Metalúrgicos & Lula

Desconfiança e lealdade ao ex-presidente separam gerações de trabalhadores no ABC

Por Bárbara Rocha Da Eder Content, em São Paulo
Ricardo Stuckert/Instituto Lula Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Da esquina da rua João Basso com avenida Brigadeiro Faria Lima, no centro de São Bernardo do Campo, já era possível avistar o movimento no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a dois quarteirões. Às 6h24 do dia 11 de maio, pelo menos 150 trabalhadores se concentravam para o protesto com caminhada em direção à rodovia Anchieta.

No dia anterior, a assessoria de imprensa do sindicato enviara e-mail convidando jornalistas a cobrirem a mobilização organizada pela “‘Frente ABC contra o golpe’, em defesa da democracia e do mandato da presidenta Dilma Rousseff”. A data do protesto marcava também o início da votação da abertura do processo de impeachment da presidente, concluído com a cassação do mandato da petista no Senado Federal no último dia 31 de agosto. A presença na manifestação, contudo, não era uma chancela incondicional ao PT, sob investigação na Operação Lava Jato.

Embora a fidelidade ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteja nas entrelinhas dos comentários dos metalúrgicos de hoje, o olhar crítico em relação ao governo petista e ao próprio ex-presidente permeia a opinião das novas gerações das fábricas do ABC. Ao longo dos mais de 35 anos que se passaram desde as grandes mobilizações conduzidas por Lula pedindo melhores condições para os trabalhadores, especialmente durante as grandes assembleias na Vila Euclides, o posicionamento dos metalúrgicos parece ter ido da devoção a Lula e paixão pela luta sindical à frieza e certa descrença entre os trabalhadores do chão de fábrica dos dias atuais.

Já entre os contemporâneos do Lula sindicalista dos anos 70 e 80, a percepção sobre o político permanece intacta. Os metalúrgicos que aderiram às greves que pararam o ABC paulista na década de 80 ainda veem o ex-presidente com as lentes daqueles anos. “Ele era a mesma coisa que depois de presidente [da República]. Sempre foi brincalhão, um cara extrovertido. A mesma coisa, não modificou nada”, garante Nelson Campanholo, amigo próximo do político na época em que presidia o sindicato.

ABC em crise

Na manifestação do dia 11 de maio, um boneco narigudo de terno e cartola, com um cifrão estampado entre um par de chifres, expunha uma placa onde se lia “PATRÃO”. O protesto, mais do que uma movimentação contra a queda do governo Dilma, era uma reivindicação por melhores condições para os trabalhadores do ABC.

Na capa do jornal "Tribuna Metalúrgica' daquele dia, a manchete resumia o cenário nas fábricas da região: “Luta pelo emprego”. Apenas no primeiro semestre de 2016, a Junta Comercial de São Paulo registrou o fechamento de quase 300 indústrias de transformação nos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano, Diadema e Mauá.

Principal polo automotivo do país, as cidades da região conhecida como ABC paulista enfrentam os reflexos da queda no licenciamento de automóveis, caminhões e ônibus, que ronda a casa dos 20% ao mês na comparação com o ano passado. A desaceleração na economia que impacta a indústria automobilística resulta numa sucessão de demissões, férias coletivas, layoffs, paradas programadas na produção e licenças remuneradas há vários meses. Em agosto, duas gigantes do setor, Volkswagen e Ford, deram férias coletivas aos seus funcionários.

Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, as montadoras vêm fechando vagas em ritmo acelerado desde o final de 2013, quando a crise no setor começou.

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Insatisfação de operários

O operador de máquina Antônio Luís Racine fumava um cigarro e aguardava o início da manifestação. Questionado sobre o impeachment de Dilma Rousseff e a finalidade da mobilização, respondeu: “A gente não quer que o governo caia, tem muita coisa que a gente não concorda, mas os [governos] antigos eram para os empresários e o PT trouxe coisas para quem mais precisa, que é o trabalhador. O momento não é bom, tem medidas que prejudicam o trabalhador e existe crise, mas a maior crise é política. Contra o Lula não tem nada comprovado. Se tiver, vai aparecer”, finaliza, se referindo às acusações contra o ex-presidente, denunciado na Lava Jato.

