Candidato x Presidente

Os 100 primeiros dias de Donald Trump na Casa Branca

Talita Marchao Do UOL, em São Paulo
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Durante sua campanha para presidente dos EUA, Donald Trump apresentou um "Contrato com o eleitor americano" em que propôs um plano de atuação para os seus 100 primeiros dias no governo. Mas uma análise dos seus principais feitos no cargo mostra que cumprir as promessas de seu contrato foi ainda mais difícil do que se imaginava. As causas vão além de questões políticas e econômicas, e esbarram principalmente na oposição do próprio Partido Republicano, além da impopularidade de muitas de suas medidas junto aos americanos e à comunidade internacional.

AS PROMESSAS CUMPRIDAS

Trump retirou os EUA do TPP (Tratado Transpacífico) e confirmou sua intenção de renegociar o Nafta com Canadá e México, chegando a se reunir com o premiê canadense, Justin Trudeau –o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, se recusou a encontrá-lo nos EUA quando Trump insistiu em suas declarações de que os mexicanos arcariam com os custos da criação de um muro na fronteira entre os dois países

O presidente ainda reativou os projetos cancelados por Obama para a construção dos oleodutos Keystone XL e Dakota Access Pipeline, apesar das críticas por danos ambientais e sociais. E revogou as leis da era Obama para o combate ao aquecimento global, incluindo o Plano de Energia Limpa, fortalecendo o uso de combustíveis fósseis.

Outra vitória de Trump foi a indicação do substituto do juiz conservador da Suprema Corte Antonin Scalia, morto no ano passado ainda no governo Obama. O nome de Neil Gorsuch foi aprovado, inclusive com alguns poucos votos democratas. Gorsuch tem um histórico de atuações conservadoras, mas agrada a republicanos e democratas por sua imparcialidade.
                                                                                                            
Em relação aos imigrantes ilegais, Trump endureceu as medidas para elevar as deportações, como a contratação de 15 mil agentes, e iniciou a execução de ordem de expulsão que estavam em processo, incluindo pessoas não criminosas –na campanha, Trump afirmara que apenas os ilegais condenados, o "bad hombres", seriam expulsos.

Trump ainda confirmou o congelamento total da contratação de funcionários do governo, com a exceção das Forças Armadas.

Como parte de uma das suas medidas para tentar combater a corrupção e o conflito de interesses dentro do governo, o presidente também proibiu que funcionários de sua administração atuem como lobistas até cinco anos depois de deixarem o cargo. Mas, segundo a regra, os funcionários só estão proibidos de negociar durante este período com os órgãos nos quais trabalharam –as demais áreas do governo estão liberadas.
 

AS PROMESSAS DESCUMPRIDAS

Bem que Trump tentou revogar o sistema de saúde criado por Barack Obama, mas não conseguiu –ainda. No dia de sua posse, o seu primeiro decreto assinado foi contra o Obamacare, para que o "peso econômico" fosse minimizado até que uma alternativa fosse aprovada por seu governo. Mas a proposta nem chegou a ser votada, e foi tirada da pauta de votação por falta de apoio dos próprios republicanos no Congresso.

A outra derrota de Trump envolveu o judiciário, que revogou suas ordens executivas que previam o banimento da entrada nos EUA de cidadãos de sete países de maioria muçulmana e de refugiados. Trump ainda tentou uma versão supostamente menos radical, excluindo o Iraque do veto, mas a orientação também foi barrada por juízes federais.

O famoso muro na fronteira dos EUA com o México não tem verba governamental para a construção assegurada. A licitação já foi feita, mas ainda há um logo caminho pela frente. Para destravar as negociações do orçamento anual, Trump aceitou não incluir a verba para a construção do muro neste ano.

Em outra derrota relacionada à imigração, a Justiça barrou recursos federais para as chamadas "cidades-santuário", que fazem vistas grossas para imigrantes ilegais.

Trump não apenas não declarou a China como um país "manipulador de moeda", como havia prometido na campanha, como pelo contrário, manifestou oficialmente que o país não o fez, de olho em uma aliança chinesa contra a Coreia do Norte. Apesar da retórica anti-China durante a campanha, Trump também se reuniu com o presidente chinês, Xi Jinping, em Mar-a-Lago, na Flórida, onde passa os finais de semana.

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GABINETE FAMILIAR

A confirmação dos nomes indicados para as Secretarias do governo se transformou em um processo bastante demorado – Trump chegou a afirmar que é a confirmação de indicações mais demorada da história, o que não é verdade, já que o recorde moderno é de Barack Obama.

