Verão zikado

Epidemia de zika deve voltar com estação mais quente

Bia Souza Do UOL, em São Paulo
Jeff Miller/UW-Madison/AP

Teremos nova epidemia de zika?

A temporada de calor e chuvas se aproxima e, com ela, o clima perfeito para a proliferação do Aedes aegypti. O mosquito, velho conhecido em todo o Brasil, foi responsável por uma tríplice epidemia de zika, dengue e chikungunya em 2015 e no início deste ano. Depois de meses de "aparente" calmaria, a preocupação com a contaminação, principalmente entre grávidas, deve voltar à tona.

A zika ganhou destaque em outubro do ano passado, por ser relacionado ao nascimento de crianças com microcefalia. Com a chegada do período de maior contágio, os especialistas acreditam que pode ocorrer uma nova epidemia, concentrada desta vez na região Sudeste.

Não deve ter epidemias grandes no Nordeste porque o vírus já circulou por lá. Estamos mais preocupados com regiões como o interior de São Paulo, onde o número de casos foi bem menor.”

Mauricio Lacerda Nogueira, virologista que integra a Rede Zika

Embora ainda não seja um resultado definitivo, as pesquisas mais recentes indicam que o vírus da zika imuniza contra futuros contágios, ou seja, só se pega uma vez. Por isso, a tendência é de que ele diminua nas regiões onde teve maior incidência --como Pernambuco, Paraíba e Bahia-- e apareça com mais intensidade nos lugares em que ocorreram menos casos.

Epidemiologia é ruim para fazer previsões, mas o vírus ainda não circulou de forma importante no Sudeste. Estamos sujeitos a isso acontecer agora.”

Claudio Maierovitch, médico sanitarista da Fiocruz

Em todo o país, foram confirmados até agora 2.033 casos de crianças com a síndrome congênita da zika (microcefalia e outras alterações ligadas ao sistema nervoso central). Ainda permanecem em investigação 3.055 casos suspeitos. A maioria deles no Nordeste.

As epidemias de dengue nos ensinaram que a epidemia começa no Nordeste e depois explodem no Sudeste, não tem porque não acontecer a mesma coisa com a zika e a chikungunya."

Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arbovirose

De acordo com o mais recente boletim do epidemiológico do Ministério da Saúde, em 2016 foram registrados 16.264 casos suspeitos de zika em gestantes, sendo 8.904 confirmados por critério clínico-epidemiológico ou laboratorial. Segundo Timerman, a principal dificuldade é o diagnóstico, uma vez que a doença pode não ter sintomas ou ser confundida com a dengue.

Além do Aedes, como o vírus é transmitido?

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Transmissão sexual

A transmissão sexual tem preocupado os especialistas. Eles alertam que mulheres grávidas devem usar camisinha para se proteger, e qualquer pessoa que tenha suspeita de ter tido a doença se previna. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), pelo menos 11 países identificaram a transmissão do vírus por via sexual. Os casos mais comuns são de homens que infectam mulheres, mas também já foi relatado o processo inverso. O zika pode permanecer no sêmen por até seis meses.

Paulo R. Urbinatti/FSP-USP Paulo R. Urbinatti/FSP-USP

O pernilongo pode transmitir a doença?

O Aedes albopictus, um primo do Aedes aegypti que prefere áreas com vegetação, também foi apontado como transmissor da doença. Já a transmissão do vírus pelo pernilongo foi levantada como uma das hipóteses para explicar como a zika se espalhou tão rápido pelo mundo, mas ainda existem dúvidas. "Talvez o culex tenha um papel secundário?, explica o sanitarista Claudio Maierovitch. As ações para evitar a picada é são as mesmas do Aedes e devem ser adotadas

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Leite

O vírus foi encontrado em amostras de leite materno de duas mães na Polinésia Francesa. No entanto, ele não era do tipo replicante, que transmite a doença. Como não há, até o momento, nenhum caso relatado de transmissão do vírus dessa forma. O Ministério da Saúde recomenda que seja mantido o aleitamento materno contínuo até os dois anos ou mais, sendo exclusivo nos primeiros seis meses de vida.

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Suor, lágrimas, urina e saliva

Os EUA relataram um caso de infecção que poderia ter ocorrido por meio das lágrimas ou do suor de um doente. Uma pesquisa anterior já havia dito que o vírus pode permanecer nos olhos, mas o caso é raro e não há outros registros semelhantes. Para os cientistas, essa ainda não pode ser apontada como uma forma de contágio. O vírus ativo, com potencial de infecção, foi encontrado na saliva e urina, mas também não há registros de contágios ocorridos por meio desses fluídos.