O montador Evandro Rodrigues saiu da capital paulista, onde mora, até o sindicato àquela hora da manhã devido à insatisfação tanto com o empresariado quanto com o governo. “Estão querendo tirar alguns direitos trabalhistas para quem tem estabilidade, fora outras coisas, como plano de saúde, refeição, transporte. Se tivesse crise, não estava tudo lotado nos shoppings. Só eles estão ricos?”, questiona.

Do lado de fora do sindicato, espaço em que a figura de Lula é tão emblemática, Evandro revela desconfiança em relação ao governo de Dilma Rousseff. "Todo crime tem que ser julgado. Se o governo cair, vão querer tirar garantias, benefícios e só quem tem a perder é quem trabalha. É uma tirania.”

Acho que eles tinham que ser exemplo, mas lutaram e se enturmaram pra roubar. Sou contra o impeachment e não acho certo um ladrão julgar o outro. [Mas] Se for provado, tem que pagar

Evandro Rodrigues, montador

Na recepção do sindicato, Adilson Cordeiro estava isolado, de braços cruzados, aguardando o início da caminhada. Bem perto, a camiseta vermelha de outro metalúrgico estampava o rosto de Lula e a frase “Em Defesa da Democracia #SomosTodosLula”. Com 25 anos de metalurgia, a resposta de Adilson sobre o impeachment é um tímido “nada a ver, né?”. Em meio ao grupo, adere ao coro: “Sindicato é PT”.

O passado sindicalista do PT

No livro “História do PT”, o historiador Lincoln Secco resgata uma frase de Lula em 1978, quando o ex-presidente disse que a “organização da classe operária num partido era só questão de tempo”. No mesmo ano, entre maio e dezembro, Lula e os companheiros de sindicato organizaram 328 greves, com destaque para a paralisação de 41 dias iniciada pelos funcionários da Scania e rapidamente reproduzida por mais de 150 mil trabalhadores.

O movimento sindical ganhava cada vez mais força, se arriscava em pressionar um regime militar com um governo ditatorial por garantias melhores aos trabalhadores. Lula era a cabeça das grandes mobilizações. No Estádio Vila Euclides, seus grandes discursos eram espalhados boca a boca na ausência de alto-falante ou microfone e continuam na memória de trabalhadores atualmente aposentados.
 

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Os remanescentes da Vila Euclides

  • Juno Rodrigues (Gijo), 73

    Ex-operário na Kharmann-Ghia | Proprietário do Gijo's, restaurante em São Bernardo do Campo (SP) frequentado por Lula | Participou da criação do Partido dos Trabalhadores (PT) e é filiado à sigla até hoje

    Imagem: Cacalos Garrastazu/Eder Content
  • Maurílio Dias Sales, 54

    Ex-operário na Volkswagen | Sindicalizado, acompanhou Lula na década de 1980, nas grandes assembleias na Vila Euclides

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  • Nelson Campanholo, 77

    Ex-operário na Brastemp, Mercantil Suíça e Kharmann-Ghia | Integrou a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e Diadema | Fundador do PT | Desfiliou-se do partido em 2001

    Imagem: Cacalos Garrastazu/Eder Content
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Um homem de boas intenções

Em 10 de fevereiro de 1980, a previsão de Lula se cumpriu com o lançamento do Manifesto de Fundação do PT. À época, Maurílio Dias Sales chegava da pequena Céu Azul, cidade do Paraná, para tentar a vida em São Paulo. Na cozinha de sua casa em São Bernardo do Campo, ele recorda que viu Lula pela primeira vez em 1981, na efervescência do movimento sindical. O jovem metalúrgico acabara de ser contratado na Volkswagen após seis meses desempregado. O líder das mobilizações era, para ele, um homem com boas intenções.

Não mudou de ideia. "Até agora não provaram nada. Se provar, se ele merecer, concordo que ele vá preso, como muitos caras estão indo, mas até agora não provaram nada que é dele, que tá no nome dele", diz o aposentado, que acompanha tudo pela televisão. A imagem que teve de Lula há mais de três décadas permanece. "Eu tenho certeza de que as intenções dele sempre foram boas e sempre serão, na minha opinião, como esquerdista.”

