Carlos Garcia Rawlins/ Reuters 
Inspirados nos protestos de 2013-2014 na Ucrânia, os jovens manifestantes da Venezuela estão usando escudos como o dos vikings nos combates contra as forças policiais e assistindo empolgados a um filme sobre a revolta de Kiev.
Adversários do presidente venezuelano Nicolás Maduro têm realizado exibições públicas do documentário da Netflix, "Winter on Fire", sobre o confronto de três meses na Ucrânia que levou a 100 mortes e à saída do então presidente Viktor Yanukovich.
Nas manifestações contra o governo da Venezuela, onde mais de 70 pessoas morreram desde abril, jovens têm usado escudos coloridos parecidos com os que foram usados na Praça da Independência de Kiev.
Eu protesto por uma Venezuela melhor... Porque hoje a maioria dos jovens se forma e não tem oportunidade de realizar suas metas no país. Os venezuelanos não querem mais ditadura ou repressão, queremos liberdade
Estou protestando porque a Venezuela é linda e é triste que todos estejam indo embora. Eu luto porque não quero deixar a Venezuela, quero crescer aqui
Eu protesto porque queremos uma Venezuela melhor e porque Maduro precisa sair. Eu protesto porque tem muita gente passando fome e muitas crianças vivendo nas ruas... Maduro quer nos transformar em uma Cuba, mas somos venezuelanos
Os jovens venezuelanos fabricam seus escudos a partir de antenas parabólicas, tampas de bueiros, barris ou qualquer outro pedaço de madeira e metal que consigam encontrar. Alguns apoiadores também fazem e doam escudos.
Alguns manifestantes usam os escudos para formar barreiras ou até mesmo batem neles em uníssono, imitando o grito de guerra dos nórdicos. Os demais bradam em apoio enquanto membros da autointitulada "Resistência" enlaçam os braços e andam até as linhas de frente para enfrentar tropas da Guarda Nacional e a polícia.
"Os escudos não seguram as balas, mas eles nos protegem do gás lacrimogêneo, das balas de borracha e das pedras", diz o estudante de direito de 20 anos, Brian Suárez, que usa uma máscara de gás e carrega um escudo com o desenho de Maduro na mira de um rifle.
Eu protesto pela liberdade do país
Eu protesto porque este país está na miséria e queremos um futuro melhor para nossos filhos
Eu protesto pela liberdade. Eu luto pela liberdade de expressão
Outros escudos carregam citações e imagens da constituição da Venezuela, pinturas e símbolos religiosos, retratos de manifestantes mortos ou palavras de ordem como "SOS!", "Chega de Ditadura!" ou "Maduro Assassino!"
Enquanto os manifestantes dizem estar lutando contra a tirania nesse país sul-americano produtor de petróleo, Maduro os acusa de estarem tentando provocar um golpe violento com o apoio dos Estados Unidos.
Manuel Melo conta que estava na linha de frente dos protestos, jogando pedras e protegendo outros manifestantes com seu escudo de plástico azul, até que um dia ele foi atingido por um canhão de água. O estudante de design gráfico de 20 anos perdeu um rim com o impacto.
Mesmo assim ele quer voltar para as ruas.
"É um papel importante carregar o escudo porque você sabe que tudo que eles jogam vai direto em você", ele diz, enquanto se recupera em sua casa, em Caracas. "Não estou lá na rua porque gosto, mas sim pelo bem comum".
Eu protesto porque meu irmão não vive mais aqui na Venezuela. Meu pai tem câncer e não consigo encontrar os remédios dele... minha mãe é aposentada e o dinheiro não dá nem para a comida... precisamos mudar essa situação na Venezuela
Eu protesto porque quero um futuro melhor para mim e para minha família, porque dói acordar todo dia e ouvir minha mãe chorando porque não tem nada para comer em casa. Porque eu sei que se eu tiver de morrer aqui, quero morrer lutando pelo meu país e não porque levei um tiro de alguém que queria roubar meu celular
Eu protesto porque sou um jovem e este governo não me deu nada. Quero viver bem e esse governo não me permitiu isso, eu quero comer bem, quero me vestir bem, mas com o dinheiro que ganho trabalhando, não posso pagar
O documentário "Winter on Fire", dirigido pelo russo Evgeny Afineevsky, mostra dezenas de milhares de manifestantes ucranianos enfrentando a neve e golpes de cassetete das tropas de choque para se defenderem atrás de barricadas na Praça Maidan (Independência).
