Limpeza étnica

A fuga desesperada de mais de 400 mil muçulmanos de Mianmar

Dar Yasin/AP
Dar Yasin/AP Dar Yasin/AP

Mais de 400 mil muçulmanos cruzaram a fronteira entre Mianmar e Bangladesh nas últimas três semanas fugindo do massacre promovido pelo exército birmanês no oeste do país.

De acordo com agências da ONU, tal êxodo é algo "sem precedentes" na história da humanidade em termos de número de refugiados e da velocidade desse deslocamento forçado.

Os ataques cometidos contra a minoria muçulmana rohingya, considerada apátrida em Mianmar, país de maioria budista, são um exemplo clássico de "limpeza étnica", segundo a ONU.

Desde agosto, o exército de Mianmar é acusado de perseguir, matar e incendiar vilarejos da minoria rohingya.

Após chamar de "iceberg de desinformação" e de "notícias falsas" a situação catastrófica vivida pelos rohingyas no país, Aung San Suu Kyi, líder do país e prêmio Nobel da Paz em 1991, afirmou na terça (19) que "não é a intenção do governo fugir de suas responsabilidades" e se comprometeu a permitir o retorno dos refugiados.

Suu Kyi, no entanto, evitou criticar as operações militares que, com incêndios, bombas e mortes, provocaram o êxodo em massa dos rohingyas a Bangladesh --os militares governaram o país por 54 anos, até 2016, e ainda detêm enorme poder no país.

Mohammad Ponir Hossain/Reuters Mohammad Ponir Hossain/Reuters
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Terror começou em agosto

No dia 25 de agosto, militantes do Exército Arakan de Salvação Rohingya (Arsa, na sigla em inglês), grupo que reivindica direitos para a população muçulmana no país, atacaram postos policiais na fronteira com Bangladesh, no oeste do país. Na ocasião, ao menos 70 policiais e rebeldes morreram. 

Em represália, o exército birmanês deu início a uma operação militar que, segundo relatos citados da ONU, incendiou vilarejos, matou civis e espalhou minas terrestres na fronteira com Bangladesh.

Segundo a organização internacional não governamental Human Rights Watch, com base em imagens de satélites, ao menos 214 vilarejos foram incendiados desde o fim de agosto. Na cidade de Maungdaw, a população muçulmana rohingya foi praticamente dizimada, segundo a ONG de direitos humanos Arakan Project, que atua desde 1999 com a população da região.

Se observa aqui um padrão claro e sistemático de abusos. As forças de segurança cercam uma aldeia, disparam contra as pessoas que fogem em pânico e depois incendeiam as casas. Em termos legais, são crimes contra a humanidade: ataques sistemáticos e expulsão forçada de civis

Tirana Hassan, Diretora de Resposta de Crise da Anistia Internacional

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O escritório da ONU em Bangladesh disse, na segunda (18), que 225 mil refugiados estão em novos assentamentos, enquanto 161 mil estão em acampamentos preexistentes e outros 29 mil se encontram em comunidades de acolhimento.

Os refugiados que chegam exaustos e famintos em Bangladesh podem morrer por falta de comida, água e abrigo, caso ações de emergência não sejam intensificadas. Dados da Unicef apontam que as crianças representam cerca de 60% das pessoas que fugiram de Mianmar para o Bangladesh nas últimas semanas.

No sábado (16), o secretário para a gestão de desastres de Bangladesh, Shah Kamal, afirmou à AFP que cerca de 14 mil novos abrigos serão construídos no país nos próximos dez dias para receber refugiados.

 

 

Ao menos 3 mil crianças refugiadas estão desnutridas

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Quem são os rohingyas?

A maior comunidade apátrida do mundo

Muçulmanos em um país em que 90% da população é budista, os rohingyas são considerados estrangeiros em seu próprio país --com cerca de 1 milhão de habitantes vivendo sem cidadania birmanesa, são considerados a maior comunidade apátrida do planeta.

Desde que a nacionalidade birmanesa foi retirada do grupo em 1982, eles passaram a sofrer muitas limitações: não podem viajar nem casar sem autorização, não têm acesso ao mercado de trabalho nem aos serviços públicos (escolas, hospitais).

A lei birmanesa sobre a nacionalidade de 1982 especifica, concretamente, que apenas os grupos étnicos que podem demonstrar sua presença no território antes de 1823 podem obter a nacionalidade birmanesa.

Os rohingyas afirmam serem indígenas do Estado de Rakhine, habitando o local antes de 1823, mas as autoridades birmanesas alegam que eles são muçulmanos de origem bengalesa que migraram para Mianmar durante a ocupação britânica, classificando-os de bengaleses, ou seja, cidadãos do país vizinho Bangladesh. Um membro da etnia rohingya que deixar Mianmar é tratado como migrante caso queira voltar.

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Após três semanas, líder de Mianmar promete ajuda a refugiados

Somente após três semanas depois do início da crise, a líder birmanesa se pronunciou com uma promessa de ajuda para que os refugiados voltem para casa.

"Estamos profundamente desolados com o sofrimento de todas as pessoas envolvidas neste conflito", declarou a líder birmanesa, citando tanto a minoria rohingya como a população budista que foge de suas vilas na zona do conflito.

Mesmo após a ONU classificar a situação no país como limpeza étnica, Suu Kyi evitou críticas diretas ao Exército local, o que levou a centenas de milhares de pessoas de todo o mundo assinarem uma petição pedindo a retirada de seu Prêmio Nobel da Paz, recebido em 1991.

Aung San Suu Kyi não participou da Assembleia Geral da ONU, que teve início nessa terça-feira (19). No ano passado, em seu discurso nas Nações Unidas, ela havia prometido defender os direitos desta minoria e opor-se aos "preconceitos e à intolerância".

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