PCC em expansão

Após morte de líderes, facção amplia organograma e fica mais violenta -mesmo quando chefes estão isolados

Luís Adorno e Flávio Costa Do UOL, em São Paulo
Avener Prado/Folhapress

Para falar sobre o atual PCC (Primeiro Comando da Capital) é necessário voltar a dezembro de 2017, quando morreu Edilson Borges Nogueira, o Biroska, e fevereiro de 2018, quando foram assassinados Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca.

A investigação da Promotoria paulista coloca os três como membros da "sintonia final geral" [termo usado para designar os líderes] da facção paulista - Biroska era amigo do chefe máximo, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. Gegê e Paca eram, consecutivamente, os números 2 e 3 do PCC.

Denúncia apresentada nesta quinta-feira (5) pelo promotor de Justiça do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de Presidente Venceslau (SP), onde está presa a cúpula do PCC, aponta que a facção ampliou seu organograma, com a "sintonia final dos estados e países" [um grupo específico para controla a facção fora de São Paulo], e se tornou mais violenta do que antes.

A denúncia, chamada de Operação Echelon pelo MP (Ministério Público), consistiu na identificação de líderes fora de São Paulo e do Brasil, além de suas estruturas de apoio externo. Ao todo, 70 homens e cinco mulheres foram acusados pelo crime de organização criminosa, ao ter cargos relevantes dentro do PCC.

"Verifica-se que a organização criminosa mesmo após o isolamento de seus líderes máximos, rearranjou-se, utilizando-se de outros membros para seguir com as empreitadas criminosas (distribuição de armas, tráfico de drogas, execuções de adversários) e obter hegemonia, inclusive nos demais Estados da Federação e em outros países da América do Sul", revela a denúncia.

Foi detectado, também, que, agora, o PCC está mais violento. Antes, havia a premissa de tentar evitar o confronto para não atrapalhar os negócios. Com o enfrentamento de outras facções, em outros estados, o grupo paulista decidiu agir de forma semelhante ao CV (Comando Vermelho), do Rio: matar todos os inimigos, os quais chama de "lixo".

A reportagem tentou localizar por telefone um advogado que trabalha para chefes do PCC, mas não conseguiu localizá-lo. Após a publicação desta reportagem, a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) afirmou, em nota, que esclarece que a Operação Echelon teve início no ano passado "em um esforço conjunto entre a inteligência da SAP, SSP (Secretaria da Segurança Pública) e Ministério Público/Gaeco. "

Reprodução/MP-SP Reprodução/MP-SP

Os 30 mil soldados do crime

O MP afirma no relatório, obtido pelo UOL, que o PCC, com sede na penitenciária de segurança máxima de Presidente Venceslau, é "a maior organização criminosa em atuação no país, contando hoje com cerca de 30.000 integrantes espalhados por todos os estados e também por alguns países vizinhos".

A investigação aponta que a facção, que surgiu na Casa de Custódia de Taubaté (SP) em 1993, "demonstra claramente" que é ordenada e caracterizada por divisão de tarefas. "Marcola solidificou seu prestígio e liderança à frente da facção, designando seus 'homens de confiança' para compor, com ele, o primeiro escalão da organização criminosa.

Segundo o MP, a chefia do PCC, estruturada em 2006, tem até hoje a mesma composição básica:

  • Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola;
  • Abel Pacheco de Andrade, o Vida Loka;
  • Rogério Geremias de Simone, o Gegê do Mangue (morto);
  • Roberto Soriano, o Tiriça;
  • Daniel Vinicius Canônico, o Cego;
  • Fabiano Alves de Souza, o Paca (morto);
  • Edilson Borges Nogueira, o Biroska (morto);
  • Júlio Cesar Guedes de Moraes, o Julinho Carambola.


"Os demais integrantes da organização que compõem as diversas 'sintonias' e as 'células' que formam os mais variados setores da organização criminosa, cada qual com função específica, (...) todos imbuídos do objetivo de praticar os mais variados crimes, como o de tráfico de drogas, tráfico de armas, roubos, extorsão mediante sequestro, corrupção, etc", aponta a denúncia.

Os líderes fora de São Paulo

O relatório do MP aponta que Claudio Barbará da Silva, o vulgo Barbará, e Célio Marcelo da Silva, o Bin Laden, estão destacados dentre os integrantes da "sintonia dos estados e países" (o grupo que comanda a atuação da facção fora de São Paulo). Ambos presos em Presidente Venceslau, eles têm funções parciais da sintonia final do PCC --o grupo que Marcola integra.

