Vamos todos comer insetos?

Aumento da população e vantagens nutritivas prometem pratos mais 'viscosos'

Fernando Cymbaluk Do UOL, em São Paulo
Michael Kooren/Reuters Michael Kooren/Reuters

Crocante por fora, cremoso por dentro. De gosto suave, vai bem em pratos doces ou salgados. É nutritivo, rico em proteína e não engorda. Uma iguaria assim, por incrível que pareça, não é nada rara. Abunda em quantidade e variedade no planeta.

Os insetos são apreciados há anos em algumas culinárias, mas a ONU ainda acha pouco. A organização mundial quer que todos nós entremos na onda para garantir alimentos para toda a população.

É bom?

Jornalistas do UOL provam formiga com sorvete

Inseto é o futuro

Já somos mais de 7 bilhões de pessoas, e a população continua a crescer. Para piorar, cada vez mais consumimos carne vermelha como principal fonte de proteína. Contudo, os recursos naturais e o espaço para produzir alimentos são cada vez menor. A solução para evitar a fome em massa, recomenda a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), é comer insetos

Os insetos estão em todos os lugares. Eles se reproduzem, crescem e podem virar comida rapidamente. As criações desses pequenos animais ocupam espaço bem menor que o das criações de gado. Comparando com bois e vacas, bebem menos água e consomem menos ração na produção de quantidades iguais de proteína.

“A concentração proteica em certos insetos é superior à concentração em vacas, porcos e galinhas”, diz Aline Castaldi, nutricionista. 

Insetos também são ricos em vitaminas e fontes de ácidos graxos e micronutrientes, como ferro, cálcio, magnésio, manganês, fósforo, selênio e zinco.

O uso de insetos na alimentação humana ajudaria a solucionar problemas como degradação do solo, escassez de recursos hídricos e desmatamento.

Depoimentos

A barata tinha sabor de mel por ser alimentada com mel. Crocante e suculenta. O primeiro impacto é a textura do exoesqueleto. Depois vem a explosão, com a saída da gordura e das vísceras. Aí mistura o crocante com o pastoso. [O sabor é] puxado pro mel, com milho verde, amendoado. É bem suave, não é agressivo

Fabiano Suzuki

Fabiano Suzuki, especialista em cozinha asiática da Universidade São Francisco

Comi larvas de tronco quando eu era escoteiro. Estava em um grupo de jovens, o desafio era comer a coisa. Mas foi bem natural. Tive uma sensação de gordura e de um sabor amargo. Era algo diferente, fiquei um pouco receoso. Mas na boca, não era nada ruim, que eu não quisesse nunca mais comer. Me marcou positivamente

Rossano Linassi

Rossano Linassi, chef de cozinha

Quando eu era criança, minha mãe colocava besouro do amendoim na sopa e na vitamina. O besouro, batido inteiro no liquidificador, era considerado fortificante. Tomar isso era uma moda na região em que eu morava na época. Também comi formiga na infância. Já adulto, quis comprar insetos em uma viagem ao México.

Eraldo Medeiros Costa Neto

Eraldo Medeiros Costa Neto, biólogo da Universidade Estadual de Feira de Santana

Comi pela primeira vez ao visitar uma produtora em Minas. Me serviram pão de queijo e bolo de fubá com farinha de grilos desidratados e triturados. Também experimentei larvas de tenébrio e baratas desidratadas. A textura é crocante e o sabor, diferente de tudo que já experimentei. Mas depende muito do preparo.

Beatriz Sumere

Beatriz Sumere, engenheira de alimentos

O que mais se come?

Viscoso, mas gostoso

Comer insetos não é nenhuma novidade. No Brasil, o consumo de formigas içá (ou tanajura) está presente na culinária indígena e na de comunidades quilombolas e ribeirinhas. Há também o costume do consumo de larvas de besouros encontradas em coquinhos na região Norte. “Já foi possível catalogar mais de cem insetos comestíveis no Brasil”, diz o biólogo Eraldo Medeiros Costa Neto.

