A tequila e a raiz

A tecnologia não roubou lugar do homem e das mulas, e o cultivo da matéria-prima da bebida resiste à tradição

Do UOL, em São Paulo*
Carlos Jasso/Reuters
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Sucesso mundial

O crescente desejo por tequila de São Paulo a Tóquio fez as vendas da tradicional bebida mexicana se transformarem em uma indústria global multibilionária.

Só em 2017, o México produziu 271 milhões de litros de tequila, o suficiente para encher 108 piscinas olímpicas com a bebida. 79% da produção foi exportada para 120 países, segundo o Conselho Regulador da Tequila.

O principal comprador da bebida foram os Estados Unidos, que importaram cerca de 171 milhões de litros no ano. O Brasil foi responsável pela compra de cerca de 855 mil litros do destilado.

Desde agosto de 2017, aliás, Brasil e México têm um acordo que prevê que toda tequila vendida no Brasil terá origem mexicana, assim como toda cachaça vendida lá será fabricada aqui. 

Apesar de exportar cerca de 402 litros de tequila por minuto, a produção da bebida no México continua enraizada em métodos centenários de cultivo, com ferramentas manuais e mulas de carga.

O coração da indústria de tequila fica no estado de Jalisco, um dos cinco mais ricos do México. 

Nas regiões de Tequila e Guadalajara, trabalham há gerações os chamados “jimadores”, fazendeiros que cultivam agave azul, planta que dá origem à bebida.

Eu tenho muito orgulho de ser jimador. Nós somos os primeiros da cadeia da indústria da tequila, e sem nós a bebida não existiria

Mario Perez, 39 anos

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Tradição familiar

Em 2017, cerca de 370 mil toneladas de agave azul foram utilizadas na produção de tequila. A maior parte da colheita fica a cargo de trabalhadores, que percorrem de mula os terrenos pedregosos de Jalisco. 

Jose Luis Flores, um jimador de 41 anos, herdou sete mulas quando seu pai morreu no fim do ano passado.

“Ajudei meu pai por 20 anos e amei”, disse Flores. “Ninguém pode nos substituir, nem mesmo as máquinas. Minhas mulas conseguem atravessar qualquer caminho difícil ou penhasco”.

Ele espera conseguir transmitir a tradição para seus quatro filhos. “Acho que terei que comprar mais mulas. Este é um negócio de família agora”, afirmou.

As gerações mais jovens, contudo, não querem mais trabalhar no que antes era considerado um emprego de respeito.

“No passado, ser um jimador era um trabalho respeitado, agora você é só mais um trabalhador”, disse Mario Perez. 

Da fazenda à fábrica

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Colheita

Jimadores usam uma ferramenta chamada "coa" para cortar as folhas espinhentas da planta, deixando só o coração, que parece um grande abacaxi. "Nós temos que cortar de uma forma específica, para que seja perfeito para o cozimento. Não é um trabalho fácil, você pode cortar suas pernas", conta Perez.

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Cozimento

Antigamente os corações do agave eram cozidos enterrados, do mesmo jeito que o mezcal ainda é produzido em outras regiões do México. Hoje a maior parte da tequila exportada, no entanto, é feita em destilarias industriais comandadas por empresas como Diageo, Bacardi e Jose Cuervo.

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Qualidade x Quantidade

A popularidade da tequila tem levado a uma redução da qualidade do agave azul.

Cada planta precisa de sete a oito anos para amadurecer, mas a demanda leva os produtores a usarem plantas mais jovens.

Em 2011, no México, foram plantados quase 18 milhões de agaves azuis para a colheita deste ano. Apesar de alto, o número é menor do que a demanda: seriam necessárias  42 milhões de plantas para abastecer as 140 empresas registradas como produtoras de tequila.

A escassez deve persistir até 2021, enquanto as melhores estratégias de plantio não dão frutos.

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"Espero que a tecnologia não nos substitua"

Além das preocupações do cotidiano, os jimadores temem os avanços da tecnologia. A cada dia que passa, a possibilidade de serem substituídos por máquinas aumenta.

Mas a alta complexidade da colheita é um alento, já que é difícil prever o tamanho da planta, o que dificulta a inserção de maquinário na colheita.

“Essa é a minha vida e eu sou muito orgulhoso dela. Eu sei como fazer isso bem. Espero que a tecnologia não nos substitua, seria desastroso”, disse Francisco Quiroz, um jimador de 57 anos.

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