De acordo com a investigação, Barbará "exerce função relevante na organização criminosa PCC, sobretudo por contar com elevado poder de decisão --em patamar superior aos demais integrantes. Cartas escritas por ele (com exames dos manuscritos comprovando sua autoria) apontam que chegou a determinar ação em outros estados.

"Percebe-se que o criminoso Barbará orienta os comparsas radicados em Santa Catarina a deixarem de atuar, pelo menos por hora, para evitar de serem presos, prometendo toda a assistência necessária", aponta a Promotoria.

Segundo a investigação, o PCC tem interesse no domínio do estado por causa dos portos, em especial o da cidade de Itajaí, de onde a facção poderia enviar drogas para a Europa através de contêineres.

Já Bin Laden, segundo a apuração, cobra, com agilidade, o envio de informações de seus subalternos. Além disso, ele determina envio de armas a integrantes do grupo. Uma carta comprovou que ele prometeu enviar 17 pistolas, além de uma pistola de rajada, a membros de SC, mas não conseguiu e enviou cinco pistolas e dois fuzis AR 15, porque tinha de dividir o armamento do integrantes do CE.

Organização por controle

Patrick Anderson dos Santos Fonseca, o Coban, é acusado pelo MP de exercer a função de "cadastreiro" dentro do PCC, mesmo preso na cidade de Pacaembu, interior de SP. "É o responsável por realizar os cadastros de novos e antigos membros da facção, bem como por distribuir, entre os quadros, as informações relativas a mudança de codinomes e de responsabilidades", aponta o MP.

O relatório aponta que Coban mantém contato com outros criminosos, inclusive por meio de conferências, para que, ao final das "reuniões" inovações quanto ao cadastro dos integrantes da facção para que sejam por ele controladas.

"Em resumos de transcrições fica evidente o envolvimento do denunciado, que se diz 'responsável pela cadeia de Tremembé' e integrante de um dos quadros do 'comando', passando inclusive contatos de outros integrantes que segundo ele 'fecham no mesmo quadro'", aponta a Promotoria.

O MP revela, ainda, que "o auxílio na organização estrutural da facção é atribuição corriqueiramente atribuída a indivíduos que como Coban se encontram presos, pois o fluxo de informações que os criminosos transmitem entre si é grande e o fato de o responsável por administrá-las estar preso gera a sensação de segurança".

Nova determinação: tortura antes da morte

"Ô meus irmão, de tiro não, de faca!", diz um dos chefes do PCC ao determinar a morte de um "condenado" no Tribunal do Crime instituído pela facção na periferia de São Paulo. A ordem repassada por telefone celular foi interceptada durante investigações da Operação Echelon.

A denúncia feita pelo MP paulista mostrou que o PCC abandonou a discrição pela qual era conhecido em suas ações. A cúpula decidiu tornar ainda mais violenta a cruel a maneira de assassinar rivais. Eis a nova regra: eles devem ser mortos após sessões de tortura e seus corpos devem ser fotografados.

"Os membros com os cargos de 'Ponteiros' e 'Resumos' são responsáveis pelas conduções (sequestro e cárcere privado), julgamentos (tribunais do crime) e pela execução de pessoas consideradas traidoras ou pertencentes a facções rivais (com torturas, longa sessão de questionamentos e crueldade, visando demonstrar aos demais membros o castigo aplicado a quem é
traidor e a hierarquia na facção)", afirma o promotor de Justiça Lincoln Gakyia.

Em disputa com o Comando Vermelho e facções regionais pelo controle de rotas de tráfico de drogas e do sistema penitenciário brasileiro, os chefões do PCC decidiram enviar armas para membros da facção com o objetivo de aumentar o número de mortes de rivais.

Interesse por Santa Catarina

Santa Catarina tornou-se um dos principais fronts da guerra do PCC contra outras facções. No estado, o inimigo é PGC (Primeiro Grupo Catarinense). O interesse por dominar o crime no estado é logístico.

"A facção PCC tem total interesse no domínio do crime organizado no estado catarinense, e a grande razão desse interesse são os portos, em especial o da cidade de Itajaí, de onde a facção poderia enviar fartas remessas de drogas para a Europa através de contêineres", afirma o promotor Lincoln Gakyia.

O embate entre duas facções tem reflexos nos índices de violência de Santa Catarina. Mesmo sem precisar percentualmente, a Secretaria da Segurança Pública atribui a maioria dos homícidios a disputas entre os dois grupos criminosos.

A polícia investiga se mais um capítulo deste confronto aconteceu nesta sexta-feira (6) em um apart-hotel na praia de Canasvieiras, um dos principais destinos turísticos de Florianópolis. Cinco pessoas, quatro delas da mesma família, foram encontradas mortas pela Polícia Militar.

