Artistas da caverna

Humanos já pintavam há cerca de 20 mil anos e usavam lanternas para iluminar paredes de gruta francesa

Fernando Cymbalouk Do UOL, em São Paulo

Uma caverna fascinante

Com mais de 6.000 amostras de arte rupestre, que incluem pinturas e gravuras, a caverna de Lascaux se equipara a um grande museu de arte com mais de 200 metros. Junto das cavernas de Chauvet (França) e de Altamira (Espanha), é um dos sítios arqueológicos mais importantes do mundo.

Em suas paredes figuram representações de animais cujas datações variam entre 17.000 e 15.000 anos a.C., época que corresponde ao período do Paleolítico, quando os humanos ainda não dominavam a agricultura -- em Chauvet e Altamira estão as obras rupestres mais antigas (até 40.000 anos a.C).

As imagens de cavalos são as mais numerosas. Há também veados, bisões e bovídeos extintos, como auroques. Descoberta por quatro adolescentes em 1940, quando a França estava sob ocupação nazista, Lascaux está fechada para visitas para que a arte rupestre seja preservada. Contudo, um site feito pelo Ministério da Cultura da França permite realizar um passeio virtual. 

Ministère de La Culture/Centre National de La Préhistoire Ministère de La Culture/Centre National de La Préhistoire

Vale de segredos

A bacia sedimentar do rio Vézère guarda diversos segredos pré-históricos. Há ali vestígios arqueológicos que remontam quase 350 mil anos. Seus depósitos pré-históricos possibilitam estabelecer uma cronologia completa do Paleolítico Superior. 

A riqueza do local é explicada pela geologia. Há no vale do Vézère formações ideais para abrigo, o que provavelmente levou as populações pré-históricas a escolheram essa região como local de habitação. Já as características físicas do terreno, com propriedades que isolam a umidade, permitem que os sítios arqueológicos sejam preservados. Nos arredores de Lascaux podem ser encontradas outras 37 cavernas e abrigos decorados com pinturas rupestres.
 

Passeio virtual

Fechada para preservação, Lascaux pode ser "visitada" pela internet

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A aventura de quatro adolescentes

No dia 12 de setembro de 1940, com a França sob domínio nazista, o jovem aprendiz de mecânico Marcel Ravidat encontrou uma abertura entre rochas de uma colina às margens do rio Vézère, no caminho para a cidade de Montignac. Ele e mais três amigos da vila em que morava, Jacques Marsal, Georges Agnel e Simon Coencas, resolveram explorar o que parecia a entrada de uma passagem subterrânea.

O grupo de jovens ampliou a entrada, deslizou pelas rochas que se estendiam em um poço vertical até chegarem a uma galeria de 30 metros de comprimento. Caminhando ao longo dela, puderam ver as primeiras pinturas da caverna, iluminadas pela lanterna que carregavam. Os amigos exploraram cada parte da caverna, até mesmo um buraco com oito metros de profundidade, onde desceram com o auxílio de uma corda e encontraram a última pintura: um ser antropomorfo enfrentando um bisão.

Os meninos contaram sobre a descoberta para Léon Laval, um professor da escola em que estudavam. Seis dias depois, Laval visitou o local na companhia da trupe de desbravadores. Lascaux logo começaria a receber a visita dos primeiros arqueólogos e pre-historiadores, como Henri Breuil, Jean Bouyssonie, Dr. Cheynier e Denis Peyrony. 

Galerias com diferentes suportes

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A caverna

A entrada da caverna está a uma altitude de 185 metros na colina que margeia o rio Vézère, com uma vista para o vale abaixo. O lugar de entrada hoje corresponde com a entrada pré-histórica. O nível do piso cai 13 metros da entrada para o centro e 19 metros no poço final.

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As paredes

As ferramentas para pintura e gravação escolhidas dependiam das características das paredes. Em algumas partes, ela é coberta por uma camada de calcita branca. A dureza e a textura dificultavam a gravura, mas incentivam os artistas a desenhar.

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O bestiário

A iconografia da caverna é limitada a três temas básicos: animais, sinais (como traços) e uma figura antropomorfa. Não há paisagens ou plantas. O bestiário é reflexo da fauna da área, mas não é representativo de todos os seus hábitos alimentares.

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Lanterna para iluminar caverna

Para os arqueólogos, era altamente improvável que seres humanos pudessem criar pinturas ou gravuras nos cantos distantes das cavernas, longe de uma fonte de luz natural. Pensava-se que os humanos do Paleolítico não eram capazes de fabricar um instrumento portátil capaz de liberar luz suficiente para iluminar as paredes.

No entanto, no fim do século 19, foram descobertos em cavernas na França objetos com pequenos fundos cobertos por fuligem. A análise revelou a presença de combustíveis feitos de gordura animal. Estas teriam sido as primeiras lanternas fabricadas pela humanidade.

As escavações feitas em Lascaux levaram à descoberta de uma lanterna em arenito vermelho, completamente trabalhada e polida, equipada com uma alça e adornada com uma gravura. Além dessa, mais de uma centena de lanternas, nem todas tão elaboradas, foram encontradas na caverna. 

Capela Sistina do Paleolítico

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Galerias

Lascaux foi tradicionalmente dividida em sete setores: o Salão dos Touros, a Galeria Axial, a Passagem, a Nave, a Câmara dos Felinos, a Abside e o Poço. A Sala dos Touros apresenta a composição mais espetacular, repleta de desenhos e pinturas. O Poço apresenta a cena mais misteriosa de Lascaux: um homem com cabeça de pássaro e de sexo ereto atacando um bisão

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Ateliê

As escavações realizadas em cavernas decoradas como Lascaux revelam que a ocupação pelos humanos paleolíticos era temporária e ligada a atividades que tinham a ver com a arte rupestre. Esses santuários raramente serviram como morada. Apenas os primeiros metros, ainda iluminados por luz natural, foram possivelmente utilizados para esse propósito.

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Lâmina e paleta

Mais de 350 ferramentas de pedra, como lâminas e apoios para gravação, foram encontradas em Lascaux. Quanto à pintura, os artistas pré-históricos tiveram uma paleta relativamente limitada, com cor preta e tons quentes -- castanho escuro, vermelho e amarelo. Os pigmentos que restaram são de origem mineral, como óxidos de ferro e manganês, além de carvão vegetal.

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Os sentidos dos desenhos

Mas, afinal, o que significam os cavalos, bisões e o ser antropomorfo no final da caverna? Seria arte pela arte, como vemos em museus modernos, ou representações religiosas, como as que encontramos em igrejas da Renascença?

Uma interpretação comum é a de que as pinturas rupestres estavam ligadas à magia da caça. Outras teorias relacionam o bestiário encontrado nas cavernas a rituais de fecundidade, ao totemismo e ao xamanismo. 

Mais recentemente, as pesquisas realizadas em Lascaux revelaram o fato de que a construção dos painéis seguiu um protocolo: os cavalos eram sempre desenhados primeiro, seguidos por aurouques e depois por veados. Esta sequência corresponderia às mudanças das estações do ano -- os cavalos corresponderiam ao início da primavera, os aurouques ao verão e os veados, ao outono. Assim, as figuras simbolizavam a passagem do tempo e a ligação entre as mudanças biológicas e o tempo cósmico.

Independentemente da interpretação, a caverna de Lascaux nos convida a um passeio único. Como diz texto no site criado pelo Ministério da Cultura da França, "da entrada da caverna até suas profundezas, lemos um grande livro que se inicia com as primeiras mitologias fundadoras da humanidade e desdobra-se diante de nossos olhos, tendo como tema central a criação de nosso mundo".

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