Terror na Grande Natal

Mortes nas cidades de Extremoz e Ceará-Mirim (RN) superam índice do país mais violento do mundo

Carlos Madeiro Colaboração para o UOL, em Ceará-Mirim e Extremoz (RN)
Beto Macário/UOL

A crise de segurança no Rio Grande do Norte, que levou 2.800 militares das Forças Armadas e da Força Nacional de Segurança Pública ao Estado, agravou a criminalidade no final de 2017. No entanto, não é de hoje que a violência se tornou rotina na Grande Natal, alcançando níveis ainda mais altos após o aquartelamento de PMs.

No ano passado, as 12 cidades que compõem a região metropolitana de Natal atingiram índices de assassinatos que superam taxas de homicídios no país mais violento do mundo e até mesmo em zona de guerra, como a Síria.

A cidade de Extremoz, conhecida por belas praias como Genipabu, registrou a maior a taxa de homicídios no RN em 2017: 233 por 100 mil habitantes. No triste ranking da violência, Ceará-Mirim surge logo em seguida, com taxa de 196 assassinatos.

Os dados são do Obvio (Observatório da Violência Letal Intencional), ligado à Ufersa (Universidade Federal Rural do Semi Árido), que computa os crimes a partir de fontes oficiais.

A situação na região metropolitana elevou a taxa de homicídios em todo o Estado.

O Rio Grande do Norte encerrou 2017 com 2.408 homicídios --67 por cada 100 mil habitantes. Desde os anos 70 até 2016, é a segunda maior taxa já vista em um Estado, perdendo apenas para Alagoas, em 2011, quando houve índice de 71 por 100 mil.

Gustavo Amador/Efe Gustavo Amador/Efe

Sem comparação no mundo

As 12 cidades da Grande Natal registraram 1.392 homicídios em 2017, sendo 622 só na capital potiguar. A taxa de homicídios na região metropolitana de Natal, onde vivem 1,5 milhão de pessoas, foi de 89 por 100 mil habitantes.

Se fosse um país, a Grande Natal poderia ser o mais violento do mundo. Em 2015, esse título era de Honduras (foto), com taxa de 85 homicídios por 100 mil habitantes segundo estudo divulgado em abril pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

O mesmo estudo revela índices de países em guerra. O levantamento cita que o pior conflito foi o da Síria, com taxa estimada de 300 mortos por 100 mil habitantes. A taxa é referente a 2011 e 2015, ou seja, média de 60 por ano.

Conforme o Atlas da Violência do ano passado, o Brasil registrou taxa de homicídios de 29 por 100 mil em 2015. O documento leva em conta apenas as cidades com mais de 100 mil habitantes e aponta Altamira (PA) como a mais violenta, com índice de 107 por 100 mil moradores.

Considerando somente essas cidades maiores, no caso do RN, São Gonçalo do Amarante fechou 2017 com taxa de 129 por 100 mil.

Cidades mais violentas da Grande Natal

  1. 1

    Extremoz

    28.331 Habitantes - 66 Homicídios - 233 mortes por 100 mil habitantes

  2. 2

    Ceará-Mirim

    73.849 Habitantes - 145 Homicídios - 196 mortes por 100 mil habitantes

  3. 3

    Maxaranguape

    12.223 Habitantes - 22 Homicídios - 180 mortes por 100 mil habitantes

  4. 4

    Nísia Floresta

    27.372 Habitantes - 47 Homicídios - 172 mortes por 100 mil habitantes

  5. 5

    Vera Cruz

    12.371 Habitantes - 20 Homicídios - 162 mortes por 100 mil habitantes

  6. 6

    São Gonçalo do Amarante

    101.492 Habitantes - 131 Homicídios - 129 mortes por 100 mil habitantes

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Ela perdeu a mãe e o irmão em 3 meses para a violência

Era noite do dia 22 de outubro de 2017. Por volta das 19h, Edilza Laurindo, 55, deixou a casa da filha após o jantar no bairro do Carrasco, em Ceará-Mirim, na Grande Natal. Ela ia para sua residência, três casas depois.

Numa infeliz coincidência, o momento era o mesmo que homens encapuzados chegavam para matar um vizinho. Edilza foi atingida por disparos e caiu em frente à sua pequena casa, que ainda guarda marca dos tiros. O vizinho também foi morto.

"Depois disso saí daqui, fui morar em Parnamirim. Não estava me sentido bem", conta a filha da vítima, Ricarla Laurindo, 30.

Três meses antes, o irmão dela também foi morto a tiros --homens encapuzados invadiram a casa e o assassinaram.

O aumento dos assassinatos nas duas cidades mais violentas da Grande Natal se deu num curto período de tempo.

Em 2015, Extremoz registrou 33 homicídios e, no ano seguinte, 35. Já em 2017 saltou para quase o dobro (66).

Em Ceará-Mirim não foi tão diferente. Foram 55 mortes violentas em 2015, subindo para 89 em 2016, e 145 no ano passado.

