Óvnis no Brasil

Entre fraudes e mistérios, Aeronáutica tem registro de 777 ocorrências com objetos voadores não identificados

Aiuri Rebello Do UOL, em São Paulo

Eles existem, mas não sabemos o que são

Muitas vezes associados a teorias conspiratórias de ufólogos e ficção científica pura no imaginário popular, os óvnis (Objetos Voadores Não Identificados) são um um fenômeno real que paira sobre o Brasil desde pelo menos a década de 1950. A FAB (Força Aérea Brasileira) até criou um protocolo para este tipo de caso: pilotos de aviões e helicópteros --civis e militares-- devem preencher uma ficha detalhada e fazer um registro oficial toda vez que avistam luzes e formas estranhas no céu.

Até hoje foram pelo menos 777 ocorrências documentadas. Elas acontecem todos os anos, às dezenas. Além dos registros oficiais feitos por pilotos, os arquivos da Aeronáutica sobre o tema incluem depoimentos de observadores no ar e em terra, boletins de ocorrência, fotografias, vídeos, notícias de jornal e relatórios de pesquisas em campo feitas pelos militares ao longo das décadas.

O que não existe é um consenso ou explicação: afinal, o que são os óvnis?

Objetos estranhos cruzam o céu noturno

Na madrugada de 4 de outubro de 2015, por volta das 5h, o piloto de um avião particular decolou do aeroporto internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, em direção a Curitiba. Quando sobrevoava o município fluminense de Santa Cruz, algo estranho aconteceu.

De acordo com o piloto, a uma distância de cinco a dez quilômetros de sua aeronave, apareceram três luzes piscando as cores vermelho, azul, amarelo e âmbar. As luzes estavam aglutinadas, mas não davam a impressão de fazerem parte do mesmo objeto. De vez em quando se distanciavam um pouco, para depois tornarem a se aproximar.

O objeto luminoso parecia estar parado no ar e, de acordo com relato do piloto, foi ultrapassado pelo avião e ficou para trás, a cerca de 750 metros de altitude. O piloto disse que o estranho equipamento também não emitia som nem fazia barulho. 

O avistamento durou cerca de cinco minutos. Segundo o relato do piloto, que não estava sozinho no voo e tem uma testemunha do que descreveu, não havia nenhuma chance de o objeto voador ser uma aeronave normal, como um avião ou helicóptero. Ele desconfiou que poderia ser um drone ou algum tipo de avião. Mas naquela altura? Parado no ar?

Na dúvida, o piloto comunicou os controladores de voo do Cindacta 2, na capital paranaense, e, quando pousou, preencheu a Ficha de Controle de Tráfego Hotel, disponibilizada pela FAB (Força Aérea Brasileira) em todos os aeroportos do país e na internet --documento oficial de registro de óvnis (Objetos Voadores Não Identificados) em território nacional.

Poucos meses antes, pilotos de um voo da Latam na região de Manaus também avistaram luzes estranhas. Semanas antes disso, foi a vez de pilotos da Força Área e controladores de voo também verem óvnis. Apenas em 2015, foram registradas pelo menos 15 ocorrências com esses objetos pelo país.

Reprodução/Arquivo Nacional Reprodução/Arquivo Nacional

Força Aérea acompanha casos desde a década de 1950

De 1954 (quando a FAB começou a fazer os registros) até hoje, foram pelo menos 777 casos oficiais de óvnis no Brasil.

As informações constam nos arquivos sobre o assunto da FAB, disponíveis para consulta pública no Arquivo Nacional. Desde 2010, a FAB manda para o Arquivo Nacional lotes sucessivos de documentos que ficavam sob sigilo no Comando da Força Aérea. Desde 2015, trechos do acervo estão disponíveis para consulta na internet.

A maior parte do material é composta pelas Fichas de Controle de Tráfego Hotel, preenchidas por pilotos civis e militares e controladores de voo. Mas há mais que isso: boletins de ocorrência, reportagens jornalísticas, fotos, desenhos, vídeos, áudios, depoimentos e documentos diversos integram o acervo.

Até a década de 1970, a Força Aérea chegava a investigar os episódios mais notórios, com equipes em campo, e chegou a ter um departamento especial para realizar missões e investigações sobre o tema óvnis (leia mais abaixo).

Até os anos 1990, os arquivos ainda traziam recortes de jornais com notícias sobre o tema. Hoje, são apenas feitos os registros das Ficha de Controle de Tráfego Hotel. De acordo com a Aeronáutica, não há mais análise nos materiais desde os anos 1970. Apenas é feito o registro e, a partir de 2010, eles passaram a ser enviados anualmente para o Arquivo Nacional.

