Norte-coreanos sem pátria

Cúpula dá esperança a grupo que vive no Japão, mas não é considerado nem coreano, nem japonês

Kwiyeon Ha Da Reuters
KIM KYUNG-HOON/Reuters
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"Pensei que a reunificação fosse algo distante"

Norte-coreanos que vivem no Japão, mas são leais a Pyongyang, esperam que a cúpula histórica dos Estados Unidos com a Coreia do Norte ajude a reconciliação da península coreana e esclareça seu status legal.

O otimismo surgiu após o encontro de abril entre os líderes da Coreia do Norte e do Sul e antes da reunião de terça-feira (12) entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o líder norte-coreano Kim Jong-un, em Singapura.

"Eu pensei que a reunificação fosse algo distante, especialmente com todas as sanções", disse a estudante Paeng Yu Na, de 17 anos, que frequenta uma das cerca de 60 escolas do Japão afiliadas à Coreia do Norte.

"Mas agora parece muito mais perto", disse Paeng, que usa roupas coreanas tradicionais junto com seus colegas de classe, apesar de não as vestir além dos muros da escola, para evitar ataques de nacionalistas.

30 mil leais a Pyongyang

Paeng faz parte da minoria "zainichi", o maior grupo étnico estrangeiro do Japão. São descendentes de coreanos que se mudaram ou foram trazidos quando os nipônicos colonizaram a península coreana, entre 1910 e 1945.

Ao longo dos anos, muitos coreanos optaram pela cidadania japonesa, enquanto outros adotaram a nacionalidade sul-coreana, totalizando cerca de 450 mil pessoas.

Mas uma comunidade menor, de cerca de 30 mil pessoas, permaneceu leal a Pyongyang, com residência permanente no Japão, mas sem nacionalidade legal, já que os países não têm laços diplomáticos.

Nascidos e criados no Japão, a maioria difere pouco dos colegas japoneses quando se analise "a superfície", falando fluentemente a língua e muitas vezes se casando com japoneses. Mas muitos enfrentam discriminação, e a política internacional afeta suas vidas.

Cada nova rodada de testes nucleares da Coreia do Norte trazia mais ameaças e assédio. Estudantes como Paeng, que se destacavam nas ruas de Tóquio com seus longos e tradicionais uniformes, se tornaram alvos.

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Apoio constante

As oportunidades de emprego para os coreanos pró-Pyongyang foram por muito tempo limitadas a empresas dirigidas por membros de sua comunidade, incluindo boates e churrascarias.

Cerca de 90 mil, na verdade, optaram por partir para a Coreia do Norte entre 1959 e 1984, atraídos pelo slogan "Vamos voltar para a pátria!". Esses números despencaram nos anos 80, à medida que histórias da pobreza do Norte se espalharam.

Outros apoiaram a Coreia do Norte com remessas constantes de dinheiro e de produtos, contando com uma linha de trem que operava ocasionalmente entre os dois países. Mas as sanções interromperam as relações entre os dois países.

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Ansiedade

Hong Ryong Su, 49, da terceira geração “zainichi”, espera que o encontro resulte em um tratado que acabe oficialmente com a Guerra das Coreias que perdura desde os anos 1950 . A expectativa também é de melhora das condições de vida da comunidade de descendentes coreanos.

"Essa abertura pode abrir caminho para a normalização das relações entre a Coreia do Norte e o Japão", disse Hong durante uma refeição em sua casa, em um subúrbio industrial de Tóquio.

"Não podemos pensar nisso começando sem que o encontro com os EUA aconteça, então estaremos observando os acontecimentos com ansiedade", disse Hong, acrescentando que está pronto para brindar qualquer resultado positivo.

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Universidade não reconhecida no Japão

É improvável que apenas uma reunião alcance um grande avanço, disse Ryom Mun Song, professor de relações internacionais da Universidade da Coreia, que tem ligações com Pyongyang, mas não é reconhecida pelo Japão.

"Será difícil se cada lado apenas apresentar condições que o outro lado não pode aceitar", disse Ryom, também da terceira geração de coreanos vivendo no Japão.

"No entanto, se ambos os lados mantiverem a meta (de desarmamento nuclear completo), e forem criando confiança, discutindo o tema passo a passo com novas reuniões, acho que podemos esperar grandes resultados."

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Modelo líbio

Sugestões norte-americanas para que a Coreia do Norte siga a o modelo da Líbia desnuclearização incomodaram os norte-coreanos no Japão.

"Os Estados Unidos não disseram que devíamos adotar a abordagem da Líbia? Mas a Líbia não foi arruinada por essa abordagem?" perguntou Baek Chong  Won, 95, cujo alfinete de lapela mostrava as duas últimas gerações de líderes da Coreia do Norte, antepassados do atual governante, Kim Jong-un.

No mês passado, a Coreia do Norte criticou o conselheiro de segurança nacional dos EUA, John Bolton, que pediu que o país abandonasse seu arsenal nuclear em um acordo inspirado no modelo da Líbia.

Anos após aceitar o programa de abandono nas armas de destruição em massa, o líder líbio Muammar Gaddafi foi deposto e morto por militantes apoiados pela Otan.

Como poderíamos ter abandonado nossas armas nucleares quando não tínhamos nada para comer?

Baek Chong Won, Norte-coreano no Japão, 95

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