Já em países da Ásia e da África, os insetos são bem mais presentes na mesa. Chineses, vietnamitas, coreanos e japoneses apreciam gafanhotos, cigarras e os casulos do bicho-da-seda, comidos fritos ou cozidos. Em Botsuana, na África do Sul e no Zimbábue, as lagartas mandorovás, de coloração azul e verde, são consideradas iguarias. Elas são espremidas, secas ao sol ou defumadas e servidas com molhos e ensopados.

Wong Campion/Reuters Wong Campion/Reuters

No México, é fácil encontrar grilos tostados sendo vendidos em barracas nas ruas. Também há no país o consumo de ovos de formiga negra gigante. Chamados de “caviar dos insetos”, eles são colhidos e preparados cozidos ou fritos para acompanharem tacos e tortilhas.

Segundo Medeiros, há cerca de três mil grupos étnicos em mais de 120 países que comem insetos. O consumo ocorre como substitutos de outros alimentos em tempos de escassez ou como constituintes principais da dieta. “São mais populares nas regiões tropicais, onde ficam maiores em tamanho e são mais fáceis de serem capturados”, diz Castaldi.

Quem viaja para esses países em busca de ingredientes exóticos para novas receitas, pode perceber mudanças nos hábitos alimentares de culturas que já haviam incorporado os insetos. “Na China, hoje, é mais para turista ver. Em outros países da Ásia, como Tailândia, é algo mais comum. O expoente no mundo é o México”, diz o chef Rossano Linassi.

A iguaria ganhou espaço recentemente em restaurantes sofisticados no Brasil. Para o chef Fabiano Suzuki, cada inseto tem um sabor diferente.

Que tal um yakissoba de insetos? Ou um vinho acompanhando um belo risoto aos quatro insetos. Queijo com doce de leite e formiga tanajura daria uma surpreendente sobremesa. 

Light e cheio de nutrientes

Você acha que não come?

Você pode pensar que nunca comeria insetos e nem suspeitar que já os consome faz tempo. Eles são usados na fabricação de corantes naturais, como o corante vermelho carmim, feito com a cochonilha - um animalzinho que mede de 3 a 5 milímetros e que é da mesma ordem das cigarras e dos pulgões (hemípteros).

Insetos são também usados na indústria de cosméticos, como corantes. E diversos pesquisadores buscam nos insetos a criação de produtos que possuam benefícios para a saúde. Segundo Medeiros, há espécies que são fonte de alimentos funcionais, com propriedades analgésicas, diuréticas e anestésicas. Isso sem falar em produtos como mel e própolis, feitos pelos insetos.

Henry Romero/Reuters Henry Romero/Reuters

Os animaizinhos vão aos poucos sendo inseridos na indústria alimentícia. Nos EUA, já existem produtos processados feitos à base de insetos, como barras de cerais com farinha de grilo, pirulito com insetos e salgadinho de larvas.

Grilos, formigas, baratas e tantos outros podem ser consumidos inteiros, moídos, processados em pó ou em pasta para serem incorporados a outros alimentos. “O consumo de insetos na forma de pó, para ser utilizado para enriquecer alimentos, já deveria estar em uso devido ao seu valor nutricional já comprovado”, diz Castaldi.
 

Quem cria insetos?

No Brasil, existem empresas que cultivam insetos, mas apenas para a produção de rações para animais. Há solicitações feitas ao Ministério da Agricultura de licenças para a produção destinada ao consumo humano. Contudo, esse uso ainda não é regulamentado. Com a ausência de normas, a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) considera a presença de insetos em receitas de restaurantes como “tradicional” e não aplica nenhuma sanção.

Os chefs que usam insetos em receitas possuem como fornecedores essas empresas de ração, que garantem uma procedência de qualidade. Existem ao menos três grandes criadores, localizados em São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. Os insetos podem ser adquiridos vivos, desidratados ou congelados. Quando comprados vivos, são abatidos na cozinha em água fervente.

As variedades presentes nos locais de criação de insetos acabam determinando as possibilidades de receitas. Segundo o chef Rossano, é possível encontrar nas empresas tenébrios (larva de besouro), baratas cinérea, baratas de madagascar, grilos e larva de mosca. Já as formigas tanajuras são adquiridas de comunidades tradicionais, que as coletam na época das chuvas e as vendem como fonte de renda extra.