Naquela época todo mundo saía na rua, era esquerda, era Lula… O Lula era endeusado, todo mundo confiava nele. Isso que estão falando, não é tudo isso, é a imprensa que inventa muito, entendeu?

Além de ter acompanhado o ex-presidente da plateia das grandes assembleias, a visão de Maurílio sobre a figura de Lula também se apoia nos oito anos do petista na Presidência da República. A vida do trabalhador mudou significativamente, "só não vê quem não quer”, diz ele. “Antes, você só via carro velho na rua, porque as pessoas não tinham condições de comprar carro, os juros eram muito altos. Só quem podia comprar carro zero eram pessoas ricas, assalariado que trabalha em firma não comprava. Depois que o Lula entrou, você não vê nenhum carro velho, financiava em 40 vezes."
 

Milton Soares - 25.mar.1979/Folhapress Milton Soares - 25.mar.1979/Folhapress

Síndrome da representação

A admiração e confiança intactas de Maurílio e outros ex-metalúrgicos refletem o que a cientista política Rachel Meneguello, da Universidade Estadual de Campinas, chama de sentimento de identidade entre Lula e aqueles que o acompanharam. “A manutenção da associação de Lula com suas origens, a sólida trajetória política construída a partir das várias eleições e a realização de um governo com políticas direcionadas aos setores mais pobres da sociedade são motivos suficientes para que sua figura pública continue a ter influência sobre esses setores", explica.

Na teoria da representação política, essa identificação pessoal entre liderança e liderados recebe o nome de representação descritiva. Nesse caso, um trabalhador representando trabalhadores.

O contexto político em que as gerações da categoria se formaram, observa a cientista política, é crucial na formação da imagem de Lula. Segundo ela, as greves de 1980 tiveram um contexto político muito especifico, não apenas de transformação do regime político e fim da ditadura, mas também de transformação do próprio sindicalismo e de sua regulamentação à época.

"Foi esse contexto que construiu boa parte da liderança de Lula", afirma Rachel, explicando que é um cenário distante das transformações que o universo sindical enfrentou nos últimos anos, com queda significativa no volume de filiados não só no Brasil como em outros países.
 

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Chuleta, recortes e admiração

A especialidade do tradicional Gijo's restaurante é a chuleta paulista, carne preparada com um tempero simples e caseiro que o dono do estabelecimento não revela. “O segredo é o manuseio com amor e carinho que reflete no sabor”, diz, entre gargalhadas, Juno Rodrigues, mais conhecido pelo apelido que dá nome ao restaurante.

Numa manhã de domingo em maio de 2016, Gijo recolhe pratos e talheres já dispostos em uma das mesas e abre espaço para a volumosa pasta com uma foto da campanha presidencial de 2006 na capa. Três dias antes, o Senado aprovara por 55 votos a favor e 22 contra o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República por 180 dias e a abertura do processo de impeachment da sucessora de Lula no Planalto. Pouco mais de cem dias depois, o mesmo Senado aprovou a cassação do mandato da petista e empossou seu vice, Michel Temer, no comando do país.

“Vai passando o tempo e eu vou colocando tudo aqui”, conta Gijo, enquanto folheia os sacos plásticos repletos de recortes de jornais e revistas e fotos de diferentes fases do ex-presidente. O material começou a ser preparado no início do primeiro mandato de Lula no Planalto: há desde um jovem ainda esguio se formando no curso profissionalizante do Senai até o elegante senhor no triunfo da Presidência da República, passando por imagens do jovem metalúrgico colando o rosto ao da primeira mulher, Lourdes, e do sindicalista de barba farta sendo carregado pelos companheiros no estádio Vila Euclides.

Quadros pendurados nas paredes do restaurante confirmam a amizade entre os dois ex-metalúrgicos. Entre os registros, há fotos de Lula nos bastidores da disputa presidencial com Fernando Collor de Melo, em 1989, de Gijo entre o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente durante uma Noite da Chuleta --evento que já não acontece há um bom tempo devido à crise econômica-- e de companheiros erguendo a bandeira do PT no mesmo local.

