A demora na homologação da TI Manoki tem facilitado a ação de invasores. Números do Programa de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), mostram que, até 2016, 37,4 mil hectares dos 206 mil hectares ainda não homologados haviam sido desmatados --o que representa mais de 18% do total.
Segundo o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a retirada de vegetação, muitas vezes por meio de queimadas, visa, sobretudo, à extração ilegal de madeira e à abertura de lavouras e pastos.
Há 114 inscrições do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que incidem sobre o território da TI Manoki, de acordo com dados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) analisados pela Pública.
Ou seja, mais de cem propriedades rurais foram registradas por seus proprietários na área correspondente à terra indígena, já que o CAR é autodeclaratório.
O cenário de invasões e crimes ambientais faz com que os Manoki se sintam inseguros em restabelecer aldeias em seu território.
Mas eles encontraram outra maneira de se fazerem presentes em sua terra, fazendo visitas de monitoramento para rastrear os focos de irregularidade, às vezes acompanhados do Ibama, Funai e Polícia Militar.
Quando as autoridades não conseguem acompanhá-los, percorrem a área em pequenos grupos durante um ou dois dias e registram com uso de GPS as coordenadas dos locais onde se dão as atividades ilegais como extração de madeira, plantações e criações de gado.
Depois, reúnem as informações em um documento escrito e o repassam aos agentes públicos responsáveis, como o Ministério Público, para que tomem providências.
A Pública acompanhou uma dessas visitas de monitoramento em outubro de 2017 e confirmou o cenário de depredação: enormes áreas de vegetação queimada, máquinas trabalhando em plantações, fazendas com pastagens e propriedades trancadas a cadeado.
Os manokis também relataram que, no último dia 2 de fevereiro, flagraram um caminhão carregado com madeira ilegal dentro dos limites da terra.
Sozinhos, puderam apenas comunicar o ocorrido à Unidade Técnica do Ibama em Juína --a mais próxima de Brasnorte--, que organizou ação fiscalizatória para os dias seguintes.
Além de três servidores do Ibama, havia outro da Funai, três policiais militares e algumas lideranças manokis.
De acordo com relatório sobre a operação, foram encontrados 964 peças de lascas de madeira (provenientes do aproveitamento de árvores mortas por queimadas), 122 palaques (toretes de madeira utilizados para construção de cercas ou currais) e 66 toras abandonadas --ou seja, apenas os vestígios do crime, não os criminosos.
Para o Ibama, eles tiveram tempo de se retirar do local após o flagrante dos indígenas dias antes.
Os agentes documentaram ainda, por meio de fotografias, uma lavoura de soja em plena atividade no interior da terra indígena.
"Tal circunstância [a não conclusão do processo demarcatório da terra] promove a insegurança jurídica para a posse definitiva dos indígenas, visto que a área possui diversos posseiros e fazendeiros que alegam direito sobre a terra", afirma o documento.
"Observa-se também que a morosidade para solução do conflito sobre a terra pode levar à degradação completa da biodiversidade local, tornando a área delimitada integralmente antropizada, ocasionando, além de impactos ambientais, o comprometimento do modo de vida indígena, sua organização social, costumes e tradições."