“O quilo do inseto varia entre R$ 200 e R$ 250. Com certeza, no momento que regulamentar, o preço vai cair e mais pessoas vão produzir e usar comercialmente”, diz Rossano. A falta de regras para o setor acaba sendo o maior empecilho para a expansão do mercado de alimentos de insetos. Os chefs criam seus pratos apenas para eventos de exibição e degustação.

Lucas Lima / UOL

RECEITAS

Rolinho de grilos

O prato do chef Fabiano Suzuki usa 6 unidades de massa de rolinho primavera, 4 folhas de repolho, 1 cenoura, 1 talo de salsão, 20 gramas de gengibre, 20 gramas de farinha de trigo, pimenta preta, sal e 20 grilos. Salteie os grilos e misture aos legumes previamente cortados e temperados. Um fio de óleo de gergelim torrado finaliza o preparo do recheio. Coloque na massa e frite.

Arroz frito com tenébrios

O prato leva 50 gramas de tenébrios (larvas de besouro), 120 gramas de arroz agulhinha, abacaxi, 3 talos de cebolinha verde, 1 dente de alho, 2 ovos, curry em pó, pimenta do reino, sal e açúcar. Salteie os tenébrios em óleo de gergelim. As larvas formam um recheio com os ovos fritos, o arroz, a cebolinha e os temperos, que são misturados à polpa do abacaxi. O prato é servido no próprio abacaxi.

Carré de cordeiro com formigas negras

Os ingredientes são 40 gramas de formigas içá, 200 gramas de farinha de milho, 2 bananas, 2 pimentas dedo-de-moça, 1 cebola, 5 gramas de capim-limão, sal e massala (mix de temperos). Salteie as formigas na wok em óleo de soja. Depois disso, misture à farinha, que leva banana, cebola salteada e pimenta dedo-de-moça em rodelas. O carré de cordeiro é temperado com sal, massala e capim-limão e grelhado.

Mini abóboras com shitake e baratas

A receita do chef Rossano Linassi usa 2 unidades de mini abóboras, 50 gramas de shitake, 20 gramas de cebola, 30 gramas de cebolinha e salsinha, molho shoyou, azeite, sal e pimenta a gosto. E 30 gramas de barata cinérea. Cozinhe as abóboras sem as sementes. Prepare o recheio com cebola, shitake e baratas. Frite tudo separadamente antes de misturar. Tempere com shoyu, sal e pimenta.

Grilo coberto com chocolate belga

Uma opção de sobremesa é o grilo coberto com chocolate. Asse os insetos e cubra com um banho de chocolate. Os grilos possuem uma casca que dará à sobremesa uma crocância. Na parte interna, há um corpo gelatinoso, que conferirá ao doce uma cremosidade especial.

Onde comer ou comprar?

  • Cultivo na Nutrinsecta

    A Nutrinsecta é uma das maiores produtoras de insetos para ração animal no Brasil. A empresa, localizada em Betim (MG), possui uma linhagem de insetos que inclui diferentes ordens, como grilos, baratas e larvas de besouro. Ela envia os insetos desidratados para todo o Brasil.

  • Pratos da USF

    A Universidade São Francisco, em SP, realiza eventos de gastronomia. Nessas demonstrações, grilos, tenébrios e formigas são os ingredientes principais das receitas inspiradas na cozinha asiática. É possível acompanhar no site da instituição a divulgação de novos eventos.

  • Sorvete no Tuju

    Quer comer o sorvete que aparece no vídeo dessa reportagem? Você pode experimentá-lo no restaurante Tuju, em São Paulo. A sobremesa preparada pelo chef Ivan Ralston é acompanhada de consomê de jabuticaba, iogurte e sagu de coco. As formigas trituradas são base do sorvete.

  • Formigas do D.O.M

    O chef Alex Atala, do restaurante D.O.M, estuda a utilização de formigas como ingrediente para "resgatar sabores autênticos da cozinha brasileira". Ficou famosa a sobremesa de abacaxi com saúva da Amazônia do local. Em janeiro de 2017, promete voltar a servir o inseto, em uma receita diferente

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