Juno virou Gijo quando era funcionário da Karmann-Ghia: o capuz do uniforme, combinado aos óculos de proteção, deixava suas orelhas de fora. À época, o rato Topo Gigio fazia sucesso em um programa de TV infantil. A associação entre o personagem e o metalúrgico espalhou o apelido, adaptado simplesmente para Gijo. “O Lula só me chama de Topo Gigio”, diz o sorridente dono do restaurante familiar localizado no bairro Assunção, em São Bernardo do Campo.

Montador e ponteador na fábrica do carro esportivo famoso na década de 70, Gijo conheceu Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e Diadema e fez campanha para que o colega das Indústrias Villares fosse eleito para representar a categoria. “Foi uma campanha gostosa, só entre companheiros. Ele ganhou a eleição e foi uma das coisas mais bonitas que já vi, em 1975.”

Cacalos Garrastazu/Eder Content Cacalos Garrastazu/Eder Content

Memórias

Eleitor de Lula em todas as eleições disputadas pelo político, Gijo é um seguidor do ex-presidente. Lula, afirma, é mais que um amigo. "Os anos de governo dele como presidente foram os melhores desde que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral. Ele tem um jogo de cintura muito forte, consegue conversar com todos, com oposicionista e até com o inimigo, tem condições de explicar, de falar”, diz o devotado amigo. Se Dilma tivesse seguido esse estilo teria feito um bom governo, afirma o metalúrgico aposentado.

Segundo Gijo, o governo Dilma fracassou porque a presidente cassada se recusou a seguir as orientações de Lula. “Seria melhor ter perdido a eleição passada do que ter ganho com a Dilma. Ela não tem jogo de cintura, não atendia ninguém.” Mas as investigações da Lava Jato, as acusações contra Lula na Operação Aletheia e o processo de impeachment de Dilma não afetam a essência do Partido dos Trabalhadores, diz Gijo. “Puseram uma crise na cabeça do PT, mas o PT não tem crise. [O partido] é o mesmo da fundação. A luta do trabalhador, do petista, continua e vai ser igual sempre."

Quem não estiver de acordo que saia, avisa. Reclamando de quem está no partido por interesse próprio, cita deputados e vereadores sem apontar nomes. "Os petistas autênticos não saem”, garante, com as mãos batendo levemente sobre a mesa, ao lado da pasta que guarda a história de Lula.

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Petista de coração: sem carteirinha

Nelson Campanholo se desfiliou do PT em 2001. Na época, foi trabalhar na campanha do ex-prefeito de São Bernardo do Campo Maurício Soares e não achou justo pedir votos para um candidato do PPS sendo filiado ao PT.  No final de 2015, participou da organização do PSL e presidiu a Comissão Provisória da sigla na cidade, mas garante que seu coração continua sendo petista.

Quem assistiu ao documentário “ABC da Greve”, de Leon Hirszman, viu um Campanholo com os cabelos ainda pretos, a barba volumosa e a sobrancelha expressiva ao lado de Lula nas grandes assembleias. Em uma tarde de maio de 2016, o espaçoso sofá na sala de estar de sua casa, localizada em um bairro nobre de São Bernardo do Campo, acomoda um homem de 77 anos, hoje com os cabelos totalmente brancos contrastando com a sobrancelha pouco grisalha e ainda marcante.

Ele também mudou de opinião sobre o partido que ajudou a fundar com Lula, e mostra desconforto com os rumos do PT. "Eu confio no Lula mais do que ninguém. Se você perguntar se eu colocaria as duas mãos no fogo pelo Lula, eu [digo que] coloco o corpo. Pelo Lula. Agora, daí para frente não é mais nada daquilo que foi nosso primeiro grupo."