É seguro engravidar agora?

Quem tem condições de programar a gestação, se puder evitar o que início aconteça no período de maior infestação seria melhor

Claudio Maierovitch, médico sanitarista da Fiocruz

Engravidar nessa época onde há um aumento da circulação dos vírus poderá aumentar a incidência de microcefalia e outras anomalias associadas ao zika

Alex Sandro Rolland de Souza, especialista em Medicina Fetal do Imip (Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira)

A OMS recomenda oficialmente que mulheres em locais de surto adiem gravidez. Isso significa o Brasil inteiro
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Mauricio Lacerda Nogueira, virologista que integra a Rede Zika

Como se prevenir?

  • Evite a proliferação do mosquito

    Retire o excesso de água dos vasos com plantas e evite acumular garrafas, copos e pneus no quintal. A água da chuva pode se acumular nesses locais. Limpe periodicamente o reservatório de água da geladeira (comum em modelos frost free), que também acumula água. Mantenha caixas d'água bem tampadas.

    Imagem: Peter Leone/Futura Press/Estadão Conteúdo
  • Use roupas claras e longas

    Use calças e camisas de manga longa para evitar o contato com o mosquito. Os tecidos claros ajudam a localizar o Aedes com mais facilidade. No verão aposte em tecidos leves. "Use calças e meias. Por mais que seja desconfortável é possível se acostumar, é importante principalmente para as gestantes", explica Maierovitch

    Imagem: Getty Images
  • Repelente

    Passe repelente pelo menos três vezes ao dia em toda o corpo. Reponha sempre que molhar a pele ou se transpirar muito.

    Imagem: Fernando Bizerra Jr/EFE
  • Telas e mosquiteiro

    Use telas nas janelas e evite deixar as portas abertas de manhã e à tarde para evitar que os mosquitos entrem em casa. Aposte em mosquiteiros na hora de dormir

    Imagem: Lalo de Almeida/Folhapress
Nacho Doce/Reuters Nacho Doce/Reuters

Toda gestante com zika tem filhos com microcefalia?

Não, apesar de diversos estudos já terem comprovado que a zika durante a gestação causa microcefalia nos bebês. Essa informação já é reconhecida por organizações de saúde como o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) e pela OMS. No entanto, a ligação não é direta em todos os casos.

Para Mariana Keyla, 21, o susto de veio no final da gravidez. Ao fazer a última ultrassonografia, a médica não conseguiu verificar o perímetro da cabeça da pequena Maya, hoje, com quase 1 ano. A jovem relatou ter os sintomas da zika durante a gestação, mas não realizou os exames, que em 2015 ainda não eram sugeridos as grávidas.

“Fiz esse ultrassom na quarta, na madrugada do sábado eu tive minha filha, graças a Deus ela nasceu normal”

Mariana é moradora de Barra de Guabiraba, Pernambuco, um dos Estados mais afetados pelos casos de microcefalia relacionado à zika. 

No final de 2015, a dona de casa Jaqueline Jéssica de Oliveira, de 24 anos, deu à luz a um casal de gêmeos, Lucas nasceu com o perímetro da cabeça considerado normal, 34 centímetros, já a cabeça de Laura tinha apenas 26 centímetros.

Durante a gestação, Jaqueline teve todos os sintomas da doença, mas na época ainda não havia a associação da zika aos casos de microcefalia. O caso passou a ser estudado por especialistas da Universidade de São Paulo (USP) para entender por que alguns bebês nasceram com microcefalia e outros não.

Laura e Lucas não são os únicos gêmeos a fazer parte do estudo, segundo a geneticista Mayana Zatz, que coordena o Centro de Estudos do Genoma Humano da USP -- atualmente nove pares de gêmeos fazem parte dos estudos. Seis pares em que apenas um dos irmãos foi afetado pela microcefalia e três em que ambos foram afetados.

Até o momento ainda não podemos identificar as causas, estamos fazendo estudos genéticos e funcionais, que demandam tempo” Mayana Zatz

Já estou grávida: o que fazer?

Além da prevenção comum contra o mosquito, o Departamento de DST/aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, recomendou o uso de preservativos masculinos e femininos em todas as relações sexuais, mesmo para quem possui um parceiro fixo.

Além disso, o ideal é não compartilhar objetos de uso pessoal (escovas de dente e copos, por exemplo) e lavar sempre as mãos.

