    Filho de um judoca, Arthur Nory começou a vida esportiva nos tatames, por influência dos pais. Sem nunca tomar gosto pelos quimonos, ele migrou para a ginástica inspirada nas performances de Diego Hypolito e Daiane dos Santos na década passada e nunca mais voltou.

  • Estrela no Instagram

    O ginasta é bastante ativo nas redes sociais, fazendo piadas e exibindo os músculos para as fãs. A atuação cativou. Admiradoras do mundo inteiro elogiam Arthur e chegam até a mandar presentes para ele. Contente com o reconhecimento, ele sempre os exibe em suas contas.

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Diego: "Caí de bunda, de cara. Aqui, caí de pé"

No Rio, Diego Hypolito deixou para trás quedas durante apresentações nas duas Olimpíadas anteriores, que marcaram sua carreira.

Em Pequim-2008, em sua primeira decisão olímpica com chances de ganhar medalha, caiu sentado em sua apresentação no solo e acabou em sexto. Em Londres, acabou caindo na fase classificatória e não chegou à final.

"Hoje é o dia mais emocionante da minha vida. Eu me propus a vir aqui depois de cair de bunda, de cara e me sentir humilhado. Aqui, caí de pé", disse, muito emocionado. "Depois da minha prova eu estava nervoso, passando muito mal. Quase desmaiei. Foi difícil controlar as emoções. Chorei porque muita coisa passou pela minha cabeça”, completou.

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Reprodução/Instagram Reprodução/Instagram

Alvo de racismo sobre Nory: espero que seja medalhista fora do tablado

Medalhista de bronze na ginástica artística da Rio-2016, Arthur Nory se envolveu em uma polêmica de racismo em 2015 ao se referir ao companheiro de equipe Ângelo Assunção, o que marcou sua carreira há mais de um ano.

Após o companheiro subir no pódio, Ângelo mandou um recado: "espero que ele seja um medalhista também fora do tablado". 

"Não tenho mágoas, de verdade. Inclusive somos muito próximos. Torci muito por ele. Tenho muito orgulho do Nory. Agora eu espero que ele seja um medalhista também fora do tablado. Admiro muito quem conquista um pódio na Olimpíada, mas gosto mais ainda de quem consegue brilhar também fora das competições. Somos atletas e temos que aproveitar o espaço que temos para dar recados e exemplos", disse em entrevista ao UOL Esporte.

Assumpção ainda ressaltou que Arthur Nory precisa ter ainda mais o pé no chão após a conquista. "Ele é um menino muito bom, brincalhão, alegre. Tem que ter o pé no chão depois disso. Tudo agora vai mudar para ele. Que ele tome ainda mais cuidado, tenha limite. Não pode se expor muito", comentou.

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Marcio Fernandes/Nopp Marcio Fernandes/Nopp

Técnico: "Disseram que o Diego não aguentaria, que quebraria antes"

O treinador de Diego Hypolito, Marcos Goto, exaltou o bom desempenho do ginasta em sua apresentação de solo que lhe rendeu a medalha de prata na Rio-2016 e "cornetou" as críticas sofridas pelo atleta anos antes.

“Diego provou para muita gente que criticou ele. Muito trabalho, muito sacrifício, chegou a final e é medalhista olímpico. Se trabalha duro, o resultado é medalha. Muitos disseram que ele nem aguentaria o treino, que quebraria antes”, destacou o técnico em entrevista à Rede Globo.

Goto ainda deu créditos para a estratégia de blindar o ginasta antes dos Jogos. “O resultado está aí. Ele já tinha passado por duas Olimpíadas. O único jeito de fazer ele se dedicar era blindá-lo”, afirmou.

“Acho que o volume do trabalho dele foi bem alto. Ele se dedicou bastante, acreditou no planejamento que nós montamos. Muita gente acreditava que ele não poderia ser medalhista, finalista e ai está a prova”, destacou o técnico.

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Ricardo Bufolin/CBG Ricardo Bufolin/CBG

Daniele Hypolito cai no choro em transmissão após medalha do irmão

Daniele Hypolito participou da transmissão de ginástica artística da Rede Globo e entrou ao vivo no momento em que o irmão Diego conquistou a medalha de prata na competição de solo dos Jogos do Rio de Janeiro e não segurou a emoção.

"A gente é muito ligado. Uma medalha para ele é uma medalha para mim também", disse, sem conter as lágrimas.

Daniele ainda deixou escapar que o irmão pretende competir nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020. “Aconteça o que acontecer, ele já tinha se programado para ir até Tóquio. A programação era essa, vamos ver o que passa na cabeça dele depois disso", disse.

Daniele ainda ressaltou que a conquista premia anos de batalha até a Rio-2016. “Esse ano foi bem complicado. As pessoas não estavam acreditando. Ele seguiu forte e hoje ele está comemorando anos e anos de batalha", disse.

 

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