Começou a aparecer muita gente que não tem nada a ver com o PT, não sabe o que é PT, acho que nunca entrou numa fábrica. Eu não conheço, não sei quem é

Membro da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e Diadema e cassado pela ditadura militar, Nelson foi um dos poucos dirigentes que escapou do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) em abril de 1980, quando companheiros como Lula, Djalma Bom, Rubens Teodoro de Arruda e Devanir Ribeiro foram presos. Mesmo sem parte das principais lideranças e com o Estádio Vila Euclides interditado, trabalhadores em greve se dirigiram à praça no centro de São Bernardo do Campo para uma assembleia que seria liderada por ele. Dom Cláudio Hummes alertou-o que seria preso e mandou Campanholo se esconder no confessionário da Igreja Matriz de São Bernardo. Assim, escapou de ser preso pelo Dops.

Operário na Brastemp e, mais tarde, na Mercantil Suíça e na Karmann-Ghia, Nelson filiou-se ao sindicato dos metalúrgicos em janeiro de 1965. Em 1969, passou a integrar a diretoria do sindicato como diretor de base, ano em que Lula passou a ser conselheiro.

Já na década de 1970, quando Paulo Vidal Neto decidiu se afastar da presidência e o vice Rubens Teodoro de Arruda se recusou a assumir, Nelson foi convidado a ser o novo presidente do sindicato. Preferiu indicar Lula: “O Lula não aceitou não, de jeito nenhum. Nós tivemos que trabalhar um mês para convencê-lo”. Companheiros de sindicato, logo se tornaram compadres. Em 1973, Campanholo foi padrinho do casamento do ex-presidente com Marisa Letícia. A militância levou-o a fundar o PT, em 1980, junto com Lula e outros companheiros. Dois anos depois, chegou à Câmara de Vereadores de São Bernardo pela nova sigla.

O Lula Presidente da República, no entanto, se distanciou de Campanholo. De longe, o companheiro metalúrgico observou com desconforto os apoios costurados pelo amigo enquanto ocupou o Palácio do Planalto. “Quando eu vi aquela foto do Lula com o Maluf fiquei com dor de barriga. Não pode, não pode, não pode!” Ele se refere às imagens de Lula, Paulo Maluf e Fernando Haddad em clima de parceria e descontração, trocando abraços e apertos de mão em 2012. À época, Maluf oficializava seu apoio ao PT nas eleições municipais de São Paulo, em que Haddad era pré-candidato. Em 1980, o mesmo Maluf, então governador do Estado de São Paulo, coordenou a operação que levou Lula e outros sindicalistas do ABC a serem presos pelo Dops durante a greve de trabalhadores que durou 41 dias.

“Os anos de governo Lula foram os melhores de todos os tempos de República. Eu sei que tem que ter parceria, mas algumas, se eu estivesse [no lugar dele], não faria. Não deu certo." A prova disso, diz Campanholo, está nas investigações da Lava Jato e no afastamento de Dilma Rousseff da Presidência.

Confiança inabalável

Às frentes de apuração contra Lula na Operação Lava Jato, como a que envolve a compra e a reforma de um sítio em Atibaia e o tríplex da OAS no Guarujá, os metalúrgicos da velha guarda de São Bernardo respondem com uma dose inabalável de confiança no Lula sindicalista. “Até agora não tem nada que fale que é dele. Tá tudo no nome dos outros, se não tá no nome dele não é dele. Quando provar que é dele, a Justiça vai falar”, diz Maurílio Sales Dias, ex-operário da Volks em São Bernardo.

Gijo, o dono do restaurante com fotos de Lula nas paredes, repete o mesmo dogma. "Eu tenho um sítio, posso falar que você pode ficar lá à vontade, vou mobiliar, mandar reformar e você fica lá, pode usar. Não é seu, é meu.” Ele se refere à principal acusação contra Lula na Operação Lava Jato, que aponta que o ex-prefeito de Campinas Jacó Bittar (PT) e sua família foram “laranjas” na compra do sítio Santa Bárbara, em Atibaia, no valor de R$ 1,5 milhão, para ocultar a propriedade do suposto verdadeiro dono --o ex-presidente Lula. Além disso, um laudo da Polícia Federal aponta indícios de que o ex-presidente e sua mulher, Marisa Letícia, orientaram reformas na propriedade estimadas em R$ 1,2 milhão.

