Lixo no paraíso

De garrafas a seringas, pesquisadores encontram plástico de mais de 20 países em Noronha e Abrolhos

Larissa Leiros Baroni Do UOL, em São Paulo
João Vianna João Vianna

Pelo menos 25 milhões de toneladas de lixos são despejadas por ano nos oceanos, segundo a Iswa (Associação Internacional de Resíduos Sólidos, na sigla em inglês).

O mar de lixo não poupa os principais parques marinhos do Brasil: Parque Nacional dos Abrolhos, na Bahia, e Parque Nacional de Fernando de Noronha, em Pernambuco. 

Nos dois, coletas de lixo feitas por pesquisadores encontraram muito plástico, de mais de 20 países diferentes, em resíduos de sacolinhas de plástico, garrafas, redes e até seringas.

No Brasil, pelo menos 2 milhões de toneladas de resíduos chegam aos mares, o equivalente para ocupar 7 mil campos de futebol, de acordo com a estimativa da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais). 

maior problema é o plástico, que representa de 60% a 80% de todo o lixo oceânico, de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas).

Não há como cercar o mar para impedir que todo esse lixo chegue até as reservas ambientais marinhas."

Thayna Mello, analista ambiental do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha

Jason Silva/Eleven

Fernando de Noronha

Zaira Matheus Zaira Matheus

Com uma área maior que a de Vitória (11.370 hectares), o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha é santuário de cerca de 230 espécies de peixes e 15 de corais, além de tubarões, tartarugas marinhas, golfinhos e aves migratórias, como fragatas e viuvinhas.

Algumas das espécies que ali vivem estão ameaçadas de extinção, como é o caso da tartaruga-cabeçuda, a tartaruga-verde e o tubarão-limão.

O parque cobre 70% da ilha principal e outras 21 ilhas do arquipélago que, desde 2001, é reconhecido como patrimônio mundial da humanidade.

Uma vez por mês voluntários percorrem as praias do parque voltadas para o mar aberto recolhendo todo e qualquer lixo encontrado. Nos últimos seis meses, foram coletados 200 kg de plástico.

Arte/UOL
Zaira Matheus Zaira Matheus

O lixo que chega até Noronha não é produzido apenas no Brasil. De acordo com Mello, em uma só coleta foram registrados lixos plásticos "made in" China, Turquia, Taiwan, Cingapura, Índia, Indonésia, Coreia do Sul, Malásia, Emirados Árabes Unidos, Costa do Marfim, Senegal, Guiné, Marrocos, Congo e Serra Leoa, Espanha, Irlanda, Alemanha, França, Grécia e Inglaterra.

Isso certamente não é nem 1% do lixo que navega pelo oceano e coloca em risco tanto as espécies marinhas como as aves."

Thayna Mello

Não é possível saber se o plástico produzido em outros países foi descartado por brasileiros, por navios de viagem que passam na região ou mesmo chegaram pelos mares, conforme a corrente do mar e os ventos.

Rafael Cerqueira/Prime Filmes

Abrolhos

Luiza Sampaio / Kalangoo Imagens Luiza Sampaio / Kalangoo Imagens

No Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, na Bahia, o projeto de coleta de lixo começou em outubro de 2017, como parte de um programa de iniciação científica com alunos do ensino médio.

O parque de 91.235 hectares --tamanho equivalente ao de Belém-- foi criado em 1983 para proteger a região com a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul. A área abriga inúmeras espécies de peixes, moluscos, corais, esponjas e aves (atobás, trinta-reis, fragata, grazina e benedito), e é também local de reprodução de baleias jubartes e tartarugas marinhas.

"Fizemos duas varreduras pelas diferentes ilhas do arquipélago, a última delas em fevereiro de 2018. Uma terceira está prevista para maio desse ano", explica Lucas Cabral Ferreira, bolsista do Programa de Pesquisa e Monitoramento do parque.

Segundo Ferreira, foram 75kg de lixo coletados em três ilhas do parque --Siriba (22kg), Redonda (26kg) e Sueste (25Kg). 

Além do plástico, foram recolhidos materiais como fibras de vidro e vidro, mais uma vez não apenas do Brasil.

"Materiais possivelmente trazidos pela corrente marítima, mas nada impede de terem sido descartados por embarcações internacionais que tenham navegado pelas proximidades do parque", relata Ferreira. 

Arte/UOL
istock
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Má gestão dos resíduos sólidos

Cerca de 80% do lixo que navega pelo oceano vem das cidades em razão da “má gestão dos resíduos sólidos”, segundo a Iswa (Associação Internacional de Resíduos Sólidos, na sigla em inglês).

No Brasil, de acordo com o último levantamento do Ministério do Meio Ambiente, ao menos 56% dos municípios recorrem a depósitos inadequados na hora de se livrarem do lixo que produzem.

Em 2016, 2.692 cidades brasileiras depositavam a maior parcela dos resíduos sólidos urbanos em lixões. Outras 427 em "aterros controlados" --espaços que, embora com alguma tentativa de reduzir o impacto ambiental, continuam altamente poluentes. 

Chris Jordan/Prix Pictet Chris Jordan/Prix Pictet
Ana Carolina Grillo Ana Carolina Grillo

Ameaça silenciosa

Não há estudos específicos sobre como o lixo e, principalmente, o plástico tem afetado as espécies que vivem tanto em Abrolhos como em Fernando de Noronha.

Ainda não notamos o desaparecimento de nenhuma espécie, mas é evidente que o lixo é uma ameaça real"

Fernando Repinaldo Filho, analista ambiental do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos

De vez em quando, alguns animais vítimas do lixo são encontrados em Noronha, como uma tartaruga enrolada em uma linha de pesca e um peixe preso em um anel de garrafa PET.

"São casos pontuais, mas o impacto do lixo nas espécies que vivem aqui pode ser muito mais abrangente, só que ainda é desconhecido", aponta Mello, que diz se preocupar, sobretudo, com as aves marinhas, já que o parque é o principal sítio de reprodução desses animais no país.

Uma pesquisa publicada em 2015 na revista científica "Proceedings of the National Academy of Sciences" apontou que cerca de 90% das aves marinhas tinham plástico em seu organismo. A previsão dos pesquisadores era de que esse percentual chegaria a 99% até 2050.

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