O secretário do Trabalho de Trump, por exemplo, foi confirmado somente na última quinta-feira. O nome de Alexander Acosta não é o primeiro indicado para o posto: Andrew Puzder desistiu do cargo após críticas de republicanos e democratas sobre a sua vida empresarial. Ele nem chegou a ser sabatinado pelo Senado, já que não teria votos suficientes para a confirmação.

Mas a maior polêmica em torno das indicações de Trump ocorreu com a renúncia do general reformado Michael Flynn, escolhido como conselheiro de Segurança Nacional. Flynn deixou o cargo depois que foram revelados seus encontros com o embaixador russo em Washington, Sergei Kislyak, em dezembro, antes de Trump tomar posse. O tema do encontro seria o levantamento das sanções econômicas aprovadas por Barack Obama contra Moscou. A imprensa chegou a afirmar que Flynn estaria negociando imunidade em troca de seu depoimento para a investigação do FBI sobre o suposto envolvimento russo na eleição.

Quem tem roubado a cena é o porta-voz do governo, Sean Spicer. Ainda na posse de Trump, afirmou que tinha sido o evento com maior participação de público, ainda que as fotos mostrassem nitidamente o contrário. Na mais recente, disse que "nem mesmo uma pessoa desprezível como Hitler desceu ao nível de usar armas químicas", esquecendo-se das milhões de mortes provocadas pelos nazistas nos campos de concentração nas câmaras de gás, ao falar sobre o ataque químico realizado pelo ditador sírio, Bashar al-Assad.

Nomes polêmicos como Steve Bannon, conselheiro estratégico ligado à extrema-direita, acabaram sendo distanciados por Trump, ainda que mantenham o cargo. Quem assume o posto de principais conselheiros do presidente são sua filha, Ivanka, e seu genro, Jared Kushner --independentemente de qualquer acusação de nepotismo.

Ivanka e Kushner foram nomeados oficialmente e têm escritórios dentro da Casa Branca próximos ao Salão Oval. Kushner, como conselheiro-sênior, chegou a visitar o Iraque durante os 100 primeiros dias de governo e, segundo a Casa Branca, está envolvido em ações que envolvem política interna e externa. Ivanka participou de encontros com líderes mundiais –sentou-se ao lado da chanceler alemã, Angela Merkel, e foi convidada por ela para visitar Berlim.

Ambos não têm qualquer experiência governamental, são empresários e mantêm a renda dos negócios que possuem enquanto ocupam seus postos na Casa Branca sem entrar na folha de pagamento do governo. Após o encontro de Ivanka com o presidente chinês, Xi Jinping, em que a filha do casal, Arabella, cantou em mandarim, a marca da filha de Trump foi liberada para vendas na China.

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ELEIÇÃO QUESTIONADA

No segundo dia de seu mandato, foi realizado nos EUA o maior protesto político da história recente. A "Marcha das Mulheres", como ficou conhecida, transformou-se em algo muito maior do que efetivamente uma manifestação realizada por mulheres contrárias às políticas e falas misóginas do novo presidente. Em Washington D.C. ela teve uma participação maior do que o público da posse de Trump, na véspera. Cidades por todo o país aderiram ao ato --pelo menos 2,5 milhões de americanos foram às ruas, e nenhuma prisão foi registrada.

Apesar das críticas em relação ao número de votos recebido por Trump, já que sua rival Hillary Clinton foi mais votada apesar de ter perdido no colégio eleitoral, sua vitória só foi colocada sob suspeita depois da abertura oficial das investigações sobre a suposta tentativa do governo russo de ter influenciado a disputa. O processo está em andamento, comandado pelo FBI, que apura se o governo russo influenciou a campanha americana para favorecer Trump.

Segundo órgãos de inteligência dos EUA, a Rússia seria responsável pela invasão dos sistemas do Comitê Democrata durante a campanha presidencial, quando o WikiLeaks divulgou os e-mails de Hillary Clinton e seus principais assessores. De acordo com o governo americano, o objetivo russo seria ajudar Trump a vencer.

O presidente ainda tentou acusar o ex-presidente Barack Obama, afirmando, sem apresentar provas, que seu governo teria grampeado a Trump Tower. Nada foi comprovado.

A única baixa do governo Trump durante os 100 dias foi Michael Flynn, conselheiro de Segurança Nacional, depois que seus encontros com o embaixador russo em Washington foram tornados públicos pela imprensa.