Beto Macário/UOL Beto Macário/UOL
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Extremoz: medo e delegacia trancada

A reportagem do UOL visitou, na última sexta-feira (5), as duas cidades mais violentas do RN em 2017. Em Extremoz, é comum ouvir histórias de pessoas com medo e que perderam conhecidos para o crime.

"Esse ano [2017], mataram mais de 10 conhecidos meus, pelo menos. Foi muita morte, quase sempre de jovem entre 20 e 25 anos. Muitos deles envolvidos com drogas", conta Felipe Correia, 26.

No centro da cidade, muitos moradores preferem não falar. Outros até citam locais violentos, mas fazem de imediato um alerta: "Melhor o senhor não ir lá, não. É muito perigoso, lá se escondem os bandidos", diz um funcionário público.

"Prefiro não falar... A criminalidade aqui está pesada. Mês passado um vendedor ambulante falou demais e morreu em São Gonçalo [do Amarante]", diz um vendedor de picolés.

UOL também foi à sede da PM na cidade e encontrou três viaturas paradas e nenhum policial para conversar. Na delegacia, os portões estavam fechados com cadeado.

"Aqui praticamente não tem policiamento, é complicado. Eu mesmo já fui assaltado. Dois homens sacaram uma arma e levaram meus pertences", conta o autônomo Leonardo Ceará, 28.

Hoje, quase a juventude toda conhece droga

Felipe Correia

Felipe Correia, morador de Extremoz

São muitos homicídios, e não vemos solução

Leonardo Ceará

Leonardo Ceará, morador de Extremoz

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"Humanamente impossível dar conta de tudo", diz delegada

A delegada de Ceará-Mirim, Andrea Oliveira, chegou à cidade em março passado. Segundo disse ao UOL, apesar do trabalho intenso, não é possível dar conta de todos os casos.

"Foram 500 inquéritos abertos ano passado. Além dos homicídios, foram muitos casos de violência doméstica, estupro de vulnerável. É humanamente impossível dar conta de tudo com a equipe que temos, precisaria ao menos do dobro", diz, citando que, no ano passado, conseguiu baixar 350 inquéritos.

Ao todo, apenas três agentes estão disponíveis para investigações dos casos.

Oliveira ainda cita que percebe a atuação de quadrilhas em mais de uma cidade na Grande Natal. "Elas atuam lá e cá, quem rouba aqui, pode roubar em Extremoz ou outra cidade da Grande Natal", conta.

Em Ceará-Mirim, ao contrário de Extremoz, existe Guarda Municipal. Ao todo são 77 homens. A prefeitura deu início ao processo para armar a tropa. 

"Nós acabamos ocupando um vácuo das polícias", diz o secretário de Defesa Social do município, Carlos Paiva. "Aqui vivemos uma guerra, os números mostram isso."

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Alertas ignorados

Segundo o coordenador do Obvio, Ivenio Hermes, o problema da violência nas cidades da Grande Natal é antigo e complexo, e foram feitos alertas à gestão da segurança pública do RN, que não teria se preparado para evitar o aumento da violência.

"Operando em espasmos de ações reativas, o Estado deixou de protagonizar as políticas públicas de segurança, dando lugar para que criminosos, geralmente ligados a facções criminosas, ditem as regras de comportamento e convívio no seio da lacuna deixada pela ausência do Estado", afirma.

Para Hermes, os cenários em Extremoz e Ceará-Mirim são exemplos da ineficiência da segurança no Estado.

"Ceará-Mirim possui um imenso território, relevo acidentado, áreas de mata, aglomerados subnormais e áreas desabitadas que são propícias para esconderijos e para prática de desova de cadáveres", explica.

Segundo ele, Extremoz, ainda que menor que Ceará-Mirim, possui as mesmas características de ocupação urbana, além de possuir via férrea e fazer limite com a zona norte de Natal e São Gonçalo do Amarante, "regiões concentradoras de violência".

Para o pesquisador, os motivos que levam a altíssimas taxas passam pelo pouco efetivo policial, sobrecarga das delegacias, falta de estrutura, ausência de estratégias e pouca consideração às peculiaridades locais.

"São apenas algumas das variáveis de uma equação de insegurança que resultou nesse elevado índice de homicídios não só nessas duas cidades, mas em outras do Estado", completa.

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Faltam equipes, admite Estado

Indicado pelo Estado para falar sobre o tema, o diretor de Polícia Civil de Natal e Grande Natal, delegado Júlio Costa, afirmou que muitas mortes nessas cidades do entorno da capital têm relação com tráfico de drogas e briga de facções.

No RN, há uma disputa intensa pelo comando do crime entre PCC (Primeiro Comando da Capital) e Sindicato do Crime. 

Costa admite que o Estado enfrenta dificuldades.

"A gente tem um efetivo muito reduzido. É investir mais, ter mais recursos humanos. O concurso vai melhorar, mas precisamos tentar ver relocação de pessoal, otimizar os recursos humanos que a gente dispõe focando nessas áreas de incidência criminal", diz.

O delegado ainda afirma que, em Ceará-Mirim, houve uma atuação da Força Nacional de Segurança Pública que reduziu o número de mortes nos últimos meses do ano.

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