Quem te viu, quem te vê

Fabio Braga/Folhapress Fabio Braga/Folhapress

O voto é dele

No dia 10 de junho de 2016, em ato “Fora, Temer” organizado em São Paulo pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, uma multidão ouviu Lula declarar, do alto do palanque, em tom de desafio: “Quanto mais me provocam, mais corro o risco de ser candidato a presidente em 2018”. A resposta foi um coro de aplausos e gritos efusivos de uma multidão que ocupava a avenida Paulista.

Quase dois meses depois, em 29 de julho — dia em que se tornou réu por tentativa de obstruir as investigações da Operação Lava Jato com a suposta compra do silêncio na delação de Nestor Cerveró, ex-presidente da Petrobras —, Lula voltou a manifestar disposição para disputar a próxima corrida presidencial. Foi num evento organizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região.

Se o objetivo de tudo isso é tirar o Lula da campanha de 2018, não precisavam fazer isso, porque podemos escolher um outro companheiro com mais qualidade ou uma companheira. Mas essa provocação me dá uma coceira...

Menos de um mês depois, em 26 de agosto, Lula e sua mulher, Marisa, foram indiciados pela Polícia Federal. Em 14 de setembro, o Ministério Público denunciou o casal e outras seis pessoas por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica no inquérito que investiga a propriedade e reforma do tríplex no Condomínio Solaris, no Guarujá. É a primeira vez que Lula é denunciado na Operação Lava Jato.

Por tudo isso, Nélson não tem dúvida: “Ele vai preso. O Lula vai preso". O pano de fundo, segundo ele, é a eleição de 2018. "Não é problema se deve ou se não deve. Tudo que está acontecendo é 2018. Eles estão fazendo tudo, tudo, tudo para ele não ser candidato.”

Desde fevereiro deste ano, o ex-presidente só não apareceu à frente nas intenções de voto para o Planalto em 2018 no mês de março --exatamente o mês em que foi levado coercitivamente pela Polícia Federal para depor. Na pesquisa Datafolha mais recente, realizada em julho, Lula lidera com 22% das intenções, seguido por Marina Silva (Rede), com 17%, e Aécio Neves (PSDB), a oito pontos percentuais de distância, com 14%.

"Você acha que essas pessoas que votaram nele falaram brincando? Falaram a verdade!", diz o empolgado Maurílio, subindo o tom de voz. O voto dele Lula já tem. Gijo também não hesita: espera que o ex-presidente retorne na corrida presidencial de 2018. Se vencer, "carregaria ele nas costas”, afirma.

Xinhua/Rahel Patrasso Xinhua/Rahel Patrasso

Que imagem Lula deixa?

Mesmo diante das complicações de Lula na Justiça e do desgaste do governo petista, a professora Rachel Meneguello explica que a imagem de Lula como um político honesto mantida por antigos metalúrgicos não é questão de ingenuidade dos admiradores ou de integridade do ex-presidente. “O fato é que, diante do cenário tão negativo que marca a política nacional atualmente, com a crise dos partidos, dos políticos, das casas legislativas e dos escândalos de corrupção, vínculos de confiança que não estão associados à política institucional, mas ao mundo do trabalho e do movimento social, podem ter efeito positivo nessa adesão.”

Ela não acredita que a imagem do PT como partido de esquerda tenha se diluído, mas avisa que a sigla terá trabalho nas próximas eleições para recuperar antigos seguidores. “O PT teve um desgaste muito significativo com os escândalos e denúncias que atingiram várias de suas principais lideranças, mas não parece plausível considerar que o partido perdeu lugar como partido à esquerda do espectro ideológico", afirma.

Diante da possibilidade das acusações contra Lula serem comprovadas, o ex-metalúrgico Maurílio, que garantiu voto no ex-presidente em 2018, recua: “Vai ser uma decepção pra quem votou nele, como é meu caso. Muitas pessoas vão se desiludir da política. Uma pessoa que você viu trabalhar, tomar 'borrachada' da polícia fazer isso… é difícil, né? Mas, enquanto isso, vamos ver que bicho que dá”.

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