Outro nome próximo de Trump com supostas ligações com os russos é Carte Page, banqueiro de investimentos, especializado em petróleo e gás, que atuou em Moscou. Page foi assessor de política externa de Trump durante a campanha. Ele também se reuniu com o embaixador russo e está sob investigação.

O secretário de Justiça, Jeff Sessions, também se reuniu duas vezes com o embaixador, uma delas no mesmo periodo da convenção que indicou Trump como candidato do Partido Republicano. A segunda foi em seu próprio gabinete no Senado, um mês antes de os documentos serem vazados pelo WikiLeaks.

O próprio secretário de Estado de Trump, Rex Tillerson, é considerado próximo do Kremlin. Ex-CEO da petrolífera ExxonMobil, que teve bloqueada suas tentativas de negócios com a estatal russa Rosneft durante o governo Obama e sob o governo Trump, Tillerson é amigo de Vladimir Putin. Mas Tillerson não é parte da investigação. Entre os que serão interrogados está o genro de Trump, Jared Kushner.

Trump ainda abriu uma guerra declarada com a imprensa americana, acusando jornais, canais de TV e sites de "Fake News" (notícias falsas) sobre seu governo --incluindo as notícias sobre cada passo da investigação do envolvimento russo. Veículos tradicionais como o jornal "The New York Times" e a rede CNN chegaram a ser impedidos de entrar na sala de imprensa. O presidente também anunciou que não participará do jantar de correspondentes, evento tradicional que sempre contou com a presença de um mandatário americano, e que ocorre coincidentemente no 100º dia de seu mandato.

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POLÍTICA EXTERNA

A diplomacia americana sob o comando de Donald Trump quer deixar claro que a paciência estratégica adotada na era Obama acabou. Pelo menos é esta a imagem que a Casa Branca tenta passar. Em resposta ao ataque com armas químicas realizado pelo governo do ditador da Síria, Bashar al-Assad, Trump ordenou o lançamento de 59 mísseis Tomahawk contra uma base aérea --foi o primeiro ataque dos EUA diretamente contra Assad desde o início da guerra civil síria, em 2011.

A ação acirrou a tensão com o governo russo, que apoia Assad, e as acusações de que o Kremlin teria conhecimento do ataque químico colocou as relações entre Washington e Moscou no nível mais baixo desde a Guerra Fria --mesmo em meio às acusações de que o Kremlin teria apoiado a eleição de Trump.

Em uma ação mais midiática do que militarmente eficaz, os EUA lançaram o que chamaram de "a mãe de todas as bombas" no Afeganistão em uma área supostamente ocupada pelo Estado Islâmico --grupo radical que Trump prometeu acabar durante sua campanha.

O lançamento tanto dos mísseis na Síria quanto da bomba no Afeganistão ocorreu durante a escalada das tensões entre EUA e Coreia do Norte. Trump garante contar com apoio de China, Japão e Coreia do Sul --seu vice-presidente, Mike Pence, e o secretário de Estado, Rex Tillerson, estiveram na zona desmilitarizada entre Coreia do Norte e Sul, em uma mostra de força militar e diplomática.

Em sua promessa de construir um muro na fronteira entre os EUA e o México, Trump ainda azedou as relações com os vizinhos latinos, e o presidente Enrique Peña Nieto chegou a cancelar sua visita aos EUA --mas acabou recebendo secretários americanos que tentaram apaziguar os ânimos.

Outra saia-justa diplomática marcou a passagem da chanceler alemã, Angela Merkel, pela Casa Branca. Trump recusou-se a dar o tradicional aperto de mãos diante da imprensa --o governo americano afirma que ele simplesmente não escutou o pedido dela para o gesto. O clima durante a entrevista coletiva da dupla foi visivelmente desconfortável.

Trump ainda voltou atrás em sua fala de campanha ao dizer que agora a aliança militar da Otan não é mais obsoleta. Outro reposicionamento em relação à campanha é a sua relação com Pequim: a China não é mais acusada de provocar uma guerra comercial e de manipular sua moeda.

Em relação ao Irã, que realizará eleições presidenciais em maio, a Casa Branca ordenou uma revisão do acordo nuclear --uma de suas promessas de campanha foi acabar com o pacto fechado pela comunidade internacional durante o governo Obama. O próprio secretário de Estado admitiu que o Irã --forte apoiador de Assad-- estaria cumprindo os compromissos do acordo, mas insistiu que o pacto é um "fracasso" e voltou a falar em Teerã como um governo "patrocinador de terrorismo".

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