Na sexta-feira de 12 de setembro de 1930, Macário, um monge beneditino de 58 anos, nascido em uma aldeia na Bavária, na Alemanha, entrava ansioso e aflito no sanatório, conforme descreve sua ficha de internação (destacada na imagem). Dizia que não havia “a paz na consciência tão necessária para o repouso espiritual”.
Seria a primeira de suas quatro internações, que seguiriam até 1938. “Diz que infringiu as regras da boa moral, por pensamentos e atos pecaminosos que praticou. Acha que no sanatório só poderá piorar, porque seu caso é todo particular e não pode ser resolvido com a sua internação. Mostra-se perfeitamente orientado, sendo também perfeito o contato com o mundo exterior”, diz o registro.
Na página seguinte do prontuário, segue uma pequena biografia: padre do mosteiro de São Bento, já havia sido flagrado praticando atos homossexuais na Alemanha. Era constantemente vigiado, mas conquistou a confiança dos brasileiros. Era encarregado de ensinar adolescentes pobres (jornaleiros e aprendizes de marinheiros). “Contraiu um cancro luético [sífilis primária] na região perineal, o que até acerto ponto fala a favor de pederastia passiva”, diz o prontuário.
Dizia que, por sua causa, iria estourar no clero um “escândalo como não há memória”. “Parece que um dos rapazinhos, com quem mantinha relações homossexuais, ameaçou de o denunciar. Acha que está perdido, que vai caminhando para a completa loucura; tem certeza que irá terminar seus dias no Juquery.”
Dois meses depois de entrar no sanatório, enviou ao responsável pelo mosteiro uma longa carta em alemão. “Minha situação se tem tornado insuportável”, dizia. “Todos sabem por que estou aqui, e sou, por isso, alvo de escárnio e desprezo; sou obrigado a ouvir as mais torpes obscenidades e gracejos, e sou assim a todos causa de escândalo e enojo. Não posso mais dirigir aos internos palavra alguma de Deus e de religião, nem tratar com alguém; a todos sou um escândalo, e isto cresce dia por dia sem que possa repará-lo. Assim estou perdido para agora e para a eternidade. Que horror!”
No extenso comunicado ao superior, pede a remoção para Sorocaba (SP) ou para a Alemanha, em outro convento que não saiba de seu passado, porque “em São Paulo não pode mostrar-se ou tem de esconder-se de vergonha”. “Oh, meu Deus, seja clemente comigo para que, por arrependimento e penitência, eu possa voltar a Ti e reparar para o resto de vida o escândalo que eu tenho causado. Meu Deus, que horrível fim da minha vida de sacerdote!", continua.
"O senhor me deixou aqui para penitência, em um verdadeiro purgatório, gosto antecipado das torturas do inferno; porém, o sentimento de estar abandonado de Deus é a coisa mais terrível. Os médicos dizem também que é tempo de retirar-me para recuperar em outro lugar calmo o sossego perdido. Eu sei que aqui não é o lugar, mas sim o meu estado de alma que deve ser tranquilizado. Quanto mais tempo eu fico aqui, tanto pior se torna meu estado. Por amor a Deus, retire-me daqui e mande-me a Sorocaba até o senhor puder resolver algo de definitivo para o meu futuro. Não me abandone e salve-me desta situação.”
Nos outros três retornos, nenhum sinal de melhora. Na primeira alta, o termo usado pelo sanatório foi de “remissão completa”. “Voltando ao trabalho nada mais apresentou até princípios de setembro deste ano, quando começou a manifestar distúrbios psíquicos idênticos aos que apresentara no ano findo, sendo então necessária sua reinternação”, dizia o prontuário de 1931. “Entrou ansioso, dizendo que estava tudo perdido e que não havia mais remédio para o seu mal.”
Dois anos depois, nova internação. “Encontra-se em condições físicas bem precárias. Está bastante desnutrido, edemaciado e em estado de acidose bem marcada. Psiquicamente, é de se notar, depressão melancólica, ansiedade, insônia e sitiofobia (recusa em comer).”
Sua última estada começou em janeiro de 1937. “Acentuada depressão psíquica, acompanhada de insônia rebelde, porém em condições físicas relativamente boas”, conforme o registro. “Nestes últimos tempos vinha se mostrando um tanto excitado, desenvolvendo grande atividade junto à assistência aos pequenos jornaleiros, de que é dirigente, para cair em estado depressivo em que se encontra.” Morreu em 1943.