"Arquivo-X" brasileiro existiu durante a ditadura militar

O Brasil chegou a ter um órgão oficial de registro e investigação de óvnis e casos relacionados durante a ditadura militar. Tratava-se do Sioani (Sistema de Investigação de Objetos Aéreos Não Identificados).

O Sioani foi criado na Aeronáutica e ficava sob responsabilidade do 4º Comar (Comando da Aeronáutica na 4ª Zona Aérea), em São Paulo, e funcionou durante apenas três anos, de 1969 a 1972. Apesar do curto período em que esteve ativo, o Sioani investigou diversos casos de óvnis, com despacho de equipes para os locais das ocorrências.

A agência oficial de investigação de óvnis no Brasil chegou a produzir dois boletins oficiais, classificados como secretos e produzidos apenas para circulação interna entre os órgãos de inteligência do governo militar durante sua existência. O primeiro, de 1º de março de 1969, estabelecia a criação da espécie de agência e pormenorizava seus objetivos, protocolos e objetivos.

No segundo, de 2 de agosto de 1969, estão listados cerca de 70 casos envolvendo óvnis em investigação pelo Sioani. O boletim traz a lista dos casos acompanhados de desenhos livres dos investigadores sobre o possível formato e características dos óvnis presentes na lista.

De maneira pouco clara, o Sioani foi desativado em 1972, pouco depois da troca de comando no 4º Comar. O processo de encerramento do órgão não está documentado no acervo da FAB disponível para consulta no Arquivo Nacional.

Depois do fim do Sioani, todo o seu acervo foi enviado para os arquivos do Comando Aeroespacial da Força Aérea. De acordo com a FAB, depois disso nunca mais houve um departamento específico encarregado de investigar casos e relatos de óvnis.

FAB: registros não são investigados

A FAB faz o registro e compilação de todos os casos com óvnis oficialmente relatados no Brasil. Apesar disso, diz que não realiza nenhuma investigação a respeito dos episódios.

De acordo com a Aeronáutica, por meio de sua assessoria de imprensa, não existe nenhum departamento específico para cuidar de óvnis desde o encerramento do Sioani, em 1972. "Todo o material sobre o tema óvni em poder do Comando da Aeronáutica foi encaminhado ao Arquivo Nacional", afirma a nota enviada ao UOL.

"A Portaria do Comando da Aeronáutica nº 551/GC3, de 9 de agosto de 2010, trata sobre o envio periódico dos relatos de fenômenos aéreos recebidos pelo Comando Aeroespacial ao Arquivo Nacional, isto é, o Comando da Aeronáutica vai receber, registrar, catalogar e encaminhar os registros para aquele órgão, onde serão disponibilizados para consulta pública", continua a FAB.

"O Comando da Aeronáutica não dispõe de estrutura e de profissionais especializados para realizar investigações científicas ou emitir parecer a respeito desse tipo de fenômeno aéreo", termina a nota.

Segundo a Aeronáutica, seria inviável manter uma estrutura específica para investigação destes fenômenos. Demandaria muitos homens e recursos com um retorno difícil de avaliar e, hoje, esta possibilidade não está contemplada na doutrina de segurança em voga das Forças Armadas.

O UOL também procurou o Exército para saber se, a exemplo da Aeronáutica, também possui um registro formal de casos de óvnis ou outros relacionados ao tema, assim como também se há alguma espécie de investigação.

"Não há documentos que tratem sobre assuntos de ufologia nos arquivos do Exército Brasileiro", afirma a resposta da assessoria de imprensa. De acordo com a resposta, o Exército também não costuma investigar casos envolvendo óvnis ou outros fenômenos não explicados.

Apesar disso, há uma exceção. Trata-se do caso que ficou conhecido como "E.T. de Varginha", no qual militares foram acusados de capturar uma criatura misteriosa na cidade mineira.

"O Exército Brasileiro determinou a abertura de processos investigatórios sobre o fato, nos anos de 1996 e 1997. Tais procedimentos resultaram na instauração de um IPM (Inquérito Policial Militar), o qual foi encaminhado, naquela ocasião, à Auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar, em Juiz de Fora/MG. O assunto foi encerrado com a conclusão do IPM", afirma a resposta enviada ao UOL (leia mais abaixo).

A reportagem também tentou contato com o setor de comunicação da Marinha, mas não obteve sucesso.

