
Os moradores de São Paulo estão usando menos ônibus para se locomover. No ano passado, foram feitas 2,862 bilhões de viagens no sistema, o que significou 50 milhões de viagens a menos em relação a 2016. O número é o menor patamar dos últimos 10 anos. O que aconteceu com o passageiro?
Levantamento feito pelo UOL, mês a mês, com base nos dados disponíveis no site da SPTrans mostra uma tendência de queda em todas as modalidades de pagamento de passagem nos últimos quatro anos.
No caso dos bilhetes temporais mensais -- aqueles em que o usuário paga um valor fixo mensal e faz quantas viagens quiser --, a queda no uso acontece a partir de abril de 2017, após mudanças na política tarifária da cidade. A queda, em 8 meses, foi de 50% na adesão à modalidade.
A Prefeitura de São Paulo argumenta que a redução é reflexo do calendário de feriados. Já especialistas elencam uma série de fatores que podem explicar a redução:
“O aumento da tarifa desestimula o usuário a usar, mas o aumento do desemprego na cidade e a crise econômica também afetam a quantidade de viagens feitas. As pessoas têm menos renda para circular na cidade”, explica Marcos Campos, pesquisador do CEM (Centro de Estudos da Metrópole).
Morador de Itaquera, na zona leste da capital, o mecânico de refrigeração José Carlos Nunes, 51, disse ter passado a usar menos o transporte público para ir ao trabalho no Limão, na zona norte. “Agora, tenho ido mais vezes de carro, porque acho que não compensa tanto, mesmo com a gasolina não ajudando muito. Pelo menos, chego mais rápido.”
O artesão Adriano Wallace de Oliveira, 36, também. “Estou andando mais a pé. Por exemplo, outro dia precisava ir da zona oeste para Santana [zona norte]. Fui andando, duas horas, só para não pagar a tarifa (de integração)”, conta.
Para Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo), as mudanças tarifárias “confinaram” quem vive nas regiões mais afastadas da cidade. “É o confinamento, principalmente das periferias, que [atinge] quem mais precisa do transporte público”, acrescentou.
Para os especialistas, o reajuste que entrou em vigor em janeiro deste ano, de R$ 3,80 para R$ 4, tende a reduzir ainda mais o uso de ônibus.
Em abril de 2017, após uma batalha judicial, os bilhetes temporais (mensais, semanais e diários) foram reajustados pela primeira vez deste que foram criados, em 2013. Enquanto o bilhete comum não sofreu reajuste no ano passado, os mensais comuns subiram 35% e os integrados, 30% (veja tabela).
Promessas de campanha do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), essas modalidades de bilhete eram as únicas que cresciam dentro do sistema desde 2014. Após alcançar o seu maior patamar de viagens em março de 2017, com mais de 11 milhões de viagens pagas com ele, o uso do bilhete único mensal caiu 51% em dezembro de 2017.
No caso do mensal integrado, em que o passageiro pode transitar por ônibus e metrô ao longo de um mês, o número de viagens passou de 3,5 milhões em dezembro de 2016 para 11 mil um ano mais tarde.
Para Raquel Rolnik, da USP, o reajuste no valor dos bilhetes temporais condenou o modelo ao desaparecimento.
“O [bilhete] integração mensal praticamente sumiu e o comum mensal caiu muito. No começo, eram poucos [usuários] porque as pessoas ainda não estavam acostumadas e foram se apropriando. Em maio, acabou a alegria, logo depois do aumento”, afirma Rolnik.
Para o pesquisador do CEM (Centro de Estudos da Metrópole), Marcos Campos, apesar do crescimento de viagens pagas com os bilhetes temporais mensais, eles nunca foram representativos no sistema.
“Esses bilhetes nunca emplacaram e ninguém sabe dizer ao certo por quê. Talvez seja porque ele sempre foi muito caro, pela burocracia maior para fazer um. Faltou divulgação sobre o uso da modalidade”, afirma.
José Carlos Martinelli, presidente da SPTrans, reconheceu que as mudanças nos temporais reduziram o uso desse tipo de bilhete, mas defendeu que o número de usuários dessa modalidade é pequeno diante do total de viagens. “O impacto é pequeno, disso eu não tenho dúvidas. A gente transporta em dia útil aqui 9,6 milhões de passageiros. Os números do transporte são muito grandes na cidade de São Paulo”, disse.
É muito cara a integração, estou andando mais a pé. Por exemplo, outro dia precisava ir da zona oeste para Santana [norte]. Fui andando, 2 horas, só para não pagar a tarifa.
Desde abril, não existem mais os bilhetes temporais voltados para estudantes e trabalhadores. No caso dos mensais, antes o estudante pagava R$ 70 por viagens ilimitadas de ônibus ou trilho ou R$ 140 por viagens ilimitadas integradas (ônibus, metrô e trens), inclusive nos fins de semana.
Já os trabalhadores podiam adotar a opção do bilhete mensal vale transporte no qual se podia pagar um valor fixo por mês para utilização ilimitada.
Segundo o presidente da SPTrans, José Carlos Martinelli, esses bilhetes tinham um erro de conceito. “O bilhete é para você ir e voltar. No caso do estudante, para a escola; no caso do trabalhador, para o trabalho. Quando você dá uma coisa que praticamente não tem limite de uso, você está dando um subsídio para usos não previstos na legislação e alguém está pagando essa conta”, disse.
Assim como o comum e o integrado mensais, essa modalidade de vale transporte registrava crescimento até ser extinta – passou de 653 mil viagens em 2014 para 31,5 milhões em 2016.
Já o voltado para estudantes cresceu apenas no primeiro ano de funcionamento: foi de 16,3 milhões de viagens, em 2014, para 21 milhões, em 2015. No ano seguinte, foram 6,8 milhões de viagens.
Segundo a SPTrans, esses estudantes migraram para a modalidade de passe livre. “As gratuidades aumentaram entre 2016 e 2017. Seguramente a maioria dos estudantes migrou para a gratuidade”, afirma Martinelli.
Antes de 1º de agosto, quem tinha direito ao benefício podia fazer oito embarques em um período de 24 horas, contados a partir do registro do bilhete na catraca. Com as novas regras, os estudantes passaram a poder fazer apenas quatro embarques em período de duas horas, duas vezes ao dia, para ir à escola e voltar para casa.
Comparativamente, os estudantes fizeram quase 170 milhões de viagens gratuitas no segundo semestre de 2016. Esse número caiu para um pouco mais 156 milhões no mesmo período de 2017.
Para Raquel Rolnik, da USP, os jovens estão circulando menos pela cidade. “O que o mensal permite? Fazer mais viagens do que estritamente a de casa-trabalho, ou casa-escola/universidade. Ele permite circular, usufruir, aproveitar as oportunidades da cidade. Na hora que se deu esse aumento salgado, se cortou isso. Significou circular menos”, afirma.