"Tem parente [outros índios] que nos critica por causa da lavoura, mas ela trouxe benefício para nós. Hoje você vê as casas que a gente tem, a escola que está sendo construída com o recurso da lavoura, nosso poço artesiano, o pasto, o barracão", conta Dejanira Quezo, cacique da aldeia Chapada Azul, apontando o dedo em diferentes direções ao citar cada item da lista.
"Nós aprendemos com os brancos que precisamos comer e vestir bem. Você está vendo as crianças aqui, meus netinhos todos gordinhos. As crianças estão todas saudáveis. Antes a gente tinha desnutrição."
Durante visita às aldeias, a reportagem constatou que no interior das residências --muitas de alvenaria ou madeira-- não faltam geladeira, fogão, máquina de lavar, microondas e televisores. Aparelhos celulares e automóveis também são comuns entre os indígenas.
Sem sinal de telefonia no território, algumas aldeias instalaram antenas que permitem a utilização de internet via satélite, o que transformou as redes sociais --como WhatsApp-- no principal meio de comunicação com os municípios vizinhos.
A renda gerada pelas plantações de soja também ajuda a custear os estudos universitários de jovens indígenas paresis, que se já formaram como enfermeiros, advogados e professores.
Lucio Avelino Ozonazokaese, 27, faz parte dessa turma: é o primeiro engenheiro agrônomo paresi, graduado pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat).
Hoje, Ozonazokaese trabalha no projeto agrícola Matsene Kalore, que beneficia oito aldeias, inclusive a sua, Katyola.
"Me sinto orgulhoso de estar trabalhando com minha comunidade", diz. "É diferente de uma pessoa que se forma e trabalha longe da sua família para buscar seu sustento. Se fosse trabalhar longe dos meus parentes, não estaria me sentindo tão bem, já que poderia estar aqui desenvolvendo um projeto de grande importância [para a comunidade], e não um que beneficia apenas uma ou duas pessoas."
Por obedecer a uma lógica do mercado e ser avessa à dinâmica de vida indígena, parte do movimento indígena teme que a prática da lavoura mecanizada esteja afastando os paresis de sua cultura tradicional.
Mas os paresis entrevistados pela reportagem afirmam que mantêm firmes suas crenças e costumes, como os rituais para oferecer aos deuses carnes de caça, o preparo da chicha --bebida fermentada feita à base de cereais-- e a manutenção do paresi, sua língua tradicional.
"Nós não queremos ser fazendeiros, só queremos assegurar qualidade de vida a nós e às futuras gerações", diz Rony Paresi, cacique da aldeia Wazare. "Qualquer outra cultura do mundo, se você não tiver geração de renda, ela dificilmente sobrevive. Só estamos garantindo a dignidade de vivermos de igual para igual com a sociedade."
Entre os próprios paresis, existe a preocupação de que a continuidade da sojicultura aumente cada vez mais o grau de dependência em relação à atividade. Por isso, explicaram, parte dos recursos obtidos com a soja tem financiado outras formas de geração de renda como a piscicultura, criação de animais e o etnoturismo --caso da aldeia Wazare, do cacique Rony--, que recebe turistas interessados em conhecer a cultura paresi.
No entanto, essas alternativas ainda têm pouco espaço na economia paresi. "Se hoje os órgãos que acompanham nossos projetos decidirem acabar com eles definitivamente de uma hora para outra, acontece a calamidade", aponta Geovani Kezokenaece, da aldeia JM.
Trabalhador do projeto agrícola Rio Formoso, ele tenta estruturar uma alternativa à lavoura: desenvolve paralelamente o cultivo tradicional e orgânico de mandioca e banana e vende seus produtos a estabelecimentos da região.