A instituição também recomenda que as gestantes que façam um pré-natal qualificado e todos os exames previstos nesta fase, além de relatarem aos profissionais de saúde qualquer alteração que perceberem durante a gestação.

A OMS recomendou que mulheres grávidas em zonas afetadas pelo vírus da zika passem, se possível, por ecografia no primeiro trimestre de gestação. Caso os sistemas de saúde não permitam tal prática, todas precisam ter o serviço prestado pelo menos entre a 18ª e 20ª semana para tentar detectar se o bebê sofre de microcefalia ou outra má-formação. O exame obtém imagens do feto por meio do ultrassom. 

Se agora nesses meses quentes não mantivermos as medidas de prevenção acredito que os casos de microcefalia a partir de agosto-setembro de 2017 poderão aumentar”,  Especialista em medicina fetal Alex Sandro Rolland de Souza

Não é só microcefalia

Não foram só os casos de microcefalia que aumentaram nos locais com alta incidência do vírus da zika. Em 2015, o Brasil registrou pelo menos 1.868 casos de internação pela síndrome de Guillain-Barré.

A Guillain-Barré não é transmitida pelo Aedes aegypti, trata-se de uma doença autoimune, ou seja, ocorre quando as defesas do organismo passam a atacar o próprio corpo. A ciência ainda não conhece a causa específica da síndrome, que, na maioria dos casos, se manifesta após a presença de um vírus no organismo, como o da gripe ou da hepatite por exemplo.

Estudos recentes afirmam que o vírus da zika está entre os que podem desencadear a Guillain-Barré. Pesquisadores mostraram que o surto da zika na Polinésia Francesa, entre 2013 e 2014, coincidiu com um aumento da doença na região. A relação também ficou mais evidente depois dos casos no Brasil e na Colômbia.

Os especialistas acreditam que o organismo tenta se defender dos vírus de uma forma mais intensa do que o necessário atacando a bainha de mielina que reveste os nervos periféricos. A doença não tem uma cura específica, e os tratamentos são voltados a reduzir a gravidade dos sintomas.

A síndrome é diagnosticada com testes neurológicos que medem a atividade e a velocidade de condução de impulsos nervosos. Os cientistas não sabem por que o problema ocorre apenas em algumas pessoas.

Saiba quais são os sintomas da doença

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Sintomas e tratamento

Apenas um em cada cinco pessoas contaminadas apresentam sintomas, que são semelhantes aos da dengue: dores e manchas pelo corpo, olhos vermelhos e febre.

Atualmente o diagnóstico é feito por meio dos sintomas, um método que pode gerar confusão entre as doenças. O exame mais utilizado para diagnosticar a doença é o PCR (Reação de cadeia de polimerase), usado para detectar dengue e que pode indicar zika por exclusão. Neste exame, a zika só é detectada em até cinco dias após a contaminação.

Assim como na dengue, os sintomas, que costumam desaparecer em sete dias, são tratados com remédios para dor e para diminuir a febre. 

No início de novembro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou a produção de um teste rápido capaz de diagnosticar a zika em qualquer ambulatório.
 
O kit diagnóstico identifica o vírus no sangue de quem tem ou já teve a doença em cerca de 20 minutos. O teste foi desenvolvido em uma parceria entre a Fiocruz Biomanguinhos e a empresa norte-americana Chembio, e pode estar disponível na rede pública em um mês, de acordo com Paulo Gadelha, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
 
Em outubro, a agência também liberou o registro de um teste rápido de zika feito na Bahia e que será produzido e distribuído até pelo laboratório público do Estado (Bahiafarma) por meio do SUS (Sistema Único de Saúde) e distribuído a partir de dezembro. O tempo de confirmação do diagnóstico também é de até 20 minutos. 
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Reprodução/Alternet Reprodução/Alternet

Tive zika, posso doar sangue?

Atualmente, não há no Brasil uma recomendação para que bolsas de sangue usadas em transfusão sejam testadas para identificar a presença de zika.

Pessoas que foram infectadas pelo vírus não podem doar sangue por 30 dias a partir da recuperação clínica completa), segundo a recomendação da Anvisa.

Além disso, os candidatos à doação que tiveram contato sexual com pessoas que apresentaram diagnóstico clínico ou laboratorial de febre pelo vírus zika, nos últimos 90 dias, deverão ser considerados inaptos por 30 dias após o último contato sexual.

Os doadores também são orientados a comunicar ao serviço caso apresentem qualquer sinal ou sintoma de processo infeccioso até 14 dias após a doação.

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