Ele tem sido exibido discretamente em toda a Venezuela, inclusive em livrarias, uma universidade, uma praça pública e uma sala de cinema independente.
Após as exibições, são realizadas palestras e debates.
Estou nas ruas resistindo porque estamos vivendo em uma ditadura neste país e queremos ter um futuro melhor para nossos filhos. Porque não há comida, não há emprego, não se produz nada, temos um alto custo de vida e insegurança
Eu protesto por uma Venezuela melhor, para que possamos estudar, para que nossos filhos tenham um futuro melhor e pela liberdade de todos. Porque estamos vivendo em uma ditadura
Eu protesto por um país melhor. Quero um futuro melhor para mim e minha família
"Quando você vê um ucraniano com lágrimas nos olhos, você se pergunta: 'Espera aí, estou na Ucrânia ou em Cafetal?'", diz o professor universitário Carlos Delgado, referindo-se a um bairro de classe média alta de Caracas que apoiou com veemência os protestos.
Delgado, 48, participou recentemente de uma exibição e de um debate sobre "Winter on Fire" na Universidade Católica da Venezuela, onde a oposição a Maduro também é forte.
Muitos também divulgaram pelas mídias sociais.
"Esse documentário é imperdível", afirma a atriz e escritora venezuelana Ana Maria Simon, em sua conta no Instagram. "Todos os venezuelanos deveriam assisti-lo, especialmente aqueles que estão cansados, especialmente aqueles que estão quase perdendo a fé".
Em ambos os países os manifestantes contestavam presidentes que eles consideravam repressivos, e os confrontos foram ficando cada vez mais violentos. Mas também há muitas diferenças.
Eu protesto por um futuro melhor para minha filha e por uma Venezuela melhor
Eu protesto pelo meu país... somos a resistência e estamos lutando para que o mundo entenda que estamos vivendo em uma ditadura. Eu luto pela linda Venezuela
Eu protesto por um país melhor, por um futuro melhor e para que não vivamos em uma ditadura. Estou protestando para que minha família possa ter um futuro melhor
Enquanto os manifestantes da Ucrânia enfrentavam um frio congelante dia e noite, os da Venezuela se dispersam rapidamente quando começa a chover, e voltam para a casa à noite, além de desfrutarem de um ameno clima caribenho.
Os venezuelanos apontam que as gangues de criminosos tornam as ruas perigosas à noite. E com sua economia em colapso, muitas vezes eles sofrem com a falta de remédios, alimentos e outros itens, ao passo que os ucranianos tinham um bom abastecimento.
Hans Wuerich, que ganhou fama ao ficar nu na frente de um carro blindado segurando uma Bíblia em Caracas, diz que "Winter on Fire" o fez pensar que a Resistência da Venezuela precisava ampliar sua estratégia.
"Está na hora de levar os protestos além", diz o repórter de 27 anos na Praça Altamira, em Caracas, um dos focos das manifestações. "Mas precisamos nos organizar se quisermos tomar as ruas noite e dia, se realmente quisermos chegar a um ponto sem volta".
Eu protesto pelo meu futuro, pelo futuro do meu país e para que eu possa acordar amanhã sem confrontos ou ditadura
Eu protesto porque antes tínhamos tudo e agora não temos nada. Porque hoje precisamos acordar muito cedo para pegar fila e conseguir comprar comida. Eu vivo em uma favela e temos muitas necessidades, estamos passando fome
Eu protesto porque a situação que temos na Venezuela hoje é muito complexa, tanto politicamente quanto socialmente. Eu protesto para que meus irmãos possam ter uma educação melhor
Eu protesto pela liberdade. Tenho 18 anos e não tenho culpa disso, nunca votei em Chávez ou em Maduro. Quero poder estudar e aspirar a algo melhor. Esse regime nos roubou tudo, roubou nossa qualidade de vida e nossas oportunidades, então só podemos vir aqui defender nossos direitos
Eu protesto porque faltam remédios, porque tem muita gente revirando o lixo para comer e porque tem muita gente morando nas ruas
Eu protesto pelo futuro do meu país