Arte/UOL

Casos mais famosos do Brasil

E.T. de Varginha

O caso que ficou conhecido como o "E.T. de Varginha", de 1996, talvez seja o mais famoso caso de óvni do Brasil.

Na verdade, começa com um suposto óvni (que nunca entrou nas estatísticas da FAB) em uma noite, avistado por um casal de agricultores, e culmina no que seria um encontro imediato do terceiro grau na manhã seguinte: duas (e depois três) adolescentes cruzavam um terreno baldio próximo de casa, quando viram de soslaio escondida em uma moita no canto uma criatura misteriosa. Quando retornaram com a mãe, menos de uma hora depois, não havia mais nada.

A história foi publicada na imprensa local. O relato das irmãs e o avistamento do óvni chamaram a atenção de ufólogos (um deles morador de Varginha), que começaram a investigar o caso e chegaram a uma conclusão: uma espaçonave havia caído pela noite e, na manhã seguinte, o Corpo de Bombeiros capturou as criaturas (depois surgiram relatos de mais uma) e depois entregaram ao Exército, que primeiro teria levado para um hospital local, depois para uma instalação militar próxima e, finalmente para uma base militar em Campinas.

A história cresceu, ganhou o país com a ajuda de veículos de imprensa sensacionalistas e foi parar em canais de TV em rede nacional. Mesmo sem nenhum indício concreto afora os relatos das adolescentes e de testemunhas anônimas reunidas por ufólogos que estudaram o caso.

Os IPMs (Inquéritos Policiais Militares) do Exército em 1996 e 1997 chegaram à conclusão de que o E.T. de Varginha nunca existiu. De acordo com o segundo inquérito, de 1997, na noite do suposto avistamento do óvni na cidade mineira, houve uma grande tempestade que derrubou postes e árvores.

Na manhã seguinte, equipes de Bombeiros estavam espalhadas pelo bairro onde as meninas avistaram o que seria a criatura. Segundo a investigação, as adolescentes provavelmente viram um portador de deficiência mental conhecido na cidade, que teria se perdido durante a tempestade e estava no terreno coberto de barro e sangue entre as moitas.

Sobre a presença do Exército na cidade, o IPM mostrou que, de fato, havia um comboio de caminhões na cidade, mas para realizar manutenção programada em uma concessionária local.

Após dezenas de depoimentos e análise de documentos e notícias de jornal, os responsáveis pela investigação encerraram o assunto. Muitas pessoas, como ufólogos que investigaram o caso, não acreditam nessa história e acham que não passa de uma farsa para encobrir a captura do E.T.

Noite oficial dos óvnis

Este episódio de óvnis no Brasil veio a público na época em que aconteceu e foi o mais bem documentado e registrado oficialmente até hoje. Na noite de 19 de maio de 1986, pelo menos 20 objetos voadores não identificados foram vistos, por pessoas e radares, em diversos pontos dos céus no Estado de São Paulo.

A FAB chegou a despachar caças para interceptar os óvnis e defender o espaço aéreo brasileiro, mas os pilotos simplesmente não alcançaram nem identificaram os alvos. Alguns chegaram ver as luzes, mas não conseguiram se aproximar. Após algum tempo, os objetos voadores sumiram dos radares e da vista e os caças de guerra voltaram para as bases.

O então presidente da Embraer, o coronel Ozires Silva, estava em um avião da FAB retornando de Brasília a São José dos Campos, no interior paulista, e se envolveu no caso. Ele chegou a perseguir uma das luzes, mas também não conseguiu alcançá-la.

No dia seguinte, a Aeronáutica admitiu oficialmente o episódio, visto por diversas pessoas e fartamente documentado pela imprensa na época. A gravação dos áudios das conversas entre os pilotos dos caças da FAB com torres de controle e controladores de voo naquela noite está disponível para consulta pública no site do Arquivo Nacional.

Operação Prato

Esse é o caso documentado mais misterioso na história dos óvnis brasileiros. Questionada sobre o assunto, a FAB apenas confirma a existência da história e afirma que já enviou todos os arquivos que possui sobre o tema para o Arquivo Nacional, não tendo nada a acrescentar sobre o tema.

No final da década de 1970, mais especificamente no segundo semestre de 1977, o Comando da Aeronáutica no Norte do país despachou missões militares para o litoral e áreas remotas do Pará e do Maranhão.

A Operação Prato destinava-se a investigar relatos de pessoas na imprensa local de luzes que começaram a surgir na escuridão dos céus (em uma região que na maior parte não contava com luz elétrica na época) em alguns vilarejos e zonas remotas, perseguiam e atacavam as pessoas, chupando seu sangue por meio de um feixe de luz.

