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República Tcheca adota nome alternativo para o país -- e o motivo não são os trocadilhos brasileiros

Lucas Borges Teixeira Colaboração para o UOL, em São Paulo
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Há mais de dois anos, a República Tcheca trabalha para divulgar uma denominação alternativa para o país de 10 milhões de habitantes: Tchéquia, ou em inglês, Czechia.

É com esse termo que o governo tcheco pretende ser reconhecido em organismos internacionais, mapas e cadastros. 

O motivo para o novo nome, obviamente, não tem nada a ver com as piadas brasileiras. 

Na verdade, a República Tcheca não quer acabar com o nome atual, mas pretende oferecer uma opção mais curta e direta para se apresentar ao mundo.

O UOL ouviu professores, analistas internacionais e cidadãos tchecos dentro e fora do Brasil para contar o que leva um país a querer adotar mais um nome.

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Tchéquia

“Não é bom que um país não tenha seus símbolos definidos e não possa dizer com clareza qual é seu nome”, declarou o Ministro de Relações Exteriores do País, Lubomir Zaoralek, ao adotar ‘Czechia’ como nome oficial em inglês junto a ‘Czech Republic’ em 2016.

Nas últimas décadas, a República Tcheca se consolidou como destino turístico na Europa do Leste. Recebeu, em 2017, 10 milhões de turistas estrangeiros. O volume de estrangeiros visitando a capital, Praga, é o mesmo que todo o Brasil recebeu no ano passado: 6,6 milhões.

Para o governo local, usar um nome formado por uma só palavra facilitará as relações do país internacionalmente. Para especialistas e cidadãos tchecos no Brasil, a adoção de mais um nome oficial não faz tanta diferença prática.

David W Cerny/Reuters David W Cerny/Reuters

República Tcheca, Tchéquia ou os dois?

O correto, desde abril de 2016, são os dois. De acordo com Seán Hanley, professor de Política da University College London, “não é incomum” que isso aconteça. 

“Na verdade, a ONU [Organização das Nações Unidas] adota o nome oficial do país e uma versão mais curta em inglês para várias nações. Mais incomum é o próprio governo promover internacionalmente seu nome abreviado em inglês”, afirma Hanley, especialista em Europa Central.

Para o estudioso, a estratégia faz sentido. “A grande maioria das línguas já tem um nome adotado para o país dos tchecos [além do oficial], como ‘Tschechien’ em alemão e ‘Tchéquie’ em francês, o que é estranho é que em inglês, a língua mais usada internacionalmente, ainda não tinha”, argumenta o professor.

No Brasil, repete-se o fenômeno observado em inglês. Por aqui, a denominação "Tchéquia" não aparece nos dicionários. Enquanto editamos este texto, o corretor ortográfico sublinha a palavra em vermelho, sugerindo que ela está errada. O termo também não consta do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp).

O geógrafo Peter Jordan, da Academia Austríaca das Ciências, não vê um impacto tão grande, mas entende sua implementação. Ele diz que, grosso modo, funciona como usar República Federativa do Brasil ou só o último nome.

Jordan explica que essa diferença se dá pelo nome que um país usa internamente (endômino) e seu nome adotado externamente (exônimo). “Czech Republic (República Tcheca) é o nome completo usado em inglês enquanto Czechia (Tchéquia) é a versão diminuída, assim como 'Ceská  republiká’ e ‘Cesko’.”

O que mudou desde 2016 é que, antes, o nome mais curto era apenas um enômino, ou seja, só era usado pelos cidadãos, e agora foi adotado globalmente. 

Micaele Martins / Arte UOL
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Já foi Tchecoslováquia

Estranho em português e inglês, o nome curto não é novidade para os tchecos. Desde o final do século 19, a região onde hoje se encontra a República Tcheca já teve diferentes alcunhas. A nomenclatura ‘Cesko’ (a letra é, na verdade, um 'C' com acento, caractere inexistente no nosso alfabeto) foi uma delas – muito comum até o começo do século passado, quando área incluía três províncias do Império Austro-Húngaro.

“O que hoje se conhece como Tchéquia remonta às Terras Boêmias do Império Austro-Húngaro, composta por Boêmia, Morávia e Silésia Austríaca”, explica Jordan. “Elas eram formadas pelos tchecos como população majoritária e alemães como minoritária.”

Com o fim da Monarquia em 1918, derrotada na Primeira Guerra Mundial, a região se unificou com a Eslováquia e formou a Tchecoslováquia, nome mantido pelo regime comunista iniciado em 1948 até sua dissolução, entre 1992 e 1993, quando o país tornou-se oficialmente República Tcheca.