Segundo o relato da PM, ao chegarem ao local para atender a uma ocorrência de assalto, os policiais encontraram as vítimas deitadas de bruços, com pés, pescoços e mãos amarrados. Elas estavam em cômodos separados. No local, havia cheiro forte de gasolina, mas nenhuma marca de tiro. As paredes estavam riscadas com as iniciais da facção paulista. Segundo o Instituto Geral de Perícias, a provável causa da morte é asfixia.

Em diversos bilhetes interceptados pelo serviço de Inteligência da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), os integrantes do PCC se mostram preocupados em relação aos membros da facção no estado, já que eles estão cumprindo pena em prisões dominadas pelo PGC. De acordo com o MP paulista, o PCC tem pressionado autoridades locais para obter transferência de seus membros para prisões onde só haja integrantes da facção.

"Sintonia dos estados" controla todos

Segundo o relatório do MP, a "sintonia dos estados" controla tudo e todos no PCC. É por meio dela que a maior facção criminosa do país exerce o controle da massa carcerária e do tráfico de drogas e outros crimes cometidos fora de São Paulo.

Seus membros debatem e planejam ações por meio de bilhetes escritos à mão sobre os mais diversos assuntos: guerra entre facções, planos para o homicídio de rivais, expansão da facção em unidades femininas, remuneração de visitantes que transportam as cartas, envio e controle de armas, montagem de um grupo de criminosos para praticar atentados, aliança com outras facções, suporte aos familiares.

O fluxo de informação a respeito do que acontece fora do estado de São Paulo é constante não só a respeito da movimentação de inimigos como também sobre ações de membros da facção. A título de exemplo, as investigações da Operação Echelon descobriram que o Leandro Cândido de Oliveira, mesmo preso em São Paulo, consegue controlar ações da facção criminosa no Rio Grande do Norte, inclusive na favela do Mosquito, em Natal, onde ocorreram vários homicídios devido à guerra entre as facções.

"O controle de informações por parte da sintonia é tão grande, que até estados onde não houve nenhuma ocorrência, os comparsas mandam relatório dizendo que não houve nenhuma novidade", afirma a denúncia do MP paulista. "Até despesas com advogado são autorizadas pelos integrantes da 'sintonia dos estados'", afirma o promotor Gakyia.

SAP instalou telas no esgoto para resgatar bilhetes

Após a publicação desta reportagem, a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) informou ao UOL que "combate diuturnamente o crime organizado em parceria com a inteligência das Policias e com o Ministério Público". Confira, abaixo, o posicionamento da pasta:

"Sobre a operação, a Pasta esclarece que a Operação Echelon teve início no ano passado, em um esforço conjunto entre a inteligência da SAP, SSP e Ministério Público/Gaeco. Após a operação Ethos, em 2016, com a prisão de advogados e um representante da área de direitos humanos, as principais lideranças foram isoladas no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

Porém, em abril de 2017, a inteligência da SAP verificou que um outro grupo de presos estava enviando, por meio de visitantes e advogados, "salves". Os agentes não conseguiam ter acesso às mensagens porque estas eram destruídas antes das revistas dentro dos pavilhões. Porém, a SAP instalou telas nos nos canos de esgoto, conseguindo assim resgatar os bilhetes rasgados.

Houve um trabalho árduo dos serviços de inteligência da SAP para higienizar, recompor e comparar as cores das tintas e as caligrafias, conseguindo-se assim determinar a autoria das mensagens e chegado aos sete presos que teriam assumido a liderança após o isolamento dos líderes com a operação Ethos.

O material foi encaminhado ao Deinter 8, de Presidente Prudente, em junho/2017 e deu início às investigações que culminaram com a operação Echelon no dia 14/06/2018. Os setes presos foram  transferidos no mesmo dia da operação Echelon para o RDD, pois  o secretário da Administração Penitenciária conseguiu que o Judiciário Paulista expedisse a ordem para transferência previamente.

Foram cumpridos 75 mandados de busca e apreensão  em 14 estados brasileiros. Foram realizadas 63 prisões, sendo que 51 já estavam presos. Porém, estes estavam todos em prisão processual, ou seja, poderiam sair a qualquer momento e agora continuarão presos preventivamente, acusados inicialmente de associação criminosa.

Em São Paulo, 36 foram presos sendo 20 dentro das prisões. Foi solicitado ao Poder Judiciário a internação de alguns deles no RDD e  de outros (envolvidos em mortes de agentes públicos e/ou atentados à ordem nos presídios) em presídios federais.

A investigação ainda em curso já descobriu dezenas de outros crimes cometidos por eles, o que pode gerar outras condenações posteriormente."

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