João* morava havia três anos numa casa do MCMV quando, certa noite de agosto do ano passado, ouviu chamarem seu nome no portão.
Ao abri-lo, tudo o que viu foi um carro com a porta entreaberta. De dentro, alguém disparou seis tiros contra ele. Por sorte, nenhum o acertou. Mas seu carro foi parcialmente destruído: as balas quebraram o vidro traseiro, furaram um pneu e danificaram a lataria.
Foi a gota d'água. Três dias depois, ele e a mãe abandonaram a casa e boa parte do que tinham.
"Ficamos praticamente trancados, de medo, até conseguir levantar o dinheiro do aluguel para poder sair dali", relata João. "No dia da mudança, nem apareci por lá; foram amigos que ajudaram e carregaram o que conseguiram. O que não deu para pegar, móveis, coisas maiores, ficou tudo para trás", conta.
Por algum tempo, ele e a mãe moraram numa casa alugada a R$ 450 mensais. "Ainda tinha mais uns R$ 100 de água e R$ 60 de luz. No Minha Casa, Minha Vida, essas contas não davam mais que R$ 10", lembra João.
Desempregado há meses, ele não dava conta das despesas. A mãe acumula jornadas como diarista e zeladora. Há duas semanas, acabaram conseguindo outro lugar para viver, emprestado. É onde estão atualmente.
Para João, o atentado que sofreu foi o ápice de uma série de problemas que enfrentou desde que se mudou para o conjunto do MCMV.
"Começou logo que chegamos. As vilas [termo curitibano para favela] próximas são dominadas por criminosos", ele conta.
"Se você chamar a polícia, é expulso no dia seguinte. Se reagir, ou você mata, ou morre. Não somos disso, então engolíamos quietos. Chamavam a minha mãe de vagabunda, disseram que iam rasgar a cara dela. Não tínhamos coragem para pôr a cara para fora do portão", desabafa.
Cerca de 20 dias antes do atentado, houve uma festa numa casa vizinha à de João. "Era dia de semana, madrugada, o som no máximo. Alguém chamou a polícia. No dia seguinte, minha mãe saiu para comprar pão e ouviu que sabiam que havíamos chamado a polícia. E prometeram vingança. Mas não tínhamos sido nós", relembra.
É no autor da promessa de vingança que João deposita suas maiores suspeitas quanto à autoria dos disparos. "Fomos à polícia, abriram um inquérito, mas não sei se chegaram a algum resultado", diz João.
Há um ano, ele enfrenta uma via-crúcis por repartições públicas tentando encerrar o contrato da casa anterior, na esperança de ser alocado em outra do MCMV.
Ele coleciona e-mails trocados com órgãos como a Caixa e o Ministério das Cidades na busca por uma solução. De um lado, pedidos desesperados de ajuda. Do outro, respostas protocolares, frias e que pouco o ajudaram. Até agora, não teve sucesso.
"A Caixa quer nos mandar de volta para a fila. Ou seja: entregamos a casa que temos e corremos o risco de pegar outra só daqui a 50 anos", explica.
Antes de ir para o MCMV, João e a mãe moravam numa área de invasão na região sul de Curitiba.
"Mas era um lugar tranquilo se comparado ao conjunto pra onde nos mandaram. Ali era Minha Casa, Meu Pesadelo", compara.
"Se pudéssemos vender a casa, eu iria embora, para outra cidade, é um sonho meu. Mas ficamos travados por conta dela", afirma.
Enquanto não resolve os problemas, quando não está procurando trabalho ou uma solução para o problema de sua casa, João passa os dias só, cuidando dos cães e das plantas. Como teve de ir morar no extremo oposto da cidade, pouco vê os amigos.
"Me sinto como se tivesse sido jogado num canto pelo poder público", lamenta.