Embora os protestos não tenham quebrado as estruturas da França, com a renúncia dos governantes e o fim da divisão entre patrões e empregados com que os manifestantes sonharam, produziram mudanças significativas sobretudo no plano da cultura e dos costumes, na conscientização e obtenção de novos direitos e liberdades.
Uma mesma pergunta foi feita aos três entrevistados: E a geração do Maio de 68, com cerca de 20 anos à época e hoje na casa dos 70 anos? Aprofundou mudanças?
Paulo Sérgio Pinheiro: "Consequências políticas foram devastadoras"
"Na França, não há a menor dúvida do legado. As relações entre professores e alunos mudaram enormemente. A universidade se transformou. E, claro, os benefícios para os operários. A queda do De Gaulle não veio imediatamente, mas se deu em decorrência de Maio de 68 [De Gaulle deixaria o poder no ano seguinte]. Houve uma modificação profunda, o efeito foi nos partidos políticos, no sindicalismo. Não deixou marcas exatamente nas utopias que os alunos quiseram, mas as consequências políticas foram devastadoras para a França.
Foi um privilégio poder participar desse protesto. Talvez tenha me ajudado a ter outras perspectivas em relação à própria universidade, ao autoritarismo dos professores. Também algumas temáticas levantadas no bojo. Certamente, se não tivesse passado por isso, talvez eu hoje fosse um pouco diferente.
Hoje há uma bibliografia imensa que está saindo na França e na Inglaterra sobre o ano de 68."
Afinal, ninguém pode pôr numa lápide assim, num mausoléu: 'Aqui está morto Maio de 68'
Paulo Sérgio Pinheiro
Luiz Felipe de Alencastro: Os velhos 68
"A geração de Maio de 68, na França, mas também na Inglaterra e nos Estados Unidos, que é a minha geração, é a mais reacionária e conservadora. Foram eles que votaram a favor do Brexit no Reino Unido, eles votam na extrema-direita agora, majoritariamente. O lado de esquerda do Maio era muito minoritário, isso foi incidente mais pelo impacto ser maior em Paris e nas cidades universitárias.
É que o quadro mudou, é diferente. A coisa [aumento] da imigração na França mudou a percepção da política, que é um problema que não há aqui, no Brasil. [São] Os velhos 68."
Geração de Maio 68 é a mais reacionária. Votou no Brexit e vota na extrema-direita
Luiz Felipe de Alencastro
FHC: "França era o mais do que isso"
"Do ponto de vista sociológico, minha vida mudou, sim. Minha visão era mais mecânica, teórica, mais quadrada, marxista, do ponto de vista social. E ali não era isso, era uma outra coisa. Uma dimensão que não se esgota nas relações de produção. Elas existem, mas têm mais do que isso. A França era o mais do que isso. Essa sociedade que estava brotando, mas só brotando, porque não dava para ver, e agora existe. A sociedade da internet, da conexão. Ali estava todo mundo meio desconectado e foi o momento de ignição.
Deu para perceber que a mudança social estava ocorrendo sem que fosse só a luta de classe. O que senti é que não havia símbolos para expressar o que eles sentiam. Pegavam a bandeira negra [do anarquismo] ou [cantavam] 'A Internacional' [hino e símbolo da luta internacional do comunismo]: 'De pé, ó famintos da Terra'. Ali não tinha faminto, mas se identificaram com os símbolos existentes."
Se quisermos interpretar sociologicamente, era o começo de uma sociedade de outro tipo que estava nascendo
Fernando Henrique Cardoso