A operação só veio à tona muitos anos depois, na década de 1990, quando um dos comandantes da missão entregou parte dos registros das expedições para ufólogos, que publicaram o material na imprensa especializada. Pouco depois, o oficial que vazou a documentação cometeu suicídio.

De acordo com os registros, muitas pessoas confirmaram as histórias de ataques para os investigadores e deram detalhes do comportamento, cores e formas dos objetos luminosos voadores.

Os militares chegaram a fotografar e filmar as luzes, mas, aparentemente, assim como no caso da Noite Oficial dos óvnis, não se chegou a nenhuma conclusão. O fenômeno teria diminuído até desaparecer por completo.

A maior parte da documentação da Operação Prato não apareceu até hoje (como o suposto filme feito pelos militares), e ufólogos que estudam o caso dizem que há muito mais informação do que o que veio a público.

"Óvnis são fenômenos reais, mas não têm nada a ver com discos voadores"

“Os óvnis são fenômenos reais, mas não têm nada a ver com discos voadores˜, afirma o professor Douglas Galante, doutor em astronomia pelo IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP (Universidade de São Paulo).

“O fato de alguém ver, filmar e fotografar, ou um radar captar algum sinal, formato ou luz estranha no céu, não significa que seja um disco voador. Pode ser qualquer coisa˜, afirma Galante. “A explicação mais comum, quando é possível analisar e explicar, é algum fenômeno atmosférico e climático. Existem muitos fenômenos na atmosfera que geram ilusões de ótica”, afirma o pesquisador do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron) do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais).

Segundo Galante, a pesquisa científica sobre a existência de vida extraterrestre divide-se em duas frentes --e nenhuma delas leva em conta os óvnis. A área em que o pesquisador atua, a da astrobiologia, reúne pesquisadores com o objetivo de responder perguntas como: de onde vem a vida, quais as condições necessárias para a vida surgir e se desenvolver, qual o possível futuro para as espécies?

“Dentro disso, existe um consenso de que a probabilidade de encontrarmos vida microbiana fora da Terra é muito grande. O homem acostumou-se a pensar que é a espécie dominante por aqui. O planeta, inclusive em termos de biomassa, é dos micróbios. Se há água, temperatura adequada e certos nutrientes, é possível a vida microbiana. A Nasa (agência espacial norte-americana) possui um centro de estudos em astrobiologia desde 1996.

A outra frente de pesquisa científica busca vida inteligente, provavelmente muito mais rara ou até inexistente no Universo do que a vida microbiana. “Existem diversos centros de pesquisa que, basicamente, apontam antenas superpotentes para os céus e tentam escutar algum sinal ou onda eletromagnética emitida por outra civilização.”

É um trabalho árduo que até hoje não atingiu seu objetivo de escutar algum sinal extraterrestre. O nome do programa, que reúne fundações, centros de pesquisa e universidades ao redor do mundo, é Instituto Seti (Procura por Vida Extraterrestre Inteligente, na sigla em inglês).

Antes dos óvnis, os discos voadores

Hoje conhecidos como óvnis (Objetos Voadores Não Identificados), antigamente aparições de luzes e formas estranhas nos céus eram chamadas de discos voadores.

Em 1947, o piloto norte-americano Kenneth Arnold relatou ter visto algo que não pôde compreender. Ele teria observado aeronaves semelhantes a “um prato de torta cortado no meio com um tipo de triângulo convexo na traseira”. Tais objetos “voavam de maneira ondulante, como um disco se você o joga sobre a água”.

Sua descrição foi modificada pela imprensa nas notícias da época, mas, desde então, a expressão “disco voador” pegou. A história é contada na tese de mestrado “A Invenção dos Discos Voadores: Guerra Fria, Imprensa e Ciência no Brasil (1947-1958)”, publicada em 2013, pelo historiador Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos, da Unicamp (Universidade de Campinas).

Foi apenas no final da década de 1960 que surgiu a sigla óvni, mais técnica, para fazer referência a objetos voadores que não foram identificados. O termo foi adotado e difundido após a publicação de um relatório de um painel composto por cientistas e outros profissionais nos Estados Unidos.

Os óvnis, vale lembrar, não significam espaçonaves extraterrestres. São simplesmente algo que não foi identificado: pode ser um balão junino ou meteorológico, um satélite espacial, um fenômeno atmosférico ou climático. Resumindo, pode ser qualquer coisa --inclusive um disco voador.

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