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“Quando os movimentos nacionalistas tchecos se desenvolveram no século 19, houve um debate de como o país deveria se chamar. Mas quando o império se dissolveu e decidiram se juntar aos eslovacos, ficou como Tchecoslováquia e tudo resolvido”, conta Hanley.

“Só quando o país se separou, em 1993, voltou a não haver uma palavra [mais informal] para chamar o local dos tchecos e o nome ‘Cesko’ começou a ser usado abertamente pelas pessoas e pela mídia”, afirma Hanley. “Na República Tcheca, você o ouve com muita frequência.”

Piadas no Brasil

O nome ainda é desconhecido no Brasil. A reportagem abordou 20 pessoas nas ruas de São Paulo, e nenhuma delas soube dizer o que o nome significava.

“Tchéquia quem?”, perguntou o porteiro Edmilson Andrade. “Isso é um país?”, também questionou o estudante de medicina Danilo Ramos.

No Brasil ninguém conhece, não. Acham que você está fazendo piada. Uma vez um homem me falou: a Tchéquia que eu conheço é outra!

Mirek Menzel, engenheiro tcheco no Brasil

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Menzel, que trabalha o Brasil há um ano e meio, afirma que o nome é usado no país europeu, mas não por pressão política.

“Eles [do governo] tentaram pregar, mas não emplacou. Depois de tantas mudanças de nome e regime, o nome oficial é o que menos importa, desde que mantenhamos nossa identidade como nação.”

O compatriota Bohumil Med, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília) e fundador da Sociedade Cultural Brasil–República Tcheca, fala que a nomenclatura não teve muito impacto na sua vida aqui.

“É uma comunidade pequena, que veio para cá mais no século passado. Atualmente, a migração maior de tchecos é para Estados Unidos, Austrália e Canadá”, conta o professor.

“Nunca ouvi muitas piadas [sobre o nome do país], só aquele tapa que você leva embaixo do braço: chamam de tcheca-tcheca, não é?”, diz o professor.

Med mora no Brasil desde 1968, quando veio a uma viagem oficial para o Rio de Janeiro e decidiu não voltar. “Fui considerado um traidor da pátria pelo regime comunista até a redemocratização.”

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Problemas práticos

Como não foi estabelecida uma mudança oficial de nome, mas a adição de um, não houve muitos gastos por parte do governo ou trâmites internacionais para que Tchéquia fosse adotado.

“O nome oficial ainda é República Tcheca. É o que está na Constituição e consta em RGs, passaportes, documentos e órgãos oficiais”, afirma Tomas Lonicek, da embaixada do país no Brasil.

Os dois nomes estão certos, às vezes Tchéquia é mais fácil de usar

Tomas Lonicek, chefe de missão-adjunto da embaixada tcheca no Brasil

REUTERS/David W Cerny REUTERS/David W Cerny

Assim como a ONU, diferentes órgãos internacionais, como Unesco e União Europeia, da qual o país faz parte desde 2004, reconheceram o pedido do governo tcheco e também adotaram Tchéquia como opção.

No mundo dos esportes, a denominação ainda não colou. A Fifa (Federação Internacional de Futebol) e o Comitê Olímpico Internacional ainda se referem à nação como República Tcheca.

A situação é diferente, por exemplo, do atual Reino de eSwatini, antiga Suazilândia, que teve o nome mudado em abril deste ano a mando do Rei Mswati III.

Órgãos internacionais, embaixadas e até uma rua em Londres tiveram de mudar o nome, o que acarreta em uma série de gastos e procedimentos oficiais.

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Tchéquia ou Chéquia?

"No Brasil, adotamos a grafia mais fiel à pronúncia do termo na língua de origem, daí a letra 't' antes do 'c'. Portanto é provável que venhamos a usar 'Tchéquia', como fazemos com 'tcheco' e República Tcheca", explica a professora Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa do UOL. Ela diz, ainda, que em Portugal prevalece a grafia apenas com “ch”.

A professora acredita que, em breve, o nome vai "pegar no Brasil". "Se até paralimpíada 'pegou', creio que será muito fácil para todos dizer Chéquia (ou Tchéquia), como já se diz Eslováquia", avalia.

Entusiasta do nome, Hanley diz que usa Tchéquia com muita frequência e espera que outras nações, como o Brasil, o adotem.

“Alguns, de fato, não gostam do termo, mas há grupos de apreciadores”, afirma o professor tcheco.

“Se vai pegar eu não sei, o importante é que se mantenha como a melhor cerveja do mundo”, conclui Med, da UnB